O retrocesso global no combate à corrupção
Com a redução do temor de sanções internacionais, a possibilidade de retomada de práticas corruptas em setores estratégicos, como infraestrutura, energia e defesa, se torna uma ameaça real.
quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025
Atualizado às 15:06
A recente decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de suspender parcialmente a aplicação da FCPA - Foreign Corrupt Practices Act levanta um alerta significativo para países que, como o Brasil, ainda lutam para consolidar avanços na prevenção e repressão à corrupção.
A medida, justificada sob o argumento de que as restrições impostas pela legislação prejudicavam a competitividade das empresas americanas no exterior, abre um precedente perigoso e pode afetar diretamente a dinâmica dos negócios internacionais, incentivando práticas ilícitas em mercados historicamente vulneráveis.
Isso porque a FCPA, sancionada em 1977, é uma das mais rigorosas legislações anticorrupção do mundo, permitindo, de modo transnacional, que empresas e empresários fossem responsabilizados criminalmente por atos de corrupção fora dos Estados Unidos, o que refletiu, diretamente, em investigações brasileiras, como a famosa operação Lava Jato.
Nesse sentido, a aplicação rigorosa da norma nos últimos anos não apenas possibilitou a aplicação de multas bilionárias a corporações envolvidas em esquemas ilícitos, mas também fomentou a cooperação entre autoridades de diversos países, permitindo o rastreamento e a punição de crimes financeiros e societários que, sem esse intercâmbio, poderiam ter permanecido impunes.
Deste modo, a flexibilização da FCPA sugere um recuo preocupante no combate internacional à corrupção, em um contexto no qual governos e corporações já enfrentam desafios para garantir a transparência e a integridade nas relações comerciais, de modo que a decisão abre caminho para um modelo de negócios mais permissivo a práticas ilícitas.
Outrossim, no Brasil, as consequências podem ser profundas, pois o desmonte parcial da legislação americana tende a enfraquecer investigações bilaterais - em especial com a já citada cooperação internacional, importantíssima para a punibilidade de casos de corrupção de grande impacto - e, sobretudo, reduzindo a pressão que empresas multinacionais sentiam para manter programas de compliance rigorosos.
Logo, com a redução do temor de sanções internacionais, a possibilidade de retomada de práticas corruptas em setores estratégicos, como infraestrutura, energia e defesa, se torna uma ameaça real.
Neste contexto, o argumento central utilizado por defensores da medida, repousa sobre a chamada "Teoria da Graxa", um conceito que sugere que, em mercados altamente burocratizados, com instabilidade institucional elevada, a corrupção através do pagamento de propinas funcionaria como um "lubrificante" para as atividades exercidas.
Trata-se, contudo, de uma visão distorcida e perigosa que, ao invés de enfrentar os problemas estruturais da corrupção, os legitima como um "mal necessário", desestimulando a aplicação das sanções destinadas a extirpar o que se tenta incluir como um fator cultural de alguns setores.
Ademais, a aplicação desta ótica transigente, no Brasil, ignora décadas de esforços legislativos e jurisprudenciais para construir um sistema jurídico capaz de coibir tais práticas e estimular um ambiente de negócios mais transparente.
Por fim, é importante pontuar a necessidade de que o combate à corrupção não seja visto como um entrave ao progresso econômico, o que deve respaldar o aperfeiçoamento das legislações anticorrupção, de modo a mitigar os fatores de ilicitude, preservando e fomentando a atividade empresarial.


