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Concursados e comissionados

Tudo bem que comissão signifique, em primeiro lugar, o ato de cometer, de encarregar. Segundo Aurélio, comissão, do latim commissione, significa também, preenchimento de cargo ou função em caráter temporário por funcionário já pertencente ao quadro da administração pública, sendo comissionado aquele que exerce uma comissão.

segunda-feira, 16 de julho de 2007

Atualizado em 13 de julho de 2007 13:39


Concursados e comissionados

Wilson Silveira*

Tudo bem que comissão signifique, em primeiro lugar, o ato de cometer, de encarregar. Segundo Aurélio, comissão, do latim commissione, significa também, preenchimento de cargo ou função em caráter temporário por funcionário já pertencente ao quadro da administração pública, sendo comissionado aquele que exerce uma comissão.

Também se entende por tal, ainda segundo Aurélio, o preenchimento temporário de cargo isolado da administração pública por ocupante demissível ad nutum, ou seja, no caso da administração pública, em se tratando de cargos de confiança, o detentor de um deles pode ser afastado pela simples vontade de quem o convidou.

Mas, comissão significa, também, a retribuição paga a um intermediário de uma transação.

Talvez seja esse o significado mais apropriado no caso do que aqui no Brasil se chama de servidores comissionados, um número espantoso, muitos fantasmas, sempre apadrinhados de políticos, que incham a administração e que são contratados pelo seu QI (Quem Indica) e não por considerações técnicas, o que absolutamente não interessa a ninguém.

Então, é assim, a administração tem dois tipos de servidores: os concursados e os comissionados. Os concursados são os que atendem aos concursos públicos, estudam e se preparam, enfrentam enormes filas, estudam editais, pagam taxas e prestam exames para, se aprovados, ficarem na fila de espera para depois, só depois, serem chamados para ocupar um cargo público. Antes eram chamados de barnabés.

Os outros, os comissionados, são os parentes ou amigos do Rei, da corte, dos políticos, os cabos eleitorais, os que privam do poder e seus familiares, os bajuladores e puxa-sacos de uma forma geral, que são convidados à ceia do senhor. Às vezes, em razão de seus altos ganhos, são chamados de marajás, a mais alta casta do funcionalismo público. Normalmente não precisam trabalhar e nem bater ponto e ficam à disposição de quem os convidou para trabalhar, isso sim, em suas campanhas eleitorais.

A administração pública, é claro, deveria funcionar como uma empresa, e ser administrada como tal. Só que uma empresa privada visa lucro, e não prejuízo, enquanto os governos visam o lucro de seus gestores e o prejuízo da coisa pública, entendendo-se como público o que não é de ninguém, muito menos dos cidadãos. Dos eleitores, então, nem se fala.

Temos, no Brasil, segundo trabalho de reportagem de 'O Estado de S. Paulo de 9/7/2007', 2.839.235 servidores públicos na ativa, isso sem contar os que existem no Estado do Acre e em Rondônia, que se negaram a fornecer dados para a reportagem daquele jornal.

Ou seja, aceitando-se como corretos tais dados, o Brasil tem um contingente de 3 milhões de funcionários públicos atualmente.

E conta o Brasil com 127.856 dos tais servidores comissionados, quase 130.000, número que quase alcança o dos guardados nos presídios de todo o país, sendo essa só uma constatação, sem que daí se tire qualquer ilação maliciosa.

O interessante é que o Estado de São Paulo, o mais populoso do Brasil, conta com 552.948 funcionários e 6.136 comissionados, ou seja, um percentual de 1,10% sobre o total de servidores, isso considerando-se uma população total de 41.055.734. Isso significa que, em São Paulo, temos um servidor público para cada 70,24 habitantes, o que significa, então, que os servidores públicos deveriam ser melhores, já que muita gente, do meu grupo de 70, por exemplo, tem dito que não os usufrui.

Bem, mas reclamações a parte, a situação de Tocantins é curiosa, para dizer o mínimo. Tocantins ? sim, o Tocantins existe ? tem 1.332.441 habitantes, bem menos que São Paulo, com mais de 40 milhões, e conta com 45.129 servidores públicos. Mas, melhor ainda, é que tem 12.000 comissionados, o dobro dos comissionados de São Paulo. No cômputo geral, lá em Tocantins, há um servidor público para cada 29,52 habitantes. Deve ser um paraiso. Com certeza uma nova Passárgada.

Só bate Tocantins ? e não poderia ser de outra forma ? o Distrito Federal, com sua população de 2.388.784 habitantes, e com 1 servidor público para cada 23,83 habitantes, um verdadeiro sucesso.

Ruim, mesmo, deve ser o atendimento à população no Ceará, com 1 servidor para cada 120,64 habitantes ? talvez por isso a dificuldade de Renan Calheiros em obter documentação que confirme suas alegações ? ou em Pernambuco ? terra de origem de nosso presidente ? com 1 servidor para cada 103,56 habitantes.

Mas, voltando aos comissionados, que ocupam cargos de confiança, é bom saber que em certos lugares ? como em Tocantins, por exemplo ? os políticos ainda podem encontrar tanta gente em quem confiar, gente que inspira probidade, talento, discrição, gente que se tenha na mais alta estima, que se possa premiar com um tão almejado presente: um cargo público comissionado.

Para quem não sabe, esses cargos são tão bons que, enquanto a Constituição Federal determina os 70 anos como idade limite para servidores da União, o Tribunal da Justiça de São Paulo decretou que os servidores públicos contratados em cargos de comissão podem continuar trabalhando mesmo depois de completar 70 anos.

E podem, também, pedir empréstimos com desconto em folha de pagamento. Lá em Rondônia, os comissionados da Assembléia Legislativa, levantaram empréstimos que, somados, chegaram a R$ 4,7 milhões, conforme apurado pela operação Dominó da Polícia Federal, esquema que utilizava nomes de servidores que constavam da "lista oficial" e, depois, desviara o dinheiro para os participantes do esquema.

No ano passado, o Correio Brasiliense visitou a Câmara Legislativa do Distrito Federal, e a encontrou vazia. A procuradoria geral da câmara, segundo o jornal, abriga funcionários fantasmas, ao custo de quase R$ 200.000 por ano aos cofres públicos. A sala da procuradoria possui 10 mesas, mas existem 19 pessoas em cargos de comissão e 5 servidores efetivos, de modo que se todos fossem trabalhar, sequer teriam onde sentar. O caso mais curioso, e escandaloso, encontrado na ocasião, foi o de Altamiro Rajas, filho do ex-deputado distrital José Rajas - PSDB, que não comparece nem para assinar o ponto. Procurado em casa, a mãe do comissionado informou: "Até eu não consigo encontrá-lo".

Temos, como se disse no início, 130.000 desses tais comissionados no Brasil. 130 mil beneméritos que, graças a coisa alguma, abocanharam cargos públicos, ocupando o lugar de concursados, inflando a administração sem qualquer motivo apreciável, fruto do tipo de coisas que fazem do Brasil um dos países mais corruptos do mundo, sempre presente em todos os relatórios acerca desse triste tópico, irmanando-se com as nações mais atrasadas do planeta.

Contaremos com quem para mudar esse estado de coisas ? Com os políticos? Mas são exatamente eles que indicam e contratam esse contingente de sua "confiança", de tanta confiança que até abocanham parte de seus salários, às vezes como dízimo aos partidos que os indicaram.

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*Advogado do escritório Newton Silveira, Wilson Silveira e Associados - Advogados e Diretor do escritório CRUZEIRO/NEWMARC PROPRIEDADE INTELECTUAL

 

 

 

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