Censura prévia e liberdade de expressão: Tutela inibitória
O artigo analisa a censura prévia na liberdade de expressão e a exigência de URL específica para remoção de conteúdo, conforme o artigo 19, § 1º, do Marco Civil da Internet e jurisprudência.
quarta-feira, 12 de março de 2025
Atualizado em 11 de março de 2025 15:08
Introdução
A liberdade de expressão é um direito fundamental consagrado na Constituição Federal de 1988, sendo essencial para a democracia.
No entanto, o uso da internet trouxe desafios quanto à remoção de conteúdos potencialmente ilegais, exigindo um balanceamento entre a liberdade de expressão e o combate a abusos.
O Marco Civil da Internet (lei 12.965/14) estabelece diretrizes para a responsabilização dos provedores de aplicações, determinando que apenas após ordem judicial específica esses podem ser responsabilizados por conteúdo de terceiros.
A necessidade de individualização da URL na remoção de conteúdo
O art. 19, § 1º, do Marco Civil da Internet preconiza que a ordem judicial que determina a remoção de conteúdo deve ser clara e específica.
Isso significa que a decisão deve individualizar o material a ser removido, usualmente por meio da indicação da URL correspondente.
A omissão dessa especificidade pode levar a uma remoção excessiva, configurando censura prévia, o que é vedado pelo ordenamento jurídico brasileiro.
A jurisprudência do STF e do STJ tem reforçado esse entendimento.
Em decisão paradigmática, o STJ afirmou que ordens judiciais genéricas, sem indicação precisa das URLs, podem ser consideradas inconstitucionais, pois restringem indevidamente o direito à informação e à liberdade de expressão (REsp 1.660.168/SP).
Tutela inibitória e censura prévia
A determinação para que se abstenha de praticar ato futuro e incerto na menção de uma pessoa ou fato configura verdadeira tutela inibitória, que se traduz em censura prévia, nos termos do art. 5º, IX, da Constituição Federal.
Tal prática é inadmissível, pois viola diretamente a liberdade de expressão, impedindo manifestações antes mesmo de sua ocorrência, criando um precedente perigoso para a restrição indevida da informação.
Precedentes jurisprudenciais
RESPONSABILIDADE CIVIL. TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA. REMOÇÃO DE CONTEÚDO ILÍCITO DO FACEBOOK. DECISÃO EXTRA PETITA, PROFERIDA EM DESACORDO COM PEDIDO INICIAL . NULIDADE EM PARTE DO PROVIMENTO GENÉRICO. ADEQUAÇÃO AO ART. 19, § 1º DO MARCO CIVIL DA INTERNET. ORDEM JUDICIAL QUE DEVE SER ESPECÍFICA, COM IDENTIFICAÇÃO DO MATERIAL ILÍCITO . É vedado ao magistrado proferir decisão acima (ultra), fora (extra) ou abaixo (citra ou infra) do pedido, sob pena de nulidade. Hipótese em que julgador extrapolou os limites do pedido formulado na inicial ao determinar a remoção de vídeos e comentários sobre o caso sub judice. Provimento genérico proferido em desacordo com o art. 19, § 1º do Marco Civil da Internet (Lei nº 12 .965/14). Tutela provisória de urgência limitada ao pedido inicial, que é específico e identifica claramente o conteúdo apontado como ilegal, o qual poderá ser localizado pelo Facebook e excluído. Descabe, todavia, a cassação total da decisão, eis que foi adequadamente fundamentada, sem violação ao art. 93, IX da CF . AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO. ( Agravo de Instrumento Nº 70075508374, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator.: Túlio de Oliveira Martins, Julgado em 30/11/2017). (TJ-RS - AI: 70075508374 RS, Relator: Túlio de Oliveira Martins, Data de Julgamento: 30/11/2017, Décima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 05/12/2017)
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. REMOÇÃO DE CONTEÚDO DA PLATAFORMA GOOGLE CONSIDERADO PELO AUTOR INFRINGENTE PARA SUA IMAGEM . NECESSIDADE DE IDENTIFICAÇÃO CLARA E PRECISA DO CONTEÚDO DIGITAL A SER REMOVIDO. ART. 19, § 1º DO MARCO CIVIL DA INTERNET. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DOS LOCALIZADORES URL . PRECEDENTES DO STJ. RECURSO PROVIDO. (TJ-RN - AGRAVO DE INSTRUMENTO: 0805125-83.2020 .8.20.0000, Relator.: IBANEZ MONTEIRO DA SILVA, Data de Julgamento: 01/10/2020, Segunda Câmara Cível, Data de Publicação: 02/10/2020)
APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZATÓRIA. TUTELA INIBITÓRIA. LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO . POSTAGEM NO TWITTER. OPINIÃO PÚBLICA. PRINCÍPIOS DE REGEM A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.DANO MORAL NÃO CONFIGURADO . SENTENÇA MANTIDA. 1. A publicação de postagem em rede social (twitter) com críticas à atuação do agente público, Diretor-Geral da Polícia Federal, repercutindo reportagem jornalística contendo críticas a fatos de supostas violações à moralidade administrativa e à impessoalidade, sem adentrar a vida privada, a honra ou a intimidade dos apelantes, mas circunscrevendo tão somente suas funções e, de forma reflexa, a remuneração de suas funções e escolha de irmão para compor a delegação para viagem oficial ao exterior, sem comprovação de correlação com suas atribuições funcionais, não constitui dano moral indenizável. 2 . Conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF n. 130, ?o próprio das atividades de imprensa é operar como formadora de opinião pública, espaço natural do pensamento crítico e 'real alternativa à versão oficial dos fatos'". 3. A publicação do apelado demonstra que o seu objetivo primordial era externar pensamento de insatisfação em face de aparente incoerência, que o apelado acredita existir, entre os fatos e os princípios e regras que regem a administração pública, o que, embora possa, de fato, causar aborrecimentos aos autores apelantes, não caracteriza o dano moral 4 . A liberdade de manifestação, no caso vertente, não pode ser tolhida pelo pedido de tutela inibitória para que o apelado se abstenha de formular toda e qualquer menção aos apelantes, sob pena de restar configurada censura prévia, vedada pelo art. 5º, inc. IX, da Constituição Federal. 5 . Recurso conhecido e não provido. (TJ-DF 07104675620228070001 1751793, Relator.: SONÍRIA ROCHA CAMPOS D'ASSUNÇÃO, Data de Julgamento: 06/09/2023, 6ª Turma Cível, Data de Publicação: 14/09/2023)
Considerações finais
A remoção de conteúdo na internet deve seguir estritamente os princípios do Marco Civil da Internet, garantindo que apenas materiais especificadamente identificados sejam retirados.
Ordens judiciais genéricas, sem indicação da URL, violam a liberdade de expressão e podem configurar censura prévia, algo expressamente vedado pelo ordenamento jurídico.
A jurisprudência tem consolidado esse entendimento, reforçando a necessidade de individualização do material a ser removido.
Assim, cabe ao Judiciário garantir um equilíbrio entre a proteção de direitos e a liberdade de expressão, evitando decisões que possam restringir indevidamente o acesso à informação.