Quem são nossos ídolos: O Brasil está atrasado no acerto de contas com a história
O artigo aborda a necessidade de acerto de contas com o passado do Brasil.
quinta-feira, 19 de dezembro de 2024
Atualizado em 20 de dezembro de 2024 08:30
A Justiça de São Paulo deu uma decisão histórica na sede do processo 1097680-66.2024.8.26.005. O Instituto Vladimir Herzog e a Defensoria Pública Estadual ingressaram com uma ação civil pública para que a prefeitura de São Paulo procedesse à substituição dos monumentos, ruas, praças etc. que fossem nomeados com personalidades que tenham praticado atos de lesa-humanidade.
Lei paulista proíbe homenagens à ditadura militar e outros
A Câmara Municipal de São Paulo havia aprovado a lei municipal 15.717/13, que previa a possibilidade de mudanças motivadas por necessárias revisões históricas. O juiz Dr. Luiz Manoel Fonseca Pires concedeu o prazo de 60 dias para que o município procedesse às medidas necessárias de substituição de nomenclaturas e, por consequência, nos impõe a revisão e remontagem da história que conhecemos sobre os heróis ou anti-heróis nacionais. Reconheceu o juiz na liminar a existência de omissão do município em proceder à devida substituição dos nomes de monumentos. Trata-se de um importante acerto de contas histórico com o passado do Brasil: dos "descobridores" portugueses aos bandeirantes, que foram responsáveis pela colonização, opressão e atos que nossa sensibilidade moral atual entende como vergonhosos.
Reparação histórica
A busca necessária por reparação histórica começa de fora para dentro: das praças para as consciências. Essa mesma São Paulo, que conta com um homem atirado pela ponte, que não dorme com os viciados da cracolândia e que teve um governador que precisou que o STF determinasse que as fardas policiais deveriam ser equipadas com câmeras dotadas de áudio livre e gravação sem interrupções.
Recife e Olinda
Os municípios de Recife e Olinda também têm suas normas para repensar suas histórias e retirar das praças, ruas e avenidas o nome daqueles que foram responsáveis por atos igualmente reprováveis. A lei municipal 18.963, de 22/7/22, foi sancionada pelo prefeito João Campos (PSB). Essa norma é de autoria da vereadora Dani Portela. Segundo a legislação, que já está em vigor, "fica proibido homenagear violadores dos direitos humanos no âmbito do município do Recife". No art. 2º da norma, fica estabelecido que integram a relação de vetos os agentes sociais individuais ou coletivos que possuem ligação direta com a ordem escravista e as práticas de tortura. Em Olinda, também se proibiu homenagens a pessoas ligadas à ditadura militar e a escravocratas em vias públicas e prédios públicos. A lei 6.193/21, de autoria do vereador Vinicius Castello, foi sancionada pelo prefeito Lupércio Carlos (Solidariedade) em dezembro de 2021.
O nome para isso é aprendizado moral. Aprendemos com o passado e precisamos revisar nossas condutas, nossa história e nossas narrativas. É essencial recontar o passado, rever nossos heróis e buscar novos caminhos para nosso futuro.
O futuro do passado
No último sábado, tivemos a prisão de um militar de quatro estrelas por envolvimento em uma tentativa de golpe de Estado. Isso nos leva a pensar como o flerte com o autoritarismo é um pedaço tanto do passado quanto do presente, mas podemos evitar que seja do futuro. Essa é a razão pela qual a Alemanha mantém espaços para lembrar seu povo das agruras do nazismo. Porém, não foi somente o holocausto judaico que existiu; outros também persistem mundo afora e precisam ser lembrados.
No Brasil, o holocausto das populações tradicionais e dos africanos escravizados tem desdobramentos econômicos e políticos até hoje, em um país onde ainda se discute o marco temporal das terras indígenas.
Nessa mesma semana o CNJ (ato normativo 000549697.2024.2.00.0000) determinou que nas certidões de óbito constassem a causa mortis dos assassinados pela ditadura. Não é fácil acertar as contas com o passado, mas é fundamental para nossa reflexão.
Esse sentimento de injustiça e de 'acerto de contas' é impulsionado pelo sucesso do filme "Ainda estou aqui". O filme que conta a saga de Eunice Paiva sobre o assassinato de seu marido Rubens Paiva e a demora de 26 anos para que pudesse receber a certidão de óbito. Como o personagem Antígona da tragédia de Sófocles muitas mães, esposas, filhas e irmãs ainda esperam enterrar seus mortos para encerrar o ciclo da vida.
As decisões que o STF tomará sobre temas ainda sensíveis de nossa história é muito importante para decidirmos os passos que tomaremos para criar nosso futuro, honrando nossos mortos e priorizando um país melhor para nossos descendentes.
Para reflexão: Você conhece a história real ou apenas a oficial dos homenageados de sua cidade?


