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Por que é inconstitucional a PEC 28/24?

O parlamento não pode suspender os efeitos de decisão do STF em matéria de controle de constitucionalidade das leis. É, sim, inconstitucional!

quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Atualizado às 13:47

Pensei que já tinha visto muita coisa no Direito. Agora, a CCJ - Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, manifestou-se favorável às propostas que limitam os poderes do STF.

Uma das propostas esdrúxula e absurda seria suspender os efeitos de decisão do STF em matéria de controle de constitucionalidade das leis e atos normativos (PEC 28/24).

Lembrei-me da frase de Jean-Louis de Lolme: "A Câmara de Lordes pode tudo, só não pode transformar um homem em uma mulher e uma mulher em um homem".

Incrível! Isso tem nome: é terraplanismo jurídico! É desrespeitar a hermenêutica constitucional. É dar um drible na Constituição!

Contem, outra, excelentíssimos deputados!

Ora, eu e você, leitor, e as pedras da rua sabemos que emendas à CF/88 podem ser inconstitucionais quando atropelam os limites do poder reformador. Pois então. É evidente de que qualquer EC tem que ter sempre o DNA da CF.

Com todo o respeito aos que pensam diferente: a verdade é que a PEC 28/24 errou feio! Faltou combinar com a CF! Faltou combinar com as cláusulas pétreas!

Por que é inconstitucional a PEC 28/24?

Vamos lá. A lei maior tem uma pedra no meio do caminho da CCJ, como no poema de Drummond, que, como se sabe, é o art. 60, § 4º, III. Mas, em tempos estranhos, é sempre bom repetir:

Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

  1. A forma federativa de Estado;
  2. O voto direto, secreto, universal e periódico;
  3. A separação dos Poderes;
  4. Os direitos e garantias individuais.

Por outras palavras, caso a emenda à CF seja promulgada pelas mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, estará escancaradamente maltratando uma matéria que a Assembleia Nacional Constituinte ordenou como cláusula pétrea, que é a separação entre os poderes. 

Além do que, não se pode jamais esquecer que: "Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição" (art. 102, CF, "caput"). Ou seja, a vontade do poder constituinte originário é que o STF seja o guardião da Carta Magna. Simples assim!

Significa dizer que a última palavra, em matéria de interpretação constitucional, será sempre do Supremo. Por óbvio, não é do Poder Legislativo. Não, mesmo! 

A propósito, todos os cidadãos podem e devem interpretar a CF. Porém, o STF é, sim, soberano. Vale dizer: terá sempre a palavra final envolvendo tema sobre jurisdição constitucional. Goste ou não goste.

Essa engenharia constitucional foi desenhada pela Constituinte de 1988, dando à Corte Suprema o monopólio de interpretar a lei fundamental da república.

Alguma dúvida? 

A História se repete?

Tivemos o golpe de 1937. Estado Novo ou museu de grandes novidades? À época, já tinha o fake news. Inventaram o Plano Cohen, de uma suposta ameaça comunista. Vargas fechou o Congresso. Prisões. Tortura. Censura.

A Constituição de 1937, outorgada, vale dizer, sem a participação popular, que namorava com o fascismo, no art. 96, parágrafo único previa:

"No caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que, a juízo do Presidente da República, seja necessária ao bem-estar do povo, à promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta, poderá o Presidente da República submetê-la novamente ao exame do Parlamento: se este a confirmar por dois terços de votos em cada uma das Câmaras, ficará sem efeito a decisão do Tribunal." 

Pois é. Na ditadura de Vargas, na "defesa do interesse nacional", no caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei, o Parlamento podia tornar sem efeito a decisão do Tribunal.

A história se repete? Será o fantasma da ditadura de 1937?

O curioso é que nem no regime militar ousaram fazer uma barbaridade dessas...

CCJ quer "dar o troco" no STF

A CCJ da Câmara dos Deputados finge que é cega. Não faz análise jurídica. Mas ideológica. Na verdade, ela quer "dar o troco" no Supremo na tensão entre os Poderes da República; que é fruto da polarização. Há uma dobradinha entre a extrema-direita e a CCJ para enfrentar o STF.

Querem que o Supremo seja um apêndice do Congresso...

Mas cada um no seu quadrado. Não cabe ao Parlamento meter a colher no controle de constitucionalidade. É o Sistema de Freios e Contrapesos ou Teoria da Separação dos Poderes, de Montesquieu, no livro "O Espírito das Leis".

Olha o verdadeiro absurdo: o Congresso ser revisor e ter poder de suspender os efeitos das decisões do STF, em matéria de jurisdição constitucional.

Conclusão

Se o PCO - Poder Constituinte Originário, em 1988, criador da nova ordem jurídica, quisesse que o Congresso suspendesse os efeitos de decisões do STF, em matéria de controle de constitucionalidade das leis, estaria positivado, sim, entre os 250 artigos da CF.

Com honestidade intelectual: O PCO não o fez!

À vista disso, se por esquizofrenia constitucional a emenda à Constituição (PEC28/24)  seja promulgada o Poder Constituinte Derivado (poder de faze EC), violará, sim, o limite material que o constituinte fixou, ou seja, a cláusula pétrea da separação entre os poderes (CF, art. 60, § 4º, III).

E, mais, repito: o constituinte disse que "compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição". Isto é: a última palavra, em matéria de interpretação constitucional, será sempre do Supremo. Por óbvio, não é do Poder Legislativo. Não, mesmo! 

O STF é, sim, soberano. Vale dizer: terá sempre a palavra final envolvendo tema sobre controle constitucional. Goste ou não goste! Na democracia funciona desse jeito, não é?

Simples assim!

O resto é terraplanismo jurídico! É desrespeitar a hermenêutica constitucional! É dar um drible na Constituição!

Errou feio a CCJ!

Renato Otávio da Gama Ferraz

VIP Renato Otávio da Gama Ferraz

Renato Ferraz é advogado, formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), professor da Escola de Administração Judiciária do TJ-RJ, autor do livro Assédio Moral no Serviço Público e outras obras

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