11ª Jornadas Luso-Brasileiras de Arbitragem: Produção antecipada de provas
Debates envolveram temas como a autonomia do direito à prova, a influência de sistemas jurídicos estrangeiros e os desafios práticos desse instituto.
terça-feira, 14 de janeiro de 2025
Atualizado às 09:29
No dia 18/10/24, no âmbito da São Paulo Arbitration Week, teve lugar a 11ª Jornadas Luso-Brasileiras de Arbitragem, no auditório do CAM-CCBC - Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá, que organizou o evento junto com o CAC - Centro de Arbitragem Comercial da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, Sciences Po Law School e Sciences Po Arbitration Society. O tema desta edição buscou explorar tendências na arbitragem, abordando a produção antecipada de provas.
Sob a curadoria de Mariana França Gouveia (VDA Advogados, Lisboa), o evento contou com as intervenções de Alice Moreira Franco (FCDG Advogados, Brasil), Giovanni Ettore Nanni (PUC-SP, Brasil), Bruno Sousa Rodrigues (Sciences Po, Paris) e Joana Galvão Teles (Morais Leitão Advogados, Lisboa).
Inicialmente, Alice Moreira Franco abordou as peculiaridades da produção antecipada de provas no âmbito do Direito Processual brasileiro, destacando seu caráter autônomo e não contencioso. Iniciou sua análise apontando que esse instrumento não exige a existência de uma situação de urgência, distinguindo-se, assim, das medidas liminares tradicionais. Trata-se de um direito independente, destinado às partes e não ao juízo, cujo objetivo é fomentar a autocomposição por meio da previsibilidade gerada pela prova produzida antecipadamente.
Alice explicou que, no procedimento, o mérito da prova não é analisado. A discussão restringe-se à sua admissibilidade e à necessidade de delimitação clara dos fatos e documentos pertinentes, a fim de que o instituto não seja banalizado ou utilizado como instrumento abusivo. Há, ainda, a garantia do juízo natural, uma vez que a produção de provas antecipada não previne a competência para eventual ação principal.
A palestrante também destacou que o procedimento busca evitar o abuso do direito, mas que, na prática, observa-se um uso equivocado desse instituto como forma de pressão entre as partes, especialmente em disputas societárias. Sublinhou que o legislador, ao vedar recursos contra decisões que indeferem a produção de provas, objetivou conferir celeridade ao procedimento, afastando a possibilidade de intermináveis discussões processuais.
Alice concluiu que o Judiciário ainda enfrenta desafios para interpretar e aplicar a produção antecipada de provas. Apesar disso, considera que, se usado de forma adequada, o instituto tem potencial para reduzir litígios e promover soluções amigáveis.
Em seguida, Giovanni Nanni trouxe uma perspectiva focada na autonomia da produção de provas e na delimitação de competências entre o Judiciário estatal e o Tribunal Arbitral. Ressaltou que a produção autônoma de provas é, em regra, competência do Tribunal Arbitral quando não há situação de urgência, conforme precedentes do STJ e do TJ/SP.
Giovanni destacou a evolução doutrinária que transformou a prova de um instrumento processual em um direito autônomo das partes. Esse direito, segundo ele, confere ao juiz a competência de delimitar o escopo da prova sem valorá-la sob o mérito. Ele também enfatizou que, mesmo diante de abusos, o instituto não deve ser descartado, sendo fundamental aplicar sanções contra eventuais excessos sem comprometer a eficácia do mecanismo.
Ao citar julgados recentes, Giovanni explorou um caso paradigmático do STJ, que foi Renova Energia S/A, em que a ausência de urgência foi determinante para afirmar a competência arbitral. Além disso, analisou a questão da competência em casos envolvendo relações trabalhistas e a necessidade de avaliação criteriosa para evitar conflitos jurisdicionais. Ele concluiu que, para garantir maior segurança jurídica, é necessária uma maior uniformização das decisões judiciais nesse tema.
Bruno Rodrigues apresentou uma análise comparativa entre as tradições da "common law" e da "civil law" no que tange à produção antecipada de provas. Segundo ele, no primeiro modelo, a produção antecipada está vinculada à instauração de um processo principal, enquanto no segundo, essa produção pode ser autônoma e destinada a evitar litígios contenciosos.
Bruno destacou que o CPC/15 trouxe influências da "common law" para o Brasil, como o fortalecimento do contraditório e a introdução de precedentes. Entretanto, sublinhou que o modelo brasileiro é mais amplo do que os encontrados em países como Estados Unidos e Inglaterra. Ele apontou, por exemplo, que nesses sistemas a produção antecipada exige a demonstração de necessidade absoluta ou o risco de perecimento da prova, enquanto no Brasil basta justificar a existência de fato ou relação jurídica relevante.
Citando exemplos da França e Austrália, Bruno explorou como outros países estruturam a produção de provas, ressaltando que, embora existam similaridades, a legislação brasileira é mais permissiva. Concluiu que, apesar de avançado, o modelo nacional requer cautela para evitar usos abusivos ou inconsistentes com os objetivos de celeridade e cooperação processual.
Por fim, Joana Galvão Teles enfocou a questão da produção antecipada de provas sob uma ótica constitucional e da tutela jurisdicional efetiva. Iniciou sua exposição ressaltando que a produção antecipada é um reflexo da crescente constitucionalização do processo, consolidando um sistema de Justiça multiportas.
Segundo Joana, há um direito fundamental à prova, que está intrinsecamente ligado ao direito à efetividade da tutela jurisdicional. Esse direito, conforme explicou, deve ser interpretado à luz do contraditório e da ampla defesa, sobretudo em sistemas que integram a arbitragem como alternativa à jurisdição estatal. Joana enfatizou que o reconhecimento da autonomia do direito à prova pela legislação brasileira contribui para fortalecer o mecanismo e concluiu que a produção antecipada de provas pode fomentar a resolução pacífica de disputas.
Além da qualidade técnica tanto dos painelistas quanto dos demais participantes, o evento demonstrou como a produção antecipada de provas tem sido um tema relevante e em constante evolução. Prova disso é que o host do evento, o CAM-CCBC, encontrava-se com consulta pública aberta durante o último mês de dezembro para a proposta de Regulamento de Produção Antecipada de Prova da referida câmara
Davi Ferreira Avelino Santana
Graduando em Direito na Universidade Católica do Salvador com intercâmbios na Universidade do Porto e na Pontificia Università Lateranense. Student Member do Chartered Institute of Arbitrators e membro do Young International Council for Commercial Arbitration. Diretor acadêmico do Comitê de Jovens Arbitralistas do CBMA e embaixador da Associação Brasileira dos Estudantes de Arbitragem.