Justiça multiportas em Minas Gerais: cooperação entre instituições
O presente artigo analisa o avanço dos métodos autocompositivos em Minas Gerais e a consolidação de um ecossistema cooperativo voltado à resolução adequada de conflitos
quinta-feira, 3 de abril de 2025
Atualizado às 10:46
Nas últimas décadas, o conceito de acesso à justiça vem sendo ressignificado no Brasil. O paradigma tradicional - centrado exclusivamente na atuação jurisdicional do Estado - tem cedido espaço à chamada Justiça Multiportas, um modelo que propõe múltiplas vias para a resolução de conflitos, de acordo com a natureza da controvérsia, o interesse das partes e a complexidade da matéria.
Esse movimento se sustenta na ideia de que acessar a justiça não se resume a ingressar com um processo judicial, mas sim a dispor de caminhos eficazes, céleres, acessíveis e adequados para a solução de litígios. Mediação, conciliação, arbitragem, negociação direta e outros formatos extrajudiciais vêm se firmando como instrumentos legítimos de pacificação, com respaldo legal e institucional.
Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015 e da Lei da Mediação (Lei 13.140/15), esse modelo foi normativamente incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro. O art. 3º do CPC, ao estabelecer que o Estado deve promover a solução consensual de conflitos, reafirma a importância dos métodos autocompositivos, e impõe aos operadores do direito o dever de cooperação e estímulo ao diálogo.
Na capital mineira, esse modelo encontra terreno fértil. A cidade tem se destacado pela consolidação de um verdadeiro ecossistema de resolução adequada de disputas, estruturado em três pilares principais: (i) iniciativas do Poder Judiciário; (ii) atuação estratégica do Ministério Público e da Defensoria Pública; e (iii) fortalecimento de instituições privadas especializadas.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ/MG), por meio dos CEJUSCs (Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania) e do Programa Novos Rumos, vem promovendo a expansão da política de tratamento adequado de conflitos. Tais centros funcionam como portas de entrada para mediações e conciliações pré-processuais, e também como instrumentos de apoio à autocomposição no curso de processos judiciai
Além disso, o TJ/MG tem investido na formação de conciliadores e mediadores, e firmado convênios com universidades, câmaras privadas e instituições públicas, ampliando o alcance e a credibilidade do sistema.
Ademais, a atuação do Ministério Público de Minas Gerais tem sido igualmente relevante. Por meio do Programa COMPOR, a instituição fortalece sua vertente resolutiva, estimulando promotores a mediar diretamente conflitos de grande relevância social - a exemplo de disputas envolvendo políticas públicas, direitos coletivos, educação e saúde. O COMPOR institucionaliza uma lógica mais proativa, preventiva e colaborativa, reforçando o papel do MP como agente de transformação social.
Na mesma linha, a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais também tem contribuído decisivamente para a difusão da Justiça Multiportas, ao implementar Núcleos de Mediação e Práticas Restaurativas voltados à população em situação de vulnerabilidade. Esses núcleos atendem demandas de família, vizinhança, direito do consumidor, entre outras, oferecendo um espaço acolhedor, com linguagem acessível e foco na escuta qualificada.
Ao investir na formação de defensores para atuar como facilitadores de diálogo, a Defensoria amplia o acesso à justiça e promove a cidadania ativa, permitindo que os próprios indivíduos se tornem protagonistas da resolução de seus conflitos.
Já no campo privado, centros e câmaras especializadas em mediação e arbitragem têm se consolidado como importantes aliadas desse novo modelo. Com atuação marcada pela tecnicidade, celeridade e imparcialidade, essas instituições vêm assumindo papel estratégico na gestão de disputas contratuais, empresariais, condominiais, educacionais e familiares. A utilização crescente de cláusulas compromissórias e cláusulas escalonadas, prevendo a mediação como etapa prévia à arbitragem ou à judicialização, reflete a confiança do setor privado nesses métodos. Além de garantir segurança jurídica, esses mecanismos preservam vínculos negociais e reduzem custos econômicos e emocionais associados ao litígio.
Vale ressaltar que as instituições privadas sérias e comprometidas têm atuado em articulação com o Poder Judiciário e com entidades públicas, por meio de convênios e projetos conjuntos que asseguram qualidade, acesso e integridade dos procedimentos adotados.
Apesar dos avanços, ainda há desafios a serem enfrentados: resistências culturais, falta de informação da população, necessidade de formação continuada dos operadores do direito e ausência de uma política pública nacional coordenada para os métodos adequados. Também se mostra urgente o aprimoramento da regulação das instituições privadas, com critérios técnicos de funcionamento, fiscalização e qualificação dos profissionais.
Por outro lado, o amadurecimento institucional observado em Minas gerais como um todo, marcado pela cooperação entre Judiciário, Ministério Público, Defensoria, advocacia e setor privado - aponta para uma tendência irreversível de consolidação da Justiça Multiportas como política nacional de tratamento adequado aos conflitos.
Portanto, mais do que uma simples reconfiguração de competências, a Justiça Multiportas representa uma mudança de mentalidade. Trata-se de compreender o conflito como um fenômeno multifacetado, que exige respostas diversas, articuladas e humanas.
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