IDPJ na S.A. no âmbito do TRT-6: implicações práticas
A matéria analisa a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica em sociedades anônimas no TRT-6, destacando as implicações da recente decisão do IRDR.
quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025
Atualizado às 11:18
O IRDR e a uniformização do entendimento pelo TRT da 6ª região
O TRT-6 instaurou um IRDR para pacificar divergências sobre a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica em sociedades anônimas. O incidente foi julgado em dezembro de 2024, fixando as seguintes teses: "a) Nas execuções trabalhistas movidas em desfavor de sociedade anônima deve ser adotada a Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica; [...] c) Nos casos em que o período de gestão não for contemporâneo ao pacto laboral do credor, o redirecionamento da execução contra os diretores e administradores estatutários de sociedade anônima será cabível apenas quando comprovada a conivência, negligência ou omissão em relação aos atos ilícitos praticados por outros administradores, por força de expressa previsão legal (§1º do art. 158 da Lei nº 6.046/76); [...] e) Em relação às sociedades anônimas de capital aberto: cabível o redirecionamento da execução em face dos sócios/acionistas que possuírem efetivo poder de controle sobre a gestão da companhia (acionista controlador, diretores e administradores); incabível o redirecionamento da execução em face dos sócios (acionistas) meramente participantes, uma vez que a sua participação social está atrelada "ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas" (art. 1º da Lei nº. 6.404/1976); f) Em relação às sociedades anônimas de capital fechado: cabível o redirecionamento da execução em face de todos os acionistas da empresa, independentemente de sua posição no contrato ou estatuto social, por equiparação ao tratamento conferido aos integrantes das sociedades limitadas."
Análise da decisão
A desembargadora relatora do IRDR, Solange Moura de Andrade, assentou, em seu voto que, para as sociedades anônimas de capital fechado a responsabilidade dos sócios/acionistas e dos diretores/administradores deve receber o mesmo tratamento conferido aos integrantes das sociedades limitadas, por ser idêntica a realidade subjacente ("affectio societatis").
Ocorre que o entendimento adotado pelo TRT da 6ª região não está de acordo com o ordenamento jurídico pátrio, sobretudo com as normas reservadas às sociedades anônimas, lesando sobremaneira sócios minoritários ou sem poder de administração, os quais sequer contribuíram ao ato lesivo ao empregado, semelhante ao que vem ocorrendo nas sociedades limitadas.
Na prática, é gigantesco o número de casos de acionistas que detém parcela mínima do capital social ou que nunca ocupou qualquer função de administração, diretoria ou gerência, acionados em execuções trabalhistas, tendo seu bom nome e patrimônio expostos e vilipendiados.
O IDPJ é o instrumento pelo qual busca-se o afastamento de um princípio fundamental do Direito Empresarial brasileiro: o princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica. Pois é por meio deste que reafirmamos aos sócios, administradores ou associados que o patrimônio da pessoa jurídica constituída não se confundirá com o patrimônio pessoal dos seus precursores, incentivando assim a livre iniciativa e instalando um ambiente mais convidativo ao empreendedorismo.
Esse instituto encontra-se normatizado em diversas legislações ao longo do nosso ordenamento, especialmente na legislação civil e consumerista, e, a partir dessas normas, pode-se constatar que a aplicação do IDPJ não é uniforme, variando de acordo com os agentes dispostos na situação concreta.
Isso ocorre, pois, diferentemente do Código Civil, no qual a desconsideração da personalidade jurídica depende da comprovação de desvio de finalidade, fraude, abuso de direito ou confusão patrimonial, de modo que somente nessas situações excepcionais seria possível atingir o patrimônio individual dos sócios (Teoria Maior), para o Código de Defesa do Consumidor, por intermédio do art. 28, § 5º, basta para o redirecionamento da execução em face dos sócios, a constatação do estado de insolvência da sociedade, em que inexistem bens suficientes da pessoa jurídica para satisfazer a dívida executada (Teoria Menor).
A CLT, em seu art. 855-A, por remissão direta, nos informa que aplica-se ao processo do trabalho o IDPJ, tal qual disposto no Código de Processo Civil em seus artigos 133 a 137.
Inúmeros julgados, alegando a hipossuficiência do trabalhador, tendem a aplicar a teoria menor a fim de satisfazer a execução iniciada pelo empregado, retirando o ônus deste de provar qualquer abuso de direito com confusão patrimonial por parte dos sócios. Ocorre que, essa aplicação analógica não pode ser generalizada, devendo respeitar pressupostos legais (art. 133, § 1º, CPC), sobretudo quando estamos diante de sociedades na quais a impessoalidade dos sócios é sua característica principal, como é o caso da sociedade anônima.
Nunca é demais reforçar que uma sociedade anônima é uma pessoa jurídica criada com objetivo de auferir lucro mediante o exercício da atividade de empresa, cujo capital é dividido em frações transmissíveis e composta por sócios de responsabilidade limitada ao pagamento de ações subscritas (FAZZIO, 2009, p. 175), sendo essas características princípios estruturantes deste tipo societário.
Dessa forma, mudar a espécie da companhia não faz com que sejam perdidos seus princípios estruturantes, uma vez que, o que diferencia uma espécie da outra é tão somente a autorização para negociação de valores mobiliários no mercado.
Destarte, em regra, o acionista não responde pelas dívidas da sociedade, mas tão somente pela integralização da ação. Assim, a responsabilização por atos da sociedade é atribuída apenas aos administradores se, e somente se, estes agirem, dentro de suas atribuições, com culpa ou dolo, ou em violação da lei ou do estatuto social.
Diante deste cenário, é indubitável que, não obstante a tese assentada pelo colendo TRT-6, a lei é clara ao enunciar que o alcance do patrimônio do acionista depende do ato subjetivo do administrador, sendo cristalino que nas execuções trabalhistas movidas em desfavor de sociedade anônima - seja de capital aberto ou de capital fechado - deve ser adotada a Teoria Maior da desconsideração da personalidade jurídica.
Assim, na sociedade anônima de capital aberto é cabível o redirecionamento da execução em face dos acionistas que possuírem efetivo poder de controle sobre a gestão da companhia, apenas quando observado o art. 50 do CC e os arts. 158 e 165 da lei 6.404/1976, constituindo ônus do credor demonstrar a ocorrência dessas situações legalmente previstas; sendo incabível o redirecionamento da execução em face dos sócios (acionistas) meramente participantes, uma vez que a sua participação social está atrelada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas.
Igualmente, na sociedade anônima de capital fechado, diferente do que aduz a tese fixada pelo TRT da 6ª região, o redirecionamento da execução apenas seria cabível contra os administradores e observado o art. 50 do CC e os arts. 158 e 165 da lei 6.404/1976, constituindo ônus do credor demonstrar a ocorrência dessas situações.
Por fim, nas sociedades anônimas, diferentemente das limitadas, nas quais o sócio retirante permanece responsável pelos débitos contraídos durante sua permanência na sociedade, o redirecionamento da execução contra os diretores e administradores estatutários deve respeitar o período de gestão destes.
Conclusão
A decisão do TRT-6 ao adotar a Teoria Menor nas execuções contra sociedades anônimas de capital fechado amplia significativamente a responsabilidade dos acionistas, o que pode desestimular investimentos neste tipo societário. A discussão sobre a aplicação da Teoria Maior ou Menor na Justiça do Trabalho precisa ser conduzida com cautela, equilibrando os princípios da proteção ao trabalhador e da segurança jurídica.


