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A prescrição penal

Para evitar erros na contagem do prazo de prescrição em processos judiciais, é necessário primeiro identificar a data em que ocorreram os eventos relevantes.

terça-feira, 7 de maio de 2024

Atualizado às 06:55

De acordo com o artigo 107, IV, do Código Penal, a prescrição, que é a perda do direito de ação ou de execução, é considerada uma causa de extinção de punibilidade. Em outras palavras, por inércia do Estado, mediante uma decisão judicial, um determinado fato delituoso ou sua execução são declarados extintos.

Quando a prescrição é declarada antes da execução do título condenatório, é chamada de prescrição da pretensão punitiva. Se ocorre após o trânsito em julgado de uma condenação criminal, é chamada de prescrição da pretensão executória. No primeiro caso, o Estado perde o direito material de condenar uma pessoa por um determinado fato criminoso. No segundo caso, o Estado perde o direito de executar uma sentença condenatória transitada em julgado.

A prescrição da pretensão punitiva, ou seja, aquela declarada pelo Poder Judiciário antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, é contabilizada pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada à infração penal. Aplica-se a regra estabelecida nos incisos I a VI do artigo 109 do Código Penal.

Por exemplo, o crime de estelionato previsto no artigo 171 do Código Penal tem pena de reclusão de um a cinco anos, o que significa que a pena máxima é de cinco anos de reclusão. De acordo com o artigo 109, III, do Código Penal, que estabelece o prazo prescricional de doze anos para infrações penais com pena máxima superior a quatro e inferior a oito anos de reclusão, o crime de estelionato prescreverá em doze anos. Assim, o artigo 111, I, do Código Penal dispõe que a prescrição começa a correr a partir do dia em que o crime se consumou. Considerando que o fato criminoso foi praticado em 04 de abril de 2024, essa infração penal prescreverá em 4 de abril de 2036.

Na outra hipótese, na contagem da prescrição após a sentença condenatória transitada em julgado, o artigo 112 do Código Penal determina que a prescrição regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo 109 do Código Penal, os quais são aumentados de um terço se o condenado é reincidente.

É importante destacar que o artigo 112, I, do Código Penal estabelece que essa prescrição começa a correr do dia em que transita em julgado a sentença condenatória para a acusação, ou a que revoga a suspensão condicional da pena ou o livramento condicional.

Sendo assim, considerando que o acusado é primário e foi condenado à pena definitiva de três anos de reclusão, e a sentença condenatória transitou em julgado para a acusação em 04 de abril de 2022, a prescrição da pretensão executória ocorrerá em 04 de abril de 2030, conforme previsto no artigo 109, IV, do Código Penal.

Além disso, de acordo com o artigo 115 do Código Penal, se o infrator era menor de vinte e um anos na época do crime, ou maior de setenta anos na data da sentença, os prazos prescricionais indicados no artigo 109 do Código Penal são reduzidos pela metade.

Vale ressaltar que o artigo 117 do Código Penal descreve as causas interruptivas da prescrição, ou seja, situações que interrompem a contagem do prazo prescricional. Interrompida a contagem, todo o prazo começa a correr novamente a partir do dia da interrupção. As hipóteses que determinam a interrupção do prazo prescricional incluem o recebimento da denúncia ou queixa, a pronúncia, a publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis, o início ou continuação do cumprimento da pena e a reincidência.

Ademais, os artigos 118 e 119 do Código Penal estabelecem que as penas mais leves prescrevem com as mais graves e, no caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada crime isoladamente. Por exemplo, se o infrator é acusado de apropriação indébita e estelionato, a contagem do prazo prescricional será feita separadamente para cada infração penal. 

No julgamento do RHC 130.332/DF, relatado pelo Ministro Nefi Cordeiro, da Sexta Turma, e julgado em 15/9/2020, DJe de 23/9/2020, onde o paciente era acusado de praticar dois crimes contra o meio ambiente, o relator, ao aplicar o princípio da consunção entre os artigos 48 e 64 da Lei nº. 9.605/98, declarou a prescrição dos dois delitos e concedeu ordem de habeas corpus para determinar o trancamento da ação penal instaurada. Na visão do julgador, a consunção põe fim à autonomia do crime-meio, não subsistindo a pretensão punitiva do Estado em relação a esses fatos delituosos:

"1. Consoante já decidido por esta Corte, quando praticados no mesmo contexto fático, o delito de impedir a regeneração natural da flora (art. 48 da Lei 9.605/98) configura pós-fato impunível do delito de construção em área não edificável sem a respectiva licença ambiental (art. 64 da Lei 9.605/98). Precedentes.

2. Declarada a prescrição do crime-fim (art. 64 da Lei 9.605/98) torna-se necessário o trancamento da ação penal deflagrada para a apuração do crime-meio (art. 48 da Lei 9.605/98), uma vez que a consunção põe fim à autonomia do crime-meio, não subsistindo a pretensão punitiva do Estado quanto a esse fato delituoso.

3. Desse modo, extinta a punibilidade do crime-fim pela prescrição, como no caso dos autos, não há previsão no ordenamento jurídico que autorize restaurar a pretensão punitiva quanto aos delitos absorvidos."

É importante ressaltar que antes de 5/5/10, a prescrição da pretensão punitiva poderia ser reconhecida com base na pena concreta, ou seja, na pena estabelecida na sentença condenatória. Isso porque até essa data, era possível calcular o prazo prescricional a partir da data anterior ao recebimento da denúncia. 

Por exemplo: se o crime foi cometido em 2000 e a denúncia foi recebida em 2009, o réu, que era primário, foi condenado em 2010 a uma pena definitiva de 3 anos de reclusão. Considerando que o prazo prescricional para a pena estabelecida na sentença condenatória é de 8 anos (conforme o artigo 109, IV, do Código Penal), e que entre a data dos fatos e o recebimento da denúncia passaram-se 9 anos, ocorreu a prescrição da pretensão punitiva entre a data dos fatos e o recebimento da denúncia.

Entretanto, com a publicação da lei 12.234, de 5 de maio de 2010, que alterou os artigos 109 e 110 do Código Penal, essa forma de cálculo prescricional para o reconhecimento da prescrição que tenha como marco inicial uma data anterior ao recebimento da denúncia ou queixa foi tornada inviável:

"O reconhecimento da prescrição entre a data do fato e o recebimento da denúncia, baseando-se na pena em concreto, somente é possível quanto a fatos ocorridos antes de 5/5/2010, pois a nova redação dada pela Lei n. 12.234 ao § 1º do art. 110 do CP veda expressamente o reconhecimento da prescrição que tem por marco inicial "data anterior à da denúncia ou queixa".

(EDcl nos EDcl nos EDcl no AgRg no RE no AgRg nos EAREsp n. 680.850/RJ, relator Ministro Humberto Martins, Corte Especial, julgado em 16/5/2018, DJe de 25/5/2018.)"

Por último, diante da grande quantidade de casos levados ao Superior Tribunal de Justiça para análise de possível prescrição relacionada a crimes tributários, a Corte estabeleceu o Tema Repetitivo 1166. Este tema, alinhado à Súmula Vinculante 24 do STF, determinou que a prescrição da pretensão punitiva somente poderá ser considerada a partir da constituição definitiva do crédito tributário. Portanto, se o crédito tributário foi definitivamente constituído em 04 de abril de 2024, a prescrição terá início em 05 de abril de 2024: 

"O crime de apropriação indébita previdenciária, previsto no art. 168-A, § 1.º, inciso I, do Código Penal, possui natureza de delito material, que só se consuma com a constituição definitiva, na via administrativa, do crédito tributário, consoante o disposto na Súmula Vinculante n. 24 do Supremo Tribunal Federal".

Portanto, para evitar equívocos na contagem do prazo prescricional, o primeiro passo é determinar a data em que os fatos ocorreram. Se os fatos ocorreram antes da publicação da Lei nº. 12.234/2010, é possível considerar na contagem da prescrição a pena estabelecida na sentença condenatória. O intervalo prescricional entre a data dos fatos e o recebimento da denúncia pode indicar a prescrição da pretensão punitiva. 

Além disso, é crucial verificar se o condenado tinha menos de 21 anos na época do crime ou se tinha mais de 70 anos na data da sentença, pois essa constatação resultará na redução pela metade dos prazos prescricionais estabelecidos no artigo 109 do Código Penal. 

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Decreto-Lei nº. 2.848, de 7 de dezembro de 1940.

Lei nº. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998.

Lei nº. 12.234, de 5 de maio de 2010.

RHC n. 130.332/DF, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 15/9/2020, DJe de 23/9/2020.

EDcl nos EDcl nos EDcl no AgRg no RE no AgRg nos EAREsp n. 680.850/RJ, relator Ministro Humberto Martins, Corte Especial, julgado em 16/5/2018, DJe de 25/5/2018.

Tema Repetitivo 1166, do Superior Tribunal de Justiça.

Súmula Vinculante 24 do Supremo Tribunal Federal.

Ricardo Henrique Araujo Pinheiro

VIP Ricardo Henrique Araujo Pinheiro

Advogado especialista em Direito Penal. Sócio no Araújo Pinheiro Advocacia.

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