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STF exclui do Tema 542 a trabalhadora gestante temporária

2ª turma do STF decide que Tema 542 não se aplica à trabalhadora gestante temporária, em contrariedade à interpretação do plenário, que confere a máxima efetividade ao direito fundamental.

terça-feira, 18 de março de 2025

Atualizado às 11:35

Em que pese o STF, em sede de repercussão geral (Tema 542), tenha fixado a tese "A trabalhadora gestante tem direito ao gozo de licença-maternidade e à estabilidade provisória, independentemente do regime jurídico aplicável, se contratual ou administrativo, ainda que ocupe cargo em comissão ou seja contratada por tempo determinado", certo é que existe resistência quanto à aplicação da referida tese no âmbito do agravo em RE 1.331.863, o qual questiona a inconstitucionalidade do incidente de assunção de competência 2 do TST, que dispôs ser inaplicável ao regime de trabalho temporário, disciplinado pela lei 6.019/74, a garantia de estabilidade provisória à empregada gestante.

Ressalta-se que antes mesmo do julgamento do Tema 542/STF, dada a similitude fática e jurídica do caso, por medida de economia processual, foi suscitado que deveria ser apreciado o tema contido no ARE 1.331.863 quando do julgamento do Tema 542, ainda que fosse para efetuar um distinguishing, afirmando não ser aplicável o instituto da estabilidade provisória à gestante submetida ao contrato temporário da lei 6.019/74, todavia compreendeu o Tribunal pela notória ausência de identidade entre os temas.

Em sede de agravo interno, o ministro relator, em seu voto, afirmou "não se aplicar ao caso o entendimento firmado no julgamento do RE 842.844, revelador do Tema n. 542 da repercussão geral, uma vez que naquela oportunidade se analisou contrato de trabalho por tempo determinado celebrado com a Administração Pública e não entre particulares", o que ensejou a interposição de embargos de divergência, a fim de que a matéria seja pacificada no âmbito da Corte Constitucional.

A par do exposto, a fim de apresentar um contraponto ao posicionamento adotado alhures, é relevante destacar, preliminarmente, que o CPC/15 buscou privilegiar a força e a importância dos precedentes no direito, empenhando-se na construção de um verdadeiro direito jurisprudencial embasado nos deveres cooperativos devidamente positivados1 de estabilidade, coerência e integridade, como forma de diminuir o trabalho do Poder Judiciário e, concomitantemente, aumentar a confiabilidade e segurança jurídica de suas decisões.

Nessa esteira, impende salientar que a doutrina2 e a jurisprudência preveem que as decisões do STF em sede de repercussão geral possuem força vinculante perante os demais Tribunais, independentemente de terem sido proferidas em sede de julgamento de recursos extraordinários repetitivos. Segundo MEDINA3 "a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida também deve ser observada pelos juízes, a despeito de a hipótese não encontrar-se prevista no art. 927 do CPC/2015".

Destarte, sendo incontestável que as decisões proferidas em sede de repercussão geral pela STF caracterizam-se como precedentes vinculantes, traz-se à baila a compreensão de Streck e Abboud, que definem precedente como "uma decisão de um Tribunal com aptidão a ser reproduzida-seguida pelos tribunais inferiores", destacando, porém, que "sua condição de precedente dependerá de ele ser efetivamente seguido na resolução de casos análogos-similares"4.

Nesse contexto, importa salientar que não é a decisão judicial em si proferida no caso concreto que possui o caráter vinculante, sendo necessário, ainda, distinguir dentre os elementos que compõem o precedente, a parte obrigatória (ratio decidendi), daquilo que pode ser desconsiderado (obter dictum), pois, nem tudo que está na justificação é aproveitado para formação do precedente, haja vista que são prescindíveis para a solução de qualquer questão do caso.

Conforme Daniel Amorim Assumpção Neves5 "a ratio decidendi é o núcleo do precedente, seus fundamentos determinantes, sendo exatamente o que vincula. Afirmar-se que a ratio decidendi do precedente vincula, é indiscutível e a parte fácil de se compreender a eficácia vinculante dos precedentes".

Desta sorte, sendo a ratio decidendi o elemento vinculante de um precedente, ou seja, extraída a partir da justificação da decisão, dos argumentos necessários e suficientes para resolver as questões relevantes do caso, insofismável que das mais de 110 páginas que compõem o acórdão proferido no Tema 542 de repercussão geral do STF, resta hialina a amplitude da estabilidade provisória à gestante independentemente da natureza jurídica do vínculo empregatício, abarcando, desta forma, a trabalhadora temporária regida pela lei 6.019/74.

Tal conclusão resta muita clara já da leitura da ementa, não sendo necessário realizar muito esforço em busca de fundamentos para alcançá-la, haja vista que compreende-se compor a ratio decidendi do precedente firmado pelo Tema 542/STF, que "o estado gravídico é o bastante a se acionar o direito, pouco importando a essa consecução a modalidade do trabalho, de modo que a proteção ao trabalho da mulher gestante é medida justa e necessária, independente da natureza jurídica do vínculo empregatício (celetista, temporário, estatutário) e da modalidade do prazo do contrato de trabalho, não se subsistindo argumentos para excluir desse entendimento as trabalhadoras regidas pela Lei nº 6.019/74."

Reforça a ideia aqui defendida, o fundamento utilizado no julgamento do Tema 497/STF6, que consignou que a estabilidade provisória da gestante é um direito fundamental de dupla titularidade, que visa proteger a gestante e nascituro e, acima de tudo, esteia-se na máxima efetividade que deve ser conferida aos direitos fundamentais. Ou seja, trata-se de um direito de titularidade também do nascituro, sendo importante indagar: por qual razão desproteger o nascituro de uma trabalhadora gestante submetida ao regime da lei 6.019/74?

Assim, resta aguardar o deslinde dos embargos de divergência, quando então saberemos se a gestante submetida ao regime de trabalho temporário, disciplinado pela lei 6.019/74 permanecerá excluída, ou não, da cobertura conferida pelo direito fundamental que garante a estabilidade provisória à trabalhadora gestante.

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1CPC, Art. 926.  Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. 

2 "Embora o § 4º do art. 927 fale de "tese adotada em julgamento de casos repetitivos", deixando de se referir aos precedentes firmados em repercussão geral e aos precedentes estabelecidos pelo Superior Tribunal de Justiça em casos "não repetitivos", isso obviamente deve ser visto como mero esquecimento, na medida em que é absurdo atribuir autoridade a decisões que não refletem a essência das funções das Supremas Cortes, esquecendo-se daquelas que realmente a representam. Ora, se o Supremo Tribunal Federal só pode julgar casos repetitivos quando há repercussão geral, é evidente que o que importa são os precedentes firmados em repercussão geral, motivo pelo qual não tem qualquer importância a circunstância de a repercussão geral estar relacionada com casos repetitivos e não com casos que não se reproduzem em massa." MARINONI, L.G. Precedentes Obrigatórios - Ed. 2016, Revista dos Tribunais.

3 MEDINA, José Miguel Garcia: 2017, Novo Código de Processo Civil Comentado - Edição 2017 - Editor: Revista dos Tribunais.

4 STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto - O precedente judicial e as súmulas vinculantes?. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. p. 45.

5 NEVES, D. A. A. Manual de direito processual civil. Vol. único. 8 ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 1313.

6 A incidência da estabilidade prevista no art. 10, inc. II, do ADCT, somente exige a anterioridade da gravidez à dispensa sem justa causa.

Luiz Carlos Santos Junior

VIP Luiz Carlos Santos Junior

Chefe da Procuradoria Jurídica do CREFITO-11, mestre em direitos sociais e processos reivindicatórios, especialista em Direito e Processo Civil e em Direito e Processo do Trabalho.

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