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O recurso extraordinário e o novo recurso de revista

A singularidade da jurisdição constitucional do TST desautoriza a irrecorribilidade do agravo interno - decisão de última instância - sendo cabível o RE.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Atualizado às 13:15

I - A nova sistemática de admissibilidade do recurso de revista

Por meio da resolução 224/24, o TST alterou sua IN 40/16 para reformular a sistemática de processamento do recurso de revista. Com a mudança, o procedimento previsto no art. 1.030 do CPC, aplicável ao Recurso Especial e Recurso Extraordinário, se estenderá também ao processo do trabalho.

A mudança é significativa. Ela representa o aumento do protagonismo do primeiro juízo de admissibilidade do recurso de revista, de competência da presidência do TRT. De agora em diante, o fundamento adotado para a negativa de admissibilidade repercutirá na escolha do remédio recursal cabível, de forma que o agravo interno deverá ser manejado quando a revista tiver seu seguimento negado pela adoção, pelo acórdão recorrido, de precedente qualificado do TST. Nos demais casos, caberá o agravo de instrumento, sendo possível a interposição simultânea de ambos quando, havendo diversos capítulos no recurso, forem também diversos os fundamentos do trancamento.

Segundo o novo art. 1º-A da IN 40/16, o agravo interno será julgado pelo próprio TRT, sendo irrecorrível o pronunciamento: acolhido o apelo, o recurso de revista terá o trânsito assegurado; rejeitado, nenhum recurso caberá da decisão regional, conforme a literalidade do § 3º, com a formação da coisa julgada no particular.

Eventual controle da decisão, portanto, deverá ser realizado pela via da reclamação, conforme sugerido pelo § 4º do dispositivo, hipótese na qual a parte deverá demonstrar erro do Tribunal Regional na invocação de dado precedente vinculante da Corte Superior. A reclamação, vale lembrar, não é recurso, mas sim ação autônoma.

Com o novo desenho, portanto, passa a ser possível e autorizado, no âmbito do devido processo legal, que o TST não componha iter processual, retirando-se do jurisdicionado o meio recursal próprio de acesso ao órgão de cúpula da Justiça do Trabalho, no caso, o agravo de instrumento.

É preciso indagar, contudo, qual a posição do STF neste novo desenho institucional, reflexão que revela a incompletude da nova resolução ao declarar a irrecorribilidade da decisão no agravo interno.

II - A jurisdição constitucional do TST e os limites da aplicabilidade do art. 1.030 do CPC ao processo do trabalho

Segundo se lê da resolução 224/24, a motivação para a instituição da nova sistemática é de aplicação, ao processo do trabalho, do regramento civil que prestigia os precedentes vinculantes das Cortes Superiores no âmbito da admissibilidade recursal extraordinária. O esforço dirige-se, assim, à melhoria da eficiência recursal e ao fortalecimento do sistema de precedentes.

O art. 1.030 do CPC, contudo, foi desenhado para um modelo de partição de jurisdição não adotado no âmbito do processo do trabalho. Ao contrário do STJ, cuja jurisdição recursal se limita ao regramento legal, nos termos do art. 105, III, da CF, o TST acumula, também, a jurisdição constitucional, conforme o art. 896, alínea c, da CLT. Em assim sendo, o acórdão estadual ou regional, desafiado pelo REsp, representa a última instância do contencioso constitucional, sendo, contra ele, também cabível o RE.

Dispõe o art. 102, inciso III, da CF, incumbir ao STF julgar, mediante o RE, causas decididas em única ou última instância que versem, no particular da discussão, sobre matéria constitucional. A CF definiu, portanto, os limites da competência da Corte Constitucional a partir da definição do cabimento do recurso que lhe dá acesso.

Como o REsp não versa sobre a matéria constitucional, o procedimento previsto no art. 1.030 do CPC já contempla o cabimento e processamento do RE, restando atendido o desenho adotado na CF/88. A regra, portanto, não previne o RE, apenas disciplina seu manejo.

Algo distinto se passa, contudo, quando se transfere a mesma sistemática ao processo do trabalho.

Como o recurso de revista veicula também matéria constitucional, o momento de interposição do Recurso Extraordinário se passa após o julgamento realizado pelo TST, decisão de última instância. Pela racionalidade adotada no art. 102, inciso III, da CF, é a redação do art. 896 da CLT que impede o manejo do RE em face do acórdão regional trabalhista. Eventual alteração do art. 896 da CLT, retirando o conteúdo constitucional do recurso de revista, por exemplo, importaria, de forma automática, no cabimento do RE em face de decisões regionais, sem necessidade de qualquer outra alteração legislativa.

Tem-se, portanto, que o desenho institucional que retire a Corte Trabalhista do iter processual deve, igualmente, estabelecer em que momento se dará o acesso à Corte Constitucional, ou, em outras palavras, o cabimento do RE. Sendo omissa a resolução a esse respeito, será preciso identificar, na nova sistemática, o que caracteriza a decisão de última instância, sendo certo que, contra ela, será cabível o manejo do RE, nos termos do art. 102, inciso III, da CF.

Daí a incompletude identificada na resolução. A sistemática nela prevista, para além de não contemplar formalmente a posição do RE no iter processual, busca interditar seu cabimento em face de acórdão que, verdadeiramente, configura a decisão de última instância.

A lacuna conceitual acima apontada é preciso também reconhecer, repercutirá de forma bastante prática no cotidiano forense.

Isso porque, nos termos do novo art. 1ª-A da IN 40, a negativa de seguimento do recurso de revista se dará em atenção aos precedentes vinculantes do TST. Ou seja, embora o recurso de revista veicule contencioso legal e constitucional, a regulamentação baliza sua admissibilidade apenas em atenção à jurisprudência do TST, sem referência à jurisprudência do STF.

O que dizer, por exemplo, em hipóteses nas quais haja divergência entre a posição do STF e do TST?

Para um exemplo rápido, basta considerar a interpretação que vem sendo dada pela Corte Constitucional à projeção do entendimento acerca da terceirização e divisão do trabalho (Tema 725 da repercussão geral e ADPF 324). Recentemente, o TST afetou a matéria em dois temas de Incidentes em recursos repetitivos (Temas 29 e 30). Não se sabe, é preciso reconhecer, se o STF compartilhará da conclusão adotada pela Corte Trabalhista em tais casos - seja ela qual for - sendo de se esperar alguma perplexidade no manejo da admissibilidade do recurso de revista tão logo tais julgamentos sejam concluídos.

Para um outro exemplo da complexidade da questão, também bastante significativo, é possível relembrar o caso da parcela denominada RMNR (Tema 13 do IRR do TST). A conclusão do Tribunal Pleno do TST, no caso, foi reformada pelo STF no julgamento do RE respectivo. A natureza jurídica da decisão do STF, porque tomada sem o reconhecimento formal da repercussão geral e, portanto, sem a projeção formal própria ao instituto do precedente vinculante, causou divisão na interpretação de seus efeitos no âmbito do TST. A SBDI-2, em julgamento por maioria realizado no dia 26/11/24, reconheceu a superação do precedente trabalhista, ante a percepção de que o julgamento do STF teria repercussão geral presumida (AR 22453-08.2016.5.00.0000). Não há como antecipar, contudo, qual seria a interpretação, neste caso, dos 24 Tribunais Regionais do país.

Como afirmar incabível, em tais casos, o RE?

III - Conclusão

A resolução 224/24 apresenta-se como importante marco normativo do TST em atenção ao compromisso de fortalecimento do sistema de precedentes e aumento da eficiência jurisdicional.

A sistemática do art. 1.030 do CPC, cuja aplicação ao processo do trabalho é facultada pelo art. 769 da CLT, apresenta-se como interessante fluxo paradigma a ser adotado. As peculiaridades da jurisdição trabalhista, notadamente a jurisdição constitucional do TST, contudo, impedem a aplicação plena do modelo civil, o que afasta a hipótese de irrecorribilidade afirmada na resolução.

Trata-se de incompletude da resolução que, por certo, será endereçada pela prática judiciária, com o amadurecimento do novo modelo e identificação da hipótese de cabimento do RE também em tais circunstâncias.

Fernando Hugo R. Miranda

VIP Fernando Hugo R. Miranda

Doutor e Mestre em Direito do Trabalho pela USP. Mestre em Direito do Trabalho Europeu pela Université Toulouse I - França. Professor de Direito do Trabalho do IDP. Sócio do CZZQ Advogados.

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