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A gestão de riscos jurídicos - Da teoria à prática

O "porém": Por mais que todo litígio seja um obstáculo, não há atividade econômica que guarde distância de disputas judiciais.

sexta-feira, 4 de abril de 2025

Atualizado às 11:33

1. Introdução - O óbvio, a começar pela teoria

O objetivo do presente artigo não é o de apresentar ou falar sobre as infinitas ferramentas (BI) que permitem a criação de dashboards interativos e relatórios personalizados que facilitam o monitoramento e análises de riscos.

Falamos apenas de "gestão". Expressão universal e difundida em todos os setores econômicos e sociais, inclusive na nossa vida pessoal. A gestão é uma ferramenta empregada no dia a dia, até inconscientemente, na busca de um objetivo que não cause efeitos danosos nas relações que estabelecemos. É o controle sobre o que queremos buscar, manter ou assumir, como risco. No campo empresarial, já adentrando ao território arenoso dos conflitos, usamos a gestão e todos os recursos disponíveis para igualmente alcançarmos objetivos evitando e/ou mitigando despesas. Essa lógica muito primária, traçada nessas primeiras linhas introdutórias, leva a conclusão de que riscos eliminados ou minimizados desaguam na maximização dos resultados, inevitavelmente. Nada mais óbvio, contudo.

2. A gestão x litígios

Todo litígio é custoso, imprevisível e ineficiente. As evidências falam por si. Se ainda pairar alguma dúvida, imaginamos que talvez ela recaia sobre a ineficiência. Mas não há como resistir: os mais inveterados processualistas já admitem que a Justiça não estabelece o fim do litígio; apenas aplica o Direito, nem sempre satisfatório para uma das partes.

Em geral o conflito de interesses persiste, a se ver das execuções que não são cumpridas e das mágoas que não sofrem o efeito da prescrição.

O "Porém": Por mais que todo litígio seja um obstáculo, não há atividade econômica que guarde distância de disputas judiciais. É um mito imaginar que seremos capazes de pôr um fim aos litígios. E o ardiloso paradoxo dessa conclusão está na desejada rentabilidade de qualquer negócio e os prejuízos certos de todo litígio.

Para as grandes corporações, os custos do enfrentamento judicial desfilam desde os honorários advocatícios ao destacamento de um colaborador produtivo para localizar documentos, prestar depoimentos, debater estratégias de defesa. Para as sociedades empresariais de menor porte, ainda se soma algum elemento emocional (a passionalidade da relação e o inesperado conflito) desviando a atenção da atividade que constitui sua própria razão de ser. Essa passionalidade, empregada nos litígios, causa uma miopia seletiva, arrastando a razão, a objetividade e imparcialidade para um território isolado, nocivo para as oportunidades de negócios e a competitividade.

3. O custo da longevidade do litígio - A paralisia comercial

Em meio a essa confluência empresa-processo judicial, a relutância dos advogados em avaliar os riscos jurídicos redunda em custos de litígio superiores ao valor do bem ou direito disputado. Outro sintoma são os graves e irreparáveis danos às relações comerciais entre as partes. A militância passional das causas do cliente, e o abismo entre a linguagem dos tribunais e a dos negócios figuram na origem dessas mazelas.

Os norte-americanos, por exemplo, já atingiram a dupla conclusão de que o consenso entre os litigantes é o mais razoável desfecho de um processo judicial e que um acordo entre os contendedores é mais benéfico que a continuidade dos litígios. Segundo Marc Galanter, na esmiuçada pesquisa "Julgamentos em Extinção: um Exame dos Julgamentos e Questões Conexas nas Cortes Federais e Estaduais" (tradução livre), os tribunais americanos cada vez julgam menos a despeito da avalanche de demandas:

Está superada a ideologia defendida por quem ingressa em batalhas com a única pretensão de vencer. O "Vamos Ganhar a Qualquer Custo", na ótica de Alexandre Ciotti, é algo incompatível com a análise dos riscos e com o controle dos impactos negativos do processo. A situação se agrava à vista da realidade de muitos advogados no Brasil: um certo grau de desconforto com a aritmética.

Essa realidade, a propósito, trouxe para a arena jurídica, a figura do profissional da engenharia de produção. Personagens que, em linhas muito superficiais, porque não é aqui o objetivo centro desse modesto artigo, estão aptos para auxiliar no aumento da eficiência e produtividade.

Em contrapartida, a gestão dos riscos jurídicos responde quanto e onde investir à frente de um litígio, pautando-se por quantificar realisticamente e comunicar significativamente os custos da demanda.

O gerenciamento do litígio exige a combinação de esforço e prática. E ainda requer o manuseio de uma ferramenta fundamental: the decision tree. A árvore de decisão revela os possíveis resultados de uma ação judicial e auxilia a avaliação dos custos, riscos e benefícios de cada resultado. Sinaliza as múltiplas e possíveis saídas financeiras de qualquer litígio. Os julgamentos subjetivos do corpo jurídico são traduzidos em termos monetários, objetivos, dispersando as nebulosas interpretações jurídicas.

Uma árvore de decisão é uma representação gráfica de uma série de decisões e seus resultados possíveis. Ela é composta por:

  1. Nós (nodes): Representam as decisões ou eventos. Todas as possibilidades reais devem ser consideradas nessa equação, principalmente as mais desfavoráveis.
  2. Ramos (branches): Representam as opções ou resultados possíveis. Leitura baseada nos custos e ganhos através de todas as rotas que o processo pode tomar.
  3. Folhas (leaves): Representam os resultados finais. Cálculos finais para atingir o valor monetário do risco.

Mais que intuição, a análise dos riscos reclama uma estratégia cuidadosa e sistemática do caso, desconstruindo a complexidade do processo em pequenos percursos que levam a possíveis resultados, até a pavimentação do caminho para a tomada das decisões adequadas.

Como principal insumo para a gestão de riscos, a capacidade de prever e estimar a probabilidade dos eventos-chave e dos valores implicados nos resultados finais depende da experiência e da percuciência do advogado. A clareza do relatório produzido conduz os clientes a uma rápida viagem - client ridealong. Concede-se ao cliente a entrada ao mundo jurídico, que se torna compreensível pela linguagem universal das implicações financeiras.

Cada torção no caminho do litígio pode surgir com a participação do próprio cliente na visualização das alternativas para o desenlace da disputa judicial. As informações atraídas pela gestão participativa dos riscos jurídicos criam novas perspectivas sobre o caso e conferem uma legitimidade estratégica à atuação do advogado, e não apenas intelectual.

Os tomadores de decisões são movidos por números. À retórica deem a tribuna. E a gestão dos riscos demonstrará que cada caso rigorosamente avaliado, com a devida documentação da lógica subjacente às recomendações do escritório de advocacia, com a clara apresentação dos efeitos da variação das suposições previstas, terá reflexos no baixo custo do litígio e na lógica que acena para a sua resolução sem postergação.

4. Conclusão

A gestão eficaz de riscos jurídicos, através de um olhar frio, é fundamental para o sucesso sustentável das organizações, pois permite a minimização de custos, a redução de incertezas e a maximização de oportunidades, contribuindo assim para a criação de valor e a competitividade no mercado.

As ferramentas estão aí, disponíveis para todos, mas é importante, em última análise, que sejam utilizadas em conjunto com estratégias pragmáticas, como também, responsáveis na defesa do produto comercial e no direito em questão, mas sem romantismos.

___________

1 "Decision Trees and Decision Tables" de J. Ross Quinlan (1979)

2 "Árvores de Decisão: Um Guia Prático" de Lior Rokach e Oded Maimon (2014)

3 "Data Mining: Conceitos e Técnicas" de Jiawei Han, Micheline Kamber e Jian Pei (2012)

Márcio Aguiar

VIP Márcio Aguiar

Sócio Fundador da Corbo, Aguiar & Waise Advogados. Especialista em Direito Empresarial. Ex-Diretor Jurídico da Câmara de Comércio Luso Brasileira. Co-Autor da Enciclopédia de Direito do Desporto.

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