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Quando uma postagem em rede social pode gerar dispensa por justa causa?

Redes sociais no trabalho: como postagens podem justificar a dispensa por justa causa e suas consequências legais.

sexta-feira, 10 de maio de 2024

Atualizado às 13:45

Com o avanço das redes sociais e a crescente interconectividade digital, observamos um fenômeno no mundo contemporâneo: o aumento da capacidade dos trabalhadores de expressarem suas opiniões, compartilharem suas experiências e interagirem com um público amplo experiências por meio de redes sociais. No entanto, essa liberdade de expressão, muitas vezes, se choca com as expectativas e políticas das empresas para as quais as pessoas trabalham.

É cada vez mais comum que empregadores enfrentem situações delicadas quando seus funcionários publicam conteúdo nas redes sociais que pode ser considerado controverso, inadequado ou, até mesmo, em desacordo com as normas internas da empresa ou com a legislação trabalhista vigente. Questões éticas, legais e de gestão de reputação entram em jogo nesses casos, exigindo uma delicada ponderação entre a liberdade individual do trabalhador e os interesses e valores da organização empregadora.

A capacidade de monitorar e regular as atividades dos funcionários nas redes sociais levanta uma série de dilemas. Até que ponto uma empresa pode ou deve intervir na vida pessoal on-line de seus empregados? Quais são os limites legais e éticos dessa intervenção? Como encontrar um equilíbrio entre proteger a reputação da empresa e respeitar a privacidade e liberdade de expressão dos trabalhadores e trabalhadoras?

A depender da postagem, seja ela uma foto, um vídeo ou um texto, pode ser ensejada a dispensa por justa causa. O caso deve ser analisado de forma profunda, visto que representa a medida mais drástica que pode ser tomada contra um funcionário na vigência do contrato de emprego.

Para a aplicação da dispensa por justa causa, por ser a penalidade máxima, deve-se observar os requisitos, quais sejam a (i) tipicidade ou gravidade, (ii) responsabilidade do empregado, (iii) relação de causa e efeito entre a falta e a punição, (iv) adequação e proporção entre a falta e a punição, (v) a imediaticidade ao aplicar a justa causa visto que a falta de punição pode ensejar perdão implícito, (vi) a não discriminação, (vii) a singularidade da punição e (viii) de acordo com a natureza e a gravidade da falta, o aspecto educativo na aplicação das sanções.

A dispensa por justa causa é regulamentada pelo art. 482, da CLT1. O referido artigo apresenta incisos taxativos, os quais são enquadrados os casos concretos. No que tange à temática deste artigo, as alíneas em questão são o "b", "j" e "k":

Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:

b) incontinência de conduta ou mau procedimento;

g) violação de segredo da empresa;

j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

A avaliação de demissão por justa causa em relação à divulgação de fotos por funcionários em redes sociais segue critérios específicos. Se as fotos prejudicarem a empresa ou difamarem seus diretores, caracterizando mau procedimento ou atos lesivos à honra, isso pode levar à demissão com base no art. 482, alíneas "b" e "k" da CLT. O mesmo se aplica se as fotos incluírem colegas de trabalho sem autorização, configurando mau procedimento ou atos lesivos à honra, conforme o art. 482, "b" e "j" da CLT. Se as fotos revelarem informações confidenciais da empresa, caracterizando violação do segredo empresarial, isso também pode levar à demissão, conforme o art. 482, "g" da CLT. Por fim, comentários difamatórios em relação a diretores da empresa ou colegas de trabalho, acompanhando as fotos, podem resultar em demissão com base no art. 482, "j" e "k" da CLT.

Todavia, a existência de efetivos prejuízos à empresa em virtude da falta praticada pelo empregado é uma questão que tem sido bastante considerada pelos Tribunais. Para ilustrar, a 8ª turma do TRT/MG reverteu a justa causa aplicada ao empregado dispensado por ato de indisciplina/insubordinação e ato lesivo à honra e boa fama da empresa2.

No caso relatado, o trabalhador postou em sua rede social um vídeo em que aparecia, no interior do veículo da empresa, vestindo uniforme, com um cigarro entorpecente na mão. No vídeo, o trabalhador oferece o cigarro a outro colega de trabalho.

O desembargador relator entendeu por reverter a justa causa sob o fundamento de que a empresa não se desvencilhou de seu ônus da prova de demonstrar que o autor estava produzindo e divulgando "vídeo nas redes sociais difamando o bom nome e a imagem da empresa". Ainda, disse que por ter sido divulgado no status do WhatsApp, apenas os contatos do trabalhador teriam acesso ao conteúdo, não possuindo a projeção social e, por consequência, não atingindo a boa imagem da empresa.

Essas são questões complexas que têm sido objeto de debate e reflexão em diversos âmbitos, incluindo o jurídico, o empresarial e o ético. À medida que as interações digitais continuam a moldar o ambiente de trabalho, é fundamental que empregadores e trabalhadores busquem compreender e negociar essas questões de forma colaborativa e transparente, a fim de promover um ambiente de trabalho saudável, produtivo e respeitoso para todos os envolvidos.

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1 BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Diário Oficial da União, Brasília, DF.

2 Processo nº  0011331-88.2023.5.03.0187

Tainá Dias Couto

Tainá Dias Couto

Mestra em Direito do Trabalho pela UFMG. Bacharela em Direito pela UFOP. Membra da Comissão de Enfrentamento ao Trabalho Escravo OAB/MG. Advogada no Gonçalves Boson Arruda Advogados.

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