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A devassa do confessionário

Em face de abusos cometidos em recentes investigações policiais, o presidente nacional da OAB, Cezar Brito, divulgou nota oficial condenando o uso de escutas telefônica e ambiental em escritórios de advocacia, uma vez que o diálogo entre o causídico e seu cliente deve ser sempre "livre e sigiloso para assegurar o amplo direito de defesa".

quarta-feira, 27 de junho de 2007

Atualizado em 25 de junho de 2007 16:30


A devassa do confessionário

René Ariel Dotti*

Em face de abusos cometidos em recentes investigações policiais, o presidente nacional da OAB, Cezar Brito, divulgou nota oficial condenando o uso de escutas telefônica e ambiental em escritórios de advocacia, uma vez que o diálogo entre o causídico e seu cliente deve ser sempre "livre e sigiloso para assegurar o amplo direito de defesa".

O bâtonnier acentua que não se trata, neste caso, apenas de respeitar uma prerrogativa funcional mas, sim, "da defesa da sociedade e da democracia contra o arbítrio estatal e o estado policial que hoje atinge a defesa do cidadão, mas que adiante pode alcançar outras dimensões".

Um dos exemplos profundamente deploráveis do abuso de poder foi registrado há poucos dias quando o Ministro Gilmar Mendes classificou como "canalhice" a tentativa de um dos setores policiais em desqualificar a sua condição de alto magistrado. Consistiu ela na divulgação de uma "notícia", no contexto da investigação de rumorosos episódios da chamada Operação Navalha, de um contato telefônico suspeito do ministro com pessoa ligada à corrupção e outros crimes contra a Administração Pública. Na verdade foi utilizado o nome de um homônimo para criar a sensação perante milhões de telespectadores do Jornal Nacional da Rede Globo de descrédito em figura de reputação ilibada.

A devassa da intimidade, da vida privada, da imagem e outros direitos da personalidade - conquistados após séculos de notáveis lutas - somente é justificável nos casos expressamente admitidos pela Constituição. O caso da escuta telefônica ou ambiental de diálogo entre o Advogado e seu cliente ofende, abertamente, uma das regras elementares da Lei nº 8.906/94 (clique aqui), o Estatuto da Advocacia e da OAB, que declara entre os direitos do profissional "ter respeitada, em nome da liberdade de defesa e do sigilo profissional, a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, de seus arquivos e dados, de sua correspondência e de suas comunicações, inclusive telefônicas ou afins, salvo caso de busca ou apreensão determinada por magistrado" (art. 7º, II).

A Constituição Federal (clique aqui) proclama que "são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos" (art. 5º, LVI). E a captura da imagem ou da conversação entre o Advogado e seu cliente é uma das hipóteses elementares de prova ilícita, equivalente à gravação, no confessionário religioso, do pecador que pede ao padre a sua absolvição.

Essas observações estão em harmonia com a posição do Conselho da Justiça Federal que em recente encontro na cidade de Porto Alegre recomendou cautela na expedição de mandados de prisão e de busca e apreensão (Folha de São Paulo, 22.05.07, p. A8).

A mesma prudência deve ser adotada quanto às interceptações e escutas telefônicas, sob pena de se cometer grave atentado contra o Estado Democrático de Direito.

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*Advogado do Escritório Professor René Dotti

 

 

 

 

 

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