Adriane Galisteu e Ayrton Senna tinham uma união estável?
O texto analisa a evolução da legislação sobre a união estável no país, a partir do emblemático relacionamento entre a apresentadora e o piloto.
quinta-feira, 12 de dezembro de 2024
Atualizado em 11 de dezembro de 2024 08:41
O caso Adriane Galisteu e Ayrton Senna: Reflexões jurídicas sobre a união estável antes e depois da regulamentação no Brasil
A morte de Ayrton Senna, em 1º/5/94, trouxe à tona não apenas a comoção de um país, mas também questões jurídicas complexas sobre os direitos de sua então companheira, Adriane Galisteu. Naquele momento, embora o casal vivesse em uma relação pública e duradoura, o ordenamento jurídico brasileiro ainda carecia de uma regulamentação sólida sobre a união estável, criando um vácuo normativo que dificultava o reconhecimento de direitos derivados dessa relação.
Na época, o CC/16, em vigor, não mencionava a união estável como instituto jurídico. O reconhecimento de direitos para casais em convivência prolongada, sem casamento formal, dependia de interpretações jurisprudenciais e estava restrito, majoritariamente, a questões patrimoniais, quando se comprovava uma sociedade de fato. A relação entre os conviventes era vista sob a ótica de uma parceria econômica, e não como um núcleo familiar merecedor de tutela jurídica plena.
A CF/88 trouxe os primeiros avanços nesse cenário, ao estabelecer no art. 226, §3º, que a união estável entre homem e mulher seria reconhecida como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. Contudo, o dispositivo constitucional ainda carecia de regulamentação infraconstitucional, o que deixava as relações estáveis em um limbo jurídico até a edição da lei 9.278/96, que finalmente disciplinou a matéria, reconhecendo direitos e deveres entre os conviventes.
No contexto do caso de Adriane Galisteu, é pertinente questionar como a ausência de uma legislação específica à época impactou a proteção de seus direitos. Embora houvesse indícios de convivência contínua, pública e duradoura com Ayrton Senna, o status jurídico dessa relação não conferia a ela os mesmos direitos de um cônjuge formalizado. Disputas sobre herança ou outros direitos patrimoniais poderiam ser inevitáveis, dependendo da resistência de familiares ou outros interessados, dada a inexistência de um reconhecimento legal automático da união estável.
Com a regulamentação da união estável em 1996, os conviventes passaram a contar com maior segurança jurídica. A lei reconheceu direitos sucessórios, possibilitou a partilha de bens adquiridos na constância da união e garantiu o respeito à vontade mútua dos conviventes em construir uma família. Posteriormente, o CC/02 consolidou a união estável em seus arts. 1.723 a 1.727, ampliando as possibilidades de formalização e estipulando regras para sua dissolução e efeitos patrimoniais.
Ao analisar o caso de Galisteu e Senna sob a ótica contemporânea, percebe-se a evolução significativa do Direito das famílias no Brasil. A regulamentação da união estável refletiu um avanço no reconhecimento da diversidade de arranjos familiares, conferindo dignidade às relações afetivas fora do casamento tradicional. Contudo, o caso nos recorda dos desafios enfrentados por companheiros em uniões não formalizadas antes de 1996, reforçando a importância da constante atualização do ordenamento jurídico em conformidade com as transformações sociais.
Assim, o exemplo de Adriane Galisteu simboliza não apenas um marco na história esportiva e pessoal, mas também um ponto de inflexão para refletirmos sobre o impacto da omissão legislativa na vida dos cidadãos e a relevância de um Direito mais inclusivo e abrangente.
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1 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 6 dez. 2024.
2 BRASIL. Código Civil (1916). Decreto n.º 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil Brasileiro. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1916-3071.htm. Acesso em: 6 dez. 2024.
3 BRASIL. Lei n.º 9.278, de 10 de maio de 1996. Regula o § 3º do art. 226 da Constituição Federal, dispondo sobre a união estável. Diário Oficial da União, Brasília, 11 maio 1996. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9278.htm. Acesso em: 6 dez. 2024.
4 BRASIL. Código Civil (2002). Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, 11 jan. 2002. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm. Acesso em: 6 dez. 2024.
5 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro - Direito de Família. 19. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2022.
6 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias: pluralidade e proteção jurídica. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2021.
7 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 20. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2023.
Bruna Secreto Rocha de Sousa
Advogada. Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Católica de Brasília. Pós-graduada em Direito Público pela Escola Brasileira de Direito (EBRADI). E-mail: [email protected].


