Aspectos relevantes sobre seguro de lojistas em shoppings centers
Questões sensíveis na contratação de seguros obrigatórios para lojistas e shoppings centers.
quarta-feira, 27 de novembro de 2024
Atualizado em 28 de novembro de 2024 08:17
A cláusula de seguro obrigatório em contratos de locação comercial em shopping centers possui uma função-chave em proteger o patrimônio do shopping e, ao mesmo tempo, garantir uma segurança financeira para os locatários, o que poderá incluir a contratação de diversos e diferentes modalidades de cobertura.
O problema é que, na prática, muitas vezes não há a devida observância ao cumprimento dessas cláusulas, o que acontece por inúmeros fatores e acaba deixando vulnerável a operação do locatário e, até mesmo, do próprio shopping, já que o sucesso do empreendimento está diretamente ligado ao desempenho dos seus lojistas.
Casos como o do mega incêndio ocorrido no Shopping 25 Brás, em São Paulo, que recentemente atingiu cerca de 200 lojas do empreendimento e cujas causas ainda são desconhecidas, ligam o alerta para o cuidado e atenção que tanto os shoppings, na posição de locadores, como os lojistas, enquanto locatários, devem ter com a apólice de seguro que contratam no seu segmento.
Nesse aspecto, sabe-se que a lei do inquilinato, em seu art. 54, consagra a livre negociação entre locadores e lojistas nos contratos de locação em shoppings centers, o que embora conceda uma liberdade de pactuação, traz consigo um cuidado ainda maior que ambos os lados devem ter na elaboração dos respectivos contratos, sobretudo quando se fala em apólices de seguro:
Art. 54. Nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center, prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos e as disposições procedimentais previstas nesta lei.
É que, seguindo essa liberdade consignada em lei, embora plenamente válida a cláusula para a contratação de seguro obrigatório dentro de shopping centers, essa liberdade de contratação deve observar dois importantíssimos aspectos: i) o conhecimento que as partes devem ter sobre o que exatamente abrange a apólice contratada; ii) se os riscos cuja contratação do seguro será obrigatória corresponde, de fato, à realidade do empreendimento, mesmo porque, quanto maior o número de riscos cobertos, maior será o custo do prêmio no caixa dos locatários.
Sobretudo em razão desse segundo aspecto acima, é mais comum que, no mercado dos shopping centers, se prefira a contratação do seguro de riscos nomeados - RC, com a indicação do rol de hipóteses específicas e os valores inerentes a cada prêmio.
Neste ponto, é realmente importante que a escolha dos riscos e a sua descrição seja bem avaliada e examinada por especialistas do negócio e de direito securitário e imobiliário, pois não são raros os casos em que se contrata um seguro para determinado evento pensando englobar toda e qualquer situação similar a tal "evento", mas, em verdade, as seguradoras não estão obrigadas a cobrir situações similares, e sim de acordo com os termos previstos na apólice.
A título exemplificativo, veja-se que nos autos do processo 0009214-13.2014.8.16.0031, julgado pelo TJPR, a loja, após ter arcado com prejuízos em sua sede decorrentes de uma chuva de granizo, pleiteou o pagamento de seguro com base em cláusula contratual que abrangia danos decorrentes de nevasca. O Tribunal, ao analisar o recurso de apelação da loja, entendeu por confirmar a sentença para consignar que, dentre as coberturas previstas na apólice, constava precisamente o seguro decorrente de granizo, mas não de nevasca, o que levou à rejeição do pleito da loja:
SEGURO DE DANO. EVENTO NÃO COBERTO (NEVASCA). AUSÊNCIA DE OUTRA CAUSA DOS DANOS COBERTA PELO SEGURO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DA DEMANDA MANTIDA. (...) Seguindo esta linha de entendimento, quando o contrato de seguro foi categórico ao abordar em sua cláusula adicional ou extraordinária a exclusiva espécie do gênero precipitação, qual seja granizo, assim o fez para também de maneira clara e segura afastar a cobertura de riscos gerados por outras espécies englobadas pelo gênero precipitação de água. O conceito de precipitação consiste em qualquer fenômeno relacionado com a queda de água do céu, englobando este gênero as seguintes espécies: chuva, neve e granizo. E, como visto, quando as partes optaram pela descrição de exclusiva espécie (granizo) do gênero precipitação, a comunhão de vontades a ela se restringiu! Não se está a tratar de cláusula restritiva que subtraia a utilidade do contrato, e que pudesse reclamar interpretação mais favorável para o aderente. Muito pelo contrário, a redação dos eventos da natureza contemplados na cláusula adicional foi procedida de maneira taxativa, descrevendo-os espécie por espécie, sem deixar margens ou lacunas para dúvidas, como se outros fenômenos tivessem sido previstos ainda que de maneira implícita. Eis as razões pelas quais de entender que a disposição do contrato de seguro sobre a qual a requerente embasou sua pretensão de cobrança não contemplou riscos envolvendo nevasca. APELAÇÃO NÃO PROVIDA.
(TJPR - APL: 00092141320148160031 PR 0009214-13.2014.8.16.0031 (Acórdão), Relator: Desembargador Albino Jacomel Guérios, Data de Julgamento: 19/11/2020, 10ª Câmara Cível, Data de Publicação: 20/11/2020)
Esse receio sobre eventuais riscos que não seriam englobados na apólice pode causar a impressão de que a solução para isso seria a contratação e a menção, no contrato, do maior número de hipóteses possíveis a serem acobertadas pelo seguro, sendo que, obviamente, isso tornaria o seguro ainda mais caro, o que pode gerar uma onerosidade excessiva em desfavor dos locatários que, no final das contas, todos perdem.
Ficar sem seguro, por outro lado, expõe as partes a um risco que pode ser até insuportável, já que um eventual sinistro grave tem o condão de abalar de forma irreparável os menores empreendedores e causar danos de grave monta aos médios e grandes empresários. Também com fins ilustrativos, compartilha-se o interessante precedente de lavra do TJSC que, pela falta de contratação de seguro específico obrigatório, o locatário teve de arcar com o prejuízo dos danos aos seus próprios produtos decorrente de chuvas torrenciais que danificaram a estrutura do shopping center (processo 0005400-49.2014.8.24.0005).
Dessa forma, por mais que a contratação do seguro seja um custo a mais, trata-se de uma importante garantia para a operação, cuja exigência de contratação por parte do locador é plenamente válida e que deve corresponder à garantia dos riscos inerentes a cada operação e assim preservar a saúde financeira dos envolvidos e a segurança do empreendimento.
A cláusula de seguro obrigatório deve, então, estar alinhada à boa-fé objetiva e à função social do contrato, considerando se o seguro atende a uma necessidade objetiva de proteção do imóvel no ambiente em que se encontra. O certo é que, do ponto de vista do shopping e do lojista, deve-se ter atenção sobre a real abrangência do seguro para que, naquele delicado momento em que se precise contar com o suporte da seguradora, o segurado esteja efetivamente acobertado.
Nesse sentido, é importante que tanto os locadores quanto os locatários compreendam que a escolha das coberturas deve ser feita com cautela e de maneira estratégica, visando um equilíbrio entre proteção e custo. Para o lojista, é essencial entender os limites e exclusões da apólice, pois um seguro que não cobre todos os riscos específicos da sua atividade não atinge o seu objetivo, o que gera insegurança e pode trazer situações de prejuízos inesperados.
Além disso, é recomendável que ambas as partes invistam em uma consultoria especializada, com assessoria técnica que possa analisar os detalhes da apólice e oferecer um direcionamento adequado. Esse cuidado adicional ajuda a evitar ambiguidades e mal-entendidos sobre o que está, de fato, coberto pelo seguro, a fim de reduzir o risco de passivos, disputas jurídicas e garantindo que o segurado esteja realmente protegido em casos de sinistro.
Paulo Rafael de Lucena Ferreira
Sócio - Serur Advogados. Mestre em Direito Administrativo pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap); LLM em Direito Empresarial pela FGV; Graduado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
João Azevedo
Advogado - Serur Advogados Contencioso Cível e Consumerista