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Prerrogativas do advogado e prisão pelo uso de celular na Marinha

Análise da prisão do advogado pelo uso de celular em unidade da Marinha.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

Atualizado às 10:49

A Marinha, o uso de celular em organização militar e as prerrogativas do advogado no exercício da profissão

A guisa de introdução ao tema em discussão.

Recentemente ganhou repercussão nacional no cenário jurídico, o caso de um advogado1 que foi preso no Comando do 1º Distrito Naval da Marinha, localizado na Zona Portuária do Rio de Janeiro, no final da tarde da segunda-feira, 13 de janeiro. Em linhas gerais, a acusação contra ele refere-se ao desrespeito à regra interna da Marinha que proíbe o uso de celulares em suas dependências. Enquanto protocolava um documento relacionado à defesa de um cliente (portanto no exercício de sua atividade profissional), o advogado teria discutido com dois agentes e utilizou o celular para filmar a situação, ato que foi considerado crime pela autoridade militar, em violação aos arts., 3012 (por não interromper a filmagem após advertido) e 1473 (pela filmagem em si da instalação militar), todos do Código Penal Militar. No vídeo, publicado em sua rede social, que conta com 7,7 mil seguidores, o advogado afirmou que suas prerrogativas estavam sendo violadas, ocorrendo então a pronta intervenção da Comissão de Prerrogativas da OAB/RJ no local, com acalorada discussão em defesa do advogado preso que foi autuado em flagrante e apresentado de imediato para audiência de custódia onde a pedido do Ministério Público Militar, foi concedida liberdade provisória ao advogado4.

A repercussão deste caso pode ser medida, inclusive, pelo fato de ter sido interposto, simultaneamente à prisão, um pedido de habeas corpus em favor do advogado, pelo Conselheiro Distrital de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos5.

Tanto o auto de prisão em flagrante lavrado pela Marinha brasileira como o pedido de habeas corpus interposto em favor do advogado pelo Conselheiro Distrital de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, foram autuados sob número 7000046-70.2025.7.01.0001, correntes perante a 3ª Aud/1ª CJM - 3ª Auditoria da 1ª Circunscrição Judiciária Militar e constam como em segredo de justiça, permitindo-se questionar, de plano, como fez o STJ se a ação penal no Brasil, em regra, é pública ou sigilosa? A resposta mais simples é citar o princípio da publicidade dos atos processuais, previsto no art. 5º, inciso LX, da CF/88, segundo o qual a restrição ao caráter público dos processos só é justificável para proteção da intimidade ou em prol do interesse social. Entretanto, o dia a dia forense mostra que, na verdade, existem tantas ações criminais em tramitação sob segredo de justiça que a exceção, às vezes, pode soar como regra.6

Em relação ao pedido de habeas corpus, o juiz Federal da 3ª Aud/1ªdeixou de decidi-lo por considerar que o magistrado já havia proferido decisão nos autos do APF e não verificou qualquer ilegalidade, e assim, considerando ter passado à condição de autoridade coatora, passando a competência a ser do STM, para onde, declinando, enviou o writ7.

Por sua vez, no STM, autuado o HC sob número 7000021-87.2025.7.00.00008, o presidente em exercício9 negou o pedido de liminar para que fosse determinado o trancamento da ação penal, inaudita altera pars em face de flagrante ilegalidade feito pelo Conselheiro Distrital de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos. A negativa com relação à liminar fundou-se no fato de que tendo sido o advogado preso em 13 de janeiro, por volta das 18 horas, foi-lhe concedida liberdade provisória no dia seguinte, inexistindo, portanto, ameaça à liberdade do paciente e, também pelo fato de que o pedido foi destinado ao trancamento de ação penal que sequer havia sido iniciada. O processo seguiu, então, ao seu relator.

Outros dois pontos importantes de repercussão nacional somam-se a este caso:

O primeiro deles, foi a recomendação 7766171 - DPGU/DNDH/1DRDH RJ10, oriunda da DPU - Defensoria Pública da União e dirigida à Marinha do Brasil, datada de 31/1/25, e assinada pelo Defensor Regional dos Direitos Humanos. Tal recomendação, decorreu de denúncias, segundo as quais a Marinha tem adotado práticas para o recolhimento obrigatório de aparelhos eletrônicos, como celulares, tablets e notebooks, antes da realização de atos formais do processo militar, impedindo a gravação de audiências públicas e outros atos administrativos nas Organizações Militares.

Segundo a DPU, impedidos de portarem seus aparelhos durante os atos, os advogados também ficam impossibilitados de registrar eventuais abusos que, corriqueiramente, acontecem no âmbito dessas audiências. A partir de sucessivos eventos que importaram em violações cometidas contra advogados, foi criada a Confraria do Direito Militar, integrada por profissionais de diversas partes do país que atuam em processos militares, no âmbito dos quais já vivenciaram situações de restrições e proibições arbitrárias que colidem com as prerrogativas da advocacia.

E que além do recolhimento de celulares e da proibição de gravações, também já foram registrados episódios de intimidações diretas aos patronos. Dentre as denúncias já formalizadas por integrantes desse grupo, o que estaria a revelar práticas reiteradas por parte de agentes militares da Marinha do Brasil, que violam frontalmente as prerrogativas da advocacia, previstas na lei 8.906/1994, além de regras e garantias processuais, como o devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa e a transparência de atos públicos.

Em sua recomendação, a Defensoria Pública da União recomenda à Marinha do Brasil que observe o seguinte:

1. Promova o adequado treinamento e conscientização de seus agentes acerca das prerrogativas da advocacia, em respeito à função essencial à administração da Justiça exercida pelos advogados (artigo 133, CRFB/1988);

2. Abstenha-se de recolher aparelhos eletrônicos pessoais, portados por advogados em exercício funcional, no âmbito de audiências administrativas e disciplinares;

3. Não crie empecilhos aos advogados que desejem gravar os atos públicos praticados nestas audiências, compreendendo que tal prática não viola o artigo 147 do CPM, uma vez que os enquadramentos das filmagens sejam feitos nas salas em que ocorre a instrução dos procedimentos administrativos.

Por fim, a DPU ressaltou que a recomendação busca solucionar a demanda sem judicialização, e baseia-se na orientação de solução extrajudicial dos litígios, nos termos do art. 4º, II, da LC 80/199411.

Já o segundo ponto de repercussão a ser destacado, foi a instauração, pela Procuradoria da Justiça Militar do Rio de Janeiro, de inquérito civil público12 destinado, em síntese:

1) Apurar, prevenir e circunstancialmente coibir a eventual violação das prerrogativas funcionais garantidas aos membros do Ministério Público, da Defensoria Pública, da Advocacia Pública e da Advocacia, supostamente cometida pelos órgãos da Marinha do Brasil dispostos nas áreas sob atribuição da Procuradoria de Justiça Militar do Rio de Janeiro, sob o pretenso fundamento de se cumprir o ato normativo DGMM 540, da Marinha do Brasil;

2) Exercer, de modo difuso, na forma do art. 129, inciso VII, CF c/c art. 4º, inciso I, da Resolução nº 279/2023 do Conselho Nacional do Ministério Público, o controle externo da atividade policial em face de órgãos de Polícia Judiciária Militar que não observarem as prerrogativas de classe outorgadas pelas respectivas leis orgânicas das descritas carreiras;

3) À luz dos paradigmas de consensualidade e consequencialismo erigidos pela reforma que a Lei nº 13.655/2018 realizou na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, e consideradas as reais dificuldades dos gestores públicos na execução de políticas que garantam a segurança da informação no âmbito dos órgãos navais que estejam em área sob atribuição da PJM-RJ (art. 22 da LINDB),iniciar as tratativas que permitam uma eventual pactuação de Termo de Ajustamento de Conduta entre o MPM e a União, contemplando as demais instituições que demonstrem interesse em fazer parte de tal negócio jurídico, com fundamento no art. 5º, § 6º, da Lei nº 7.347/85, c/c arts. 1º e 2º da Res. 179/2017/CNMP.

Clique aqui para ler a íntegra do artigo.

Jorge Cesar de Assis

VIP Jorge Cesar de Assis

Advogado inscrito na OAB/PR. Membro aposentado do Ministério Público Militar da União. Integrou o Ministério Público paranaense. Oficial da reserva não remunerada da PMPR.

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