Terror tributário e taxação do Pix: Que Estado os brasileiros querem?
A polêmica do Pix reflete o dilema dos brasileiros entre um Estado social, com alta tributação e serviços universais, ou um modelo liberal, com menos impostos e sem combate à desigualdade.
quarta-feira, 22 de janeiro de 2025
Atualizado às 11:03
Na semana passada, as discussões em torno das novas regras sobre o pix evoluíram de forma surpreendente. O que começou como um temor generalizado de que o governo pudesse taxar as transações financeiras realizadas via aplicativo, logo se transformou em outra preocupação: a de pequenos empreendedores receosos de que suas movimentações financeiras expusessem rendas até então não declaradas.
No vídeo do deputado Nikolas Ferreira, que foi crucial para essa mudança de foco, a abordagem provocou ainda mais discussões. Entre as frases apresentadas, destacaram-se: "o governo quer morder o seu salário", "os maiores prejudicados serão feirantes, motoristas de aplicativo e vendedores de picolé" e "temos um governo gastador". Independentemente da veracidade dessas afirmações, o objetivo era claro: despertar emoções intensas e mobilizar a opinião pública. O impacto do vídeo, seu custo político e o recuo do governo, contudo, revelaram um ponto crucial: os brasileiros estão com aversão a pagar impostos e, quando possível, buscam formas de sonegá-los.
Questões tributárias têm o poder de catalisar grandes revoltas ao longo da história. No Brasil, os exemplos são inúmeros. Agora, quase quatro décadas após a promulgação da CF/88, esse debate se torna mais urgente do que nunca: que tipo de Estado realmente queremos? Um modelo liberal, com menos impostos e serviços reduzidos, ou um Estado social, sustentado por uma alta carga tributária e uma ampla oferta de serviços públicos? Essa escolha vai muito além da economia; trata-se de uma decisão profundamente política, que afeta diretamente a vida cotidiana de todos os cidadãos.
O desenho do Estado brasileiro, consagrado na CF/88, reflete um compromisso com os direitos sociais. Na década de 1980, optamos por um modelo que garantisse serviços universais: saúde acessível a todos, assistência social para os mais vulneráveis, previdência, educação pública, segurança, e uma estrutura de representação em três níveis federativos. Essa escolha buscava promover igualdade e bem-estar, mas é importante lembrar que direitos sociais não são gratuitos como afirmou Flávio Galdino há vinte anos: "Não nascem em árvores." Manter essa máquina pública robusta, com tantos braços e responsabilidades, demanda uma carga tributária alta.
A indignação do brasileiro com a ineficiência do Estado é compreensível. Estradas precárias, hospitais superlotados, escolas de baixa qualidade e falta de segurança geram frustração e desconfiança. Porém, diante desse cenário, precisamos refletir: qual caminho queremos seguir? Exigir que as políticas públicas sejam implementadas com eficiência e os recursos bem utilizados, ou abdicar dessa estrutura, eliminando impostos e reconstruindo o país sob uma constituição liberal? A escolha de um "meio-termo" desagradaria gregos e troianos.
Em seu vídeo, Nikolas Ferreira ainda compara a carga tributária brasileira à da Suíça, destacando que, ao contrário desse país, o Brasil não oferece serviços públicos de qualidade semelhante. Ele atribui a discrepância à corrupção e à má gestão, mas omite que países nórdicos, com apenas um terço da população brasileira, arrecadam proporcionalmente quase três vezes mais, considerando o poder de compra em dólares. Talvez, sem os legados da colonização, com o orçamento robusto de uma nação europeia e um modelo de gestão eficiente, os brasileiros realmente se sentissem mais satisfeitos ao pagar impostos. No entanto, comparar realidades tão distintas sem considerar essas diferenças ignora a complexidade dos desafios enfrentados pelo Brasil.
É fundamental lembrar que vivemos em um país pobre, desigual e com riquezas concentradas. Temos os desafios próprios de uma nação latino-americana, que precisa enfrentar o subdesenvolvimento, a necessidade de crescimento, a desconcentração das riquezas e a promoção do bem-estar imediato.
A vida sem direitos sociais, neste contexto, pode ser implacável. Sem o SUS, uma internação em UTI no Brasil custa, em média, de R$ 3 mil a R$ 5 mil por dia. Um caso grave, com 20 dias de internação, poderia ultrapassar R$ 100 mil - um valor inacessível para a maioria da população. Além disso, garantir uma aposentadoria equivalente ao salário-mínimo por 20 anos exigiria pelo menos R$ 300 mil investidos - uma realidade distante para a maior parte dos brasileiros.
A escolha sobre o tipo de Estado que queremos é inevitável e repleta de dilemas. Estamos dispostos a pagar impostos altos para sustentar direitos sociais? Ou preferimos renunciar a serviços universais em troca de uma carga tributária menor? Se optarmos pelo Estado social, temos que cobrar eficiência e combater a corrupção. Se escolhermos um modelo liberal, precisamos estar prontos para arcar individualmente com saúde, educação e previdência. O futuro do Brasil não depende apenas de ideologias ou preferências, mas da disposição coletiva para assumir as consequências das escolhas que fazemos hoje. Afinal, qual preço estamos dispostos a pagar para construir o país que queremos?


