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O TCU como farol jurisprudencial da 14.133/21: Primeiros feixes de luz

O TCU exerce influência crucial no sistema de controle brasileiro, orientando gestores públicos por meio de instruções normativas, resoluções e acórdãos, especialmente destacados em licitações e contratações públicas, garantindo legalidade, eficiência e transparência.

terça-feira, 7 de maio de 2024

Atualizado às 08:11

Mesmo que prevaleça a discussão a respeito da natureza jurídica da jurisprudência do TCU, bem como os debates quanto ao valor interno e externo de seus acórdãos, é inegável a influência que suas decisões exercem sobre todo o sistema de controle brasileiro, como um verdadeiro farol e mapa à disposição da sociedade e da Administração Pública. 

É o TCU, por intermédio de suas manifestações, quem guia e orienta os gestores públicos de todos os entes da Federação, ofertando diretrizes procedimentais claras e detalhadas no campo das contratações públicas. O art. 67 do Regimento Interno da Corte de Contas informa que, no exercício de suas competências, está apto a produzir: Instruções normativas, resoluções, decisões normativas, pareceres e acórdãos. 

As três primeiras têm caráter regulamentador, se assemelhando às funções exercidas pelos velhos mapas e pelo atual GPS. Como as cartas náuticas, essas formas de manifestação do TCU fornecem procedimentos pormenorizados que a Administração Pública deve observar, ampliando o potencial de êxito nas ações dos gestores em conformidade com a legislação vigente e com a boa governança. Igualmente, revela sua dinamicidade e adaptabilidade diante de novas e imprevisíveis situações. 

Quanto aos pareceres, por suas especificidades, são os meios menos utilizados pelo TCU para externar sua competência. Assim, os acórdãos, especialmente do Plenário, são as "grandes estrelas" da jurisprudência da corte, ou melhor, para mantermos a metáfora escolhida, as luzes deste imponente farol. Com a iluminação dos caminhos da legalidade e eficiência, ao mesmo tempo que lança feixes de transparência contra a escuridão da improbidade e da corrupção, além de garantir segurança e prevenir os riscos inerentes a qualquer empreitada. 

No tema das licitações e contratações públicas, o TCU sempre exerceu esse papel solar, desde a vigência das (finalmente) revogadas leis 8.666/93, 10.520/02 e 12.462/11. E não tem sido e nem será diferente com a lei 14.133/21, a NLLCA - Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Devemos lembrar que nos momentos de maior instabilidade, quando havia grande apreensão e enorme pressão para que se ampliasse mais a vigência das leis pretéritas, foram as iniciativas assertivas e os acórdãos da Corte (e.g. Acórdão 507/23) que tornaram possível a transição. 

Por óbvio, a nova legislação que está exclusivamente vigente há pouco mais de três meses, e que trouxe diversas inovações ao processo licitatório e das contratações públicas no Brasil, ainda demandará, nos próximos anos, muito trabalho analítico e interpretativo ao TCU. Quem acompanhou sua jurisprudência especialmente desde 2021, quando a lei 14.133/21 foi publicada, pode ter se frustrado ao perceber que alguns dispositivos do novo instrumento somente foram enfrentados de maneira residual e indireta. 

O dado inquestionável está longe de ser atribuído a qualquer postura omissiva da Corte. Na verdade, não houve um número maior de manifestações sobre a NLLCA pois a Administração Pública resistiu o quanto pôde em abandonar as conhecidas rotas da lei 8.666/93. 

Transposto o último prazo estabelecido pela LC 198/23, 30/12/23, o foco principal e prioritário da atividade hermenêutica do TCU é promover a esperada interpretação autorizada da lei 14.133/21, visando esclarecer e consolidar desde os novíssimos institutos, até aqueles já presentes em outras leis, mas que agora serão analisados sistematicamente. 

O informativo de licitações e contratos do TCU, é uma seleção de acórdãos elaborada pela Secretaria das Sessões da Corte e que reúne decisões inéditas, colegiadas ou que sejam a reiteração de um entendimento importante. São resumos de decisões que atualizam com muita objetividade aos interessados no tema e que possibilitam, conforme a curiosidade e a vontade do leitor/pesquisador, o aprofundamento dos assuntos relevantes a partir da indicação dos textos completos das manifestações, seja do Plenário ou das Câmaras.1

Entre 2022 e de 2023, mesmo já em vigência, a NLLCA foi raras vezes citada, enquanto as leis 8.666/93, 10.520/02 e 12.462/11 eram protagonistas nos resumos. Em pesquisa das últimas edições do informativo, é perceptível que, atualmente, a lei 14.133/21 já assumiu seu lugar de centralidade. 

No número 476, de fevereiro de 2024, que resumiu pontos do acórdão 266/24 - TCU/Plenário, sob a relatoria do ministro-substituto Augusto Sherman, foram abordados interessantes aspectos do art. 125 da NLLCA, que trata sobre alteração dos contratos e dos preços. Não é admissível, como regra, aditamentos de contratos de supervisão de obras além do limite legal de 25%, as exceções são restritíssimas para se deixar de realizar uma nova contratação, e, quando e se admitidas precisam comprovar, de maneira inequívoca, a desvantagem da decisão, exigindo-se a devida justificativa. 

No contrato analisado, o órgão apresentou justificativa, que não foi aceita. O texto completo do acórdão diferencia com precisão alterações dos tipos quantitativas e qualitativas, o que se mostrou fundamental para o posicionamento final do TCU. 

No mesmo informativo 476, mas na análise do acórdão 266/2024 - TCU/Plenário, também relatado pelo ministro-substituto Augusto Sherman, tratando do cumprimento daquilo que  está expressamente disposto no art. 132 da NLLCA, bem como no atendimento dos  princípios da transparência e da publicidade, foi vedada a realização de atividades não previstas em contrato, sem que se tenha formalizado termo aditivo, mesmo em casos nos quais não ocorra pagamento antecipado ou sem contraprestação de serviços, admitindo apenas ressalvas, com os requisitos, da própria legislação. 

Em resumo das decisões prolatadas nas sessões dos dias 27/2, 28/2, 5/3 e 6/3 de 2024, constantes do informativo 477, foram registradas anotações sobre o acórdão 387/24 - TCU/ Plenário, da lavra relatora do ministro Jhonatan de Jesus, tendo como fundamento da decisão o art. 17, §§ 1º e 3º da 14.133/21, que trata das fases do processo de licitação, especificamente da possibilidade de inversão. Essa é uma das inovações do novo regime de contratações públicas, que permite à Administração ajustar e adequar o rito licitatório às necessidades. Contudo, há limites para a variação procedimental.

Examinou-se, então, a pertinência de inversão de fases com relação à aplicação de uma prova de conceito. É um meio de avaliar se o objeto ofertado pelo licitante atende realmente às especificações técnicas do edital. A posição do TCU admitiu a inversão de fases entre habilitação e julgamento sob a condição de já constar tal eventualidade nos documentos relativos ao planejamento do pregão, "com explicitação dos benefícios decorrentes". A lógica da decisão assim se resume: "Se é cabível postergar toda a fase de julgamento das propostas para depois da habilitação, nada impede o postergamento de apenas uma parte da avaliação das propostas, a exemplo da prova de conceito".

No último informativo estudado, o 478, que abrangeu as sessões dos dias 12/3, 13/3, 19/3 e 20/3 de 2024, destacou-se o acórdão 465/24 - TCU/Plenário, que teve o ministro-substituto Augusto Sherman como relator. O dispositivo analisado foi o art. 59 da lei 14.133/21, que trata de situações que provocam a desclassificação de propostas, com destaque àquelas que apresentarem preços inexequíveis (art. 59, III) no caso de obras e serviços de engenharia (art. 59, § 4º). Entre as teses que defendiam a prevalência de presunção absoluta e de presunção relativa de inexequibilidade, prevaleceu a última, baseada no § 2º, do art. 59, pelo que se garantiu ao licitante a oportunidade de demonstrar a exequibilidade de sua proposta, independente do objeto a ser contratado ou de outras circunstâncias.

Sem dúvida, importantes decisões que repercutirão em todo o sistema de controle nacional. Muito mais está por vir e precisa vir! O caminho é longo, é novo, é desconhecido. Como bem escreveu Fernando Pessoa: "Navegar é preciso". E para navegar faz-se necessário dispor de mapas, e é fundamental contar com a ajuda de um farol!

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Disponível em: portal.tcu.gov.br. 

Giussepp Mendes

Giussepp Mendes

Advogado especialista em direito administrativo público.

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