Bets na mira: Bancos agora são fiscais das apostas ilegais
A nova portaria da SPA obriga instituições financeiras a monitorar e comunicar operações suspeitas com sites de apostas ilegais. O setor bancário entra no centro da regulação.
domingo, 13 de abril de 2025
Atualizado em 11 de abril de 2025 14:31
A consolidação do marco regulatório do setor de apostas no Brasil tem trazido não apenas normas voltadas à atividade fim dos operadores de bets, mas também inovações relevantes no que tange à corresponsabilização de agentes auxiliares - notadamente as instituições financeiras e de pagamento. Com a publicação da portaria SPA/MF 566/25, a SPA - Secretaria de Prêmios e Apostas passou a exigir que bancos e instituições de pagamento adotem medidas ativas de controle e fiscalização das transações vinculadas a apostas de quota fixa, promovendo uma inédita integração entre regulação lotérica, sistema financeiro e governança tecnológica.
A portaria regulamenta o cumprimento do art. 21 da lei 14.790/23, que proíbe transações entre instituições financeiras e operadores de apostas não autorizados pela SPA. Mais do que uma norma proibitiva, trata-se de um avanço regulatório que busca impedir a estruturação de operações paralelas ou "lavagem funcional" através de instituições aparentemente regulares. Nesse sentido, os bancos e arranjos de pagamento passam a exercer uma função de "filtro sistêmico", sendo obrigados a implementar mecanismos capazes de identificar vínculos suspeitos com operadores ilegais.
A norma estabelece que, ao detectar indícios de operações com bets não autorizadas, as instituições financeiras deverão comunicar o fato à SPA em até 24 horas, detalhando a transação, os dados do titular da conta e as medidas adotadas para bloqueio ou interrupção. Essas comunicações, feitas de boa-fé, afastam responsabilidade administrativa ou civil, o que demonstra o intuito da norma de incentivar a cooperação proativa. A lógica se assemelha, em certa medida, aos modelos já adotados para prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo - conferindo ao sistema financeiro um papel ampliado de vigilância regulatória.
A regulamentação também reforça exigências operacionais já delineadas pela portaria SPA/MF 615/24, como: vedação ao uso de dinheiro em espécie ou cartões de crédito para apostas; identificação do apostador por reconhecimento facial; segregação patrimonial entre operador e usuário; e controle de acesso seguro aos sistemas. Tais exigências ampliam a complexidade dos contratos entre bets e instituições financeiras, exigindo redobrada atenção jurídica quanto à estruturação contratual, compliance e proteção de dados.
Essa nova camada de obrigações imposta ao sistema financeiro representa uma mudança de paradigma: bancos, fintechs e arranjos de pagamento deixam de ser apenas canais neutros de transação e passam a ser coautores do processo regulatório, com responsabilidade legal e reputacional. Em paralelo, o Banco Central permanece como instância supervisora, assegurando que tais obrigações não conflitem com a autonomia bancária e os princípios da proporcionalidade regulatória.
Por outro lado, a medida também funciona como barreira de entrada indireta para operadores de apostas que atuam na informalidade. Ao limitar o acesso a instrumentos financeiros formais, a SPA impõe um custo regulatório que desestimula a operação à margem da lei. Ainda assim, o sucesso dessa estratégia depende de um diálogo eficiente entre os entes reguladores, do uso de tecnologia antifraude de ponta e de um sistema sancionador funcional.
Em um mercado que movimenta bilhões de reais por ano e cresce exponencialmente em número de usuários, a articulação entre regulação setorial e infraestrutura financeira é não apenas bem-vinda - é indispensável. A responsabilização das instituições financeiras na fiscalização das transações ligadas às apostas de quota fixa inaugura uma nova era para o compliance bancário no Brasil, e exige do setor jurídico atenção redobrada aos riscos regulatórios, contratuais e reputacionais envolvidos.


