MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. O alcance do dever de informação previsto na lei 13.966/19

O alcance do dever de informação previsto na lei 13.966/19

O alcance do dever de informação veiculado pela lei de franquias quanto à obrigatoriedade de apresentação, pelo franqueador, das ações judiciais em curso envolvendo o seu sistema de franquias.

segunda-feira, 17 de março de 2025

Atualizado às 17:00

A lei 13.966/19 determina, em seu art. 2.º, inciso IV, que é obrigação legal do franqueador indicar, em sua COF - Circular de Oferta de Franquia, as ações judiciais relativas à franquia que questionem o sistema ou que possam comprometer a operação da franquia no país, nas quais sejam partes o franqueador, as empresas controladoras, o subfranqueador e os titulares de marcas e demais direitos de propriedade intelectual.

A leitura apressada do dispositivo legal leva à crença de que o franqueador está dispensado de indicar as ações que envolvam discussões a princípio individuais, sobretudo aquelas nas quais os seus ex-franqueados gozam da qualidade de parte e questionam a higidez da relação jurídica estabelecida entre as partes.

O TJ/MG, neste ponto, ao se debruçar sobre o assunto, expediu compreensão de que "a conclusão hermenêutica é que só devem constar na COF aqueles processos com alto grau de suscetibilidade de afetar os eventuais franqueados, sistemicamente, por conter discussão relevante a ponto de desvalorizar a franquia como um todo, sendo insuficiente, a contrario sensu, conflitos individuais e que não repercutam na operação da atividade empresarial"1.

Quanto ao ponto, é indispensável que se reflita, porém, acerca da pretensão do legislador, que, na lei de franquias, reconhece a existência de uma disparidade informacional entre o franqueador, detentor do propagado know-how, e o franqueado, que pretende ingressar em um sistema de franquia por ele, franqueador, operado.

Com esse propósito, a lei de franquias reforça um dos pilares da relação contratual contemporânea, disposta no art. 422 do CC, no sentido de que os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e boa-fé.

Substantiva, pois, compromisso legal do franqueador potencializar, em todos os aspectos, a transparência no âmbito de sua relação com o seu franqueado ou candidato a franqueado, devendo dispensar a este todas as informações que impactem, direta ou indiretamente, na tomada de decisão pela adesão ao modelo de negócio proposto.

O dever de probidade, no ambiente de franquias, consolida-se, em toda a sua extensão, no grau de acuidade que imprime o franqueador ao confeccionar a sua COF - Circular de Oferta de Franquia, documento elevado à pedra de toque do sistema e cuja ambiguidade ou incompletude de seu conteúdo possui consequências deletérias.

Bem por isso é que a própria lei de franquias dispõe que a falha nesse dever de probidade tem por consequência o nascimento de um direito subjetivo em favor do franqueado/candidato a franqueado, qual seja, o de arguir anulabilidade ou nulidade dos instrumentos contratuais firmados, conforme o caso, e exigir a devolução de todas e quaisquer quantias já pagas ao franqueador, ou a terceiros por este indicados, a título de filiação ou de royalties, corrigidas monetariamente (art. 2.º, § 2.º).

É certo, neste sentido, que o franqueador probo, honesto e idôneo não terá maiores problemas em satisfazer a exigência legal.

Bastará, em reforço ao seu dever de informação e transparência, que informe todas as ações judiciais (e procedimentos arbitrais, se o caso) em curso, declinando, sumariamente, as questões discutidas e esclarecendo ao seu pretenso franqueado as razões pelas quais entende que aquele determinado processo não questiona o sistema ou não compromete a sua operação de franquia.

A dúvida quanto ao impacto de determinada ação judicial no sistema de franquia ofertado pelo franqueador deve ser solvida em favor do candidato a franqueado, credor da obrigação legal que, assim, deve ser alertado quanto à existência da ação judicial para, analisando-a, definir sobre a relevância de seu conteúdo para sua tomada final de decisão.

O TJ/MS, neste aspecto, já efetuou o registro que "a existência de ações judiciais efetivamente constitui razão para a não adesão ao contrato, mormente quando a parte franqueada logra comprovar que os processos discutem justamente a questionada atuação da empresa no apoio e suporte que se comprometeu a fornecer"2.

Um volume relevante de ações judiciais movidas por um conjunto de franqueados, pode, por exemplo, indicar um problema estrutural no ambiente de franquia, de modo que a omissão do franqueador quanto à sua indicação na COF - Circular de Oferta de Franquia tende a configurar intenção de influir, por omissão, na adesão de candidatos ao seu modelo de negócio reiteradamente questionado, ainda que no âmbito de conflitos em princípio individuais.

O franqueador, demais disso, que se furta ao dever de transparência e resolve, a seu critério, omitir, ainda que parcialmente, o volume de ações judiciais patrocinadas em seu desfavor, chama para si a responsabilidade, verdadeiro ônus processual, de comprovar a incapacidade de determinado procedimento impactar no seu sistema de franquia ou na coletividade de seus franqueados (art. 372, inciso II, CPC).

É de bom tom que se diga, a propósito, que são nas ações individuais que surgem, por excelência, questionamentos quanto ao sistema de franquia empresarial, estabelecendo-se conclusões acerca da falha muitas vezes estrutural do franqueador em transferir (ou, mesmo, possuir) o know-how definido em sua Circular de Oferta de Franquia.

Em outras palavras, no curso de ações de cunho individual são estabelecidas conclusões a respeito do "uso de métodos e sistemas de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvido ou detido pelo franqueador", a que se refere o art. 1.º da lei de franquias, muitas vezes corroborados por laudos de índole técnica que reforçam a repercussão "erga omnes" das deficiências identificadas, hábeis a afetar, portanto, toda a coletividade de franqueados, comprometendo, inclusive, a capacidade de manutenção do franqueador no mercado.

O dever de informar, com absoluta amplitude, acerca das ações judiciais relativas à franquia, ainda, é obrigação decorrente do disposto no inciso I, do art. 2.º da lei de franquias, que não dispensa o franqueador de apresentar histórico resumido do negócio franqueado.

O dispositivo alberga verdadeira cláusula geral e potencializa o dever de informação que é a razão de ser da lei.

Bem por isso é que, ao descrever o histórico resumido do negócio franqueado, não pode o franqueador se limitar a expor as informações que entende relevantes e, de certo modo, favoráveis aos seus interesses.

É igualmente obrigado a publicizar as informações que entende lhes serem desfavoráveis, justificando-as, se o caso.

Com estas digressões, conclui-se que a interpretação mais consentânea com o complexo normativo que impulsiona a relação de franquia empresarial dá conta de que é dever do franqueador indicar todas as ações judiciais relativas à franquia no âmbito de sua COF - Circular de Oferta de Franquia, se o caso, acompanhadas de explicações sumárias quanto às razões pelas quais ele, franqueador, entende que não há questionamento ao seu sistema, nem capacidade de comprometer a operação de franquia no país.

Assim, mune-se o candidato à franqueado com um conjunto de informações claras, objetivas e acessíveis, permitindo que a decisão pela adesão ao modelo de negócio do franqueador seja tomada com base em histórico relacional fidedigno e menos sujeito a questionamentos judiciais.

______________

1 TJ-MG - Agravo de Instrumento: 18394632220248130000, Relator.: Des.(a) Tiago Gomes de Carvalho Pinto, Data de Julgamento: 06/08/2024, Câmaras Especializadas Cíveis / 16ª Câmara Cível Especializada, Data de Publicação: 07/08/2024

2 TJ-MS - Apelação Cível: 0823211-29 .2017.8.12.0001 Campo Grande, Relator.: Des . Marcelo Câmara Rasslan, Data de Julgamento: 26/03/2024, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: 01/04/2024.

David Maxsuel Lima Rodrigues

VIP David Maxsuel Lima Rodrigues

Sócio-fundador da M&R Advogados, banca de advocacia voltada à atuação exclusiva em favor de franqueados. Diretor de Relações Institucionais da Associação Brasileira de Franqueados (ASBRAF).

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca