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Apple, OpenAI e Microsoft: Corrida de IA, alianças e regulação

Apple, OpenAI, Microsoft e Nvidia se enfrentam num xadrez de inovações e investigações antitruste. Descubra como alianças estratégicas e desafios jurídicos moldam o futuro da IA.

terça-feira, 8 de abril de 2025

Atualizado às 13:05

Introdução

IA - inteligência artificial emergiu como o principal campo de disputa entre as gigantes de tecnologia nos últimos anos. Empresas como Microsoft e Google investiram pesado em startups de IA generativa, enquanto a Apple - outrora pioneira com a assistente Siri - passou a ser vista como retardatária nessa corrida?.

Em paralelo, órgãos reguladores nos EUA, como a FTC - Comissão Federal de Comércio e o DOJ - Departamento de Justiça, intensificaram a vigilância sobre acordos e estruturas de mercado em IA, temendo que parcerias estratégicas e investimentos cruzados possam concentrar poder e sufocar a competição?

Este artigo analisa em profundidade o atraso da Apple na corrida da IA, sua complexa relação com a OpenAI e a Microsoft, e o papel central dos reguladores nessa conjuntura tecnológica e jurídica.

Apple e seu atraso na corrida da IA

A Apple introduziu a Siri em 2011, tornando-se a primeira Big Tech a popularizar uma assistente de voz impulsionada por IA. Entretanto, a última década viu a empresa adotar uma postura mais cautelosa e lenta no desenvolvimento de IA generativa, focando em melhorias incrementais de hardware (como o Neural Engine nos chips móveis) e em recursos de privacidade on-device. Em contraste, a OpenAI lançou em 2022 o ChatGPT, catalisando uma revolução de IA generativa que Apple não liderou. Reportagens indicam que a própria Apple reconhece estar alguns anos atrás: segundo Mark Gurman (Bloomberg), alguns dentro da Apple acreditam que sua tecnologia de IA generativa está "mais de dois anos atrás das líderes da indústria"?

De fato, testes internos teriam mostrado o ChatGPT 25% mais preciso que a Siri e capaz de responder 30% mais perguntas?, evidenciando a defasagem das soluções da Apple.

A empresa de Cupertino anunciou tardiamente, em 2024, um esforço chamado Apple Intelligence - sua nova estratégia em IA generativa - apenas durante a conferência WWDC daquele ano?. Enquanto isso, rivais como Microsoft e NVIDIA já colhiam os frutos dessa tecnologia, tornando-se temporariamente as empresas de maior valor de mercado graças às expectativas em torno da IA?. A Apple vem desenvolvendo um modelo de linguagem próprio, de codinome Ajax, e realizou experimentos com um chatbot interno apelidado de "Apple GPT". Contudo, mesmo executivos admitem que essas iniciativas estão aquém do estado da arte?. O CEO Tim Cook confirmou publicamente que a Apple tem dedicado "um esforço tremendo" ao desenvolvimento de recursos de IA e planeja entregá-los aos consumidores "até o final deste ano" (2024)?. Tal declaração demonstra a urgência percebida pela empresa em recuperar terreno.

Do ponto de vista técnico, analistas apontam que a Apple focou historicamente em IA embarcada e aplicação prática (por exemplo, reconhecimento facial no Face ID, processamento de fotos e comandos offline da Siri), mas faltou uma investida robusta em IA de larga escala baseada em nuvem. Essa estratégia cautelosa, possivelmente guiada por preocupações de privacidade e curadoria estrita da experiência do usuário, agora deixa a Apple em posição vulnerável frente à corrida de chatbots avançados e assistentes baseados em grandes modelos de linguagem (LLMs). O consenso é que a Apple "acordou tarde" para a nova onda de IA generativa, e precisará alavancar sua vasta base instalada de 2 bilhões de dispositivos para não ficar irreversivelmente para trás?

Afinal, a empresa possui recursos financeiros e talento de sobra para reverter a situação, mas a janela para estabelecer liderança em IA está se fechando rapidamente.

Juridicamente, o atraso da Apple também tem implicações. A empresa não enfrenta hoje escrutínio regulatório direto em IA do mesmo modo que concorrentes mais agressivos, mas isso é um reflexo de sua menor participação nesse mercado. Há, porém, riscos legais se a Apple tentar recuperar o tempo perdido de formas anticoncorrenciais. Por exemplo, se decidisse usar seu controle sobre o ecossistema iOS para privilegiar um serviço próprio de IA (uma vez que o tenha), poderia atrair atenções de órgãos antitruste - assim como ocorreu com práticas de preinstalar ou definir padrões de serviços em seus dispositivos. O histórico recente do caso DOJ vs. Google, no qual a Apple é coadjuvante por receber da Google cerca de US$ 18 bilhões ao ano para manter o buscador como padrão no iPhone?, mostra que parcerias da Apple em áreas críticas já levantam alegações de lock-in e exclusividade prejudicial. Portanto, a forma como a Apple se moverá na corrida da IA terá de equilibrar agressividade tecnológica com cuidado regulatório.

A parceria Microsoft-OpenAI e seu impacto competitivo

Se a Apple hesitou em IA, a Microsoft fez exatamente o oposto. Em 2019, a Microsoft investiu US$ 1 bilhão na OpenAI e firmou um acordo de longo prazo para fornecer infraestrutura em nuvem (Azure) à startup, marcando o início de uma parceria profunda. Esse aporte inicial evoluiu para uma inversão total de cerca de US$ 13 bilhões na OpenAI, garantindo à Microsoft aproximadamente 49% de participação econômica na empresa?. Em troca, a OpenAI passou a desenvolver seus modelos avançados usando exclusivamente os serviços de cloud Azure, e a Microsoft assegurou direitos de integração preferencial dessas tecnologias em seus produtos. O resultado foi um rápido salto competitivo: em menos de um ano após o lançamento do ChatGPT, a Microsoft incorporou a IA generativa da OpenAI em uma série de ofertas - do mecanismo de busca Bing ao assistente Copilot no Windows e na suíte Office?. Essa estratégia deu à Microsoft uma posição única de desafiante ao domínio do Google em buscas e de pioneira na infusão de IA produtiva em ferramentas de produtividade.

Do ponto de vista concorrencial, a parceria Microsoft-OpenAI apresenta características de concentração vertical e expansão de monopólio de forma não convencional. A Microsoft não "comprou" a OpenAI no sentido tradicional, mas seu investimento maciço e acordos de exclusividade lhe conferiram muitos dos benefícios de uma aquisição, sem tecnicamente violar regras de fusão. Críticos apontam que a Microsoft pode estar estendendo seu poder no mercado de cloud computing (onde Azure compete com AWS e Google Cloud) para o nascente mercado de plataformas de IA. Um relatório da Reuters destacou preocupações de que a gigante de Redmond poderia ampliar sua dominância em nuvem para a nova fronteira da IA por meio dessa aliança?. De fato, ao assegurar que modelos revolucionários como GPT-4 rodem prioritariamente em seus data centers, a Microsoft cria um efeito de lock-in tanto para a OpenAI (que depende da infraestrutura Azure) quanto para clientes corporativos que optam pelo ecossistema Microsoft/OpenAI.

Reguladores antitruste já demonstram interesse direto nessa relação. Em janeiro de 2024, a FTC emitiu ordens formais de inquérito, sob autoridade do Artigo 6(b) do FTC Act, exigindo que Microsoft e OpenAI (dentre outros) fornecessem informações detalhadas sobre seus investimentos e acordos envolvendo IA?. Segundo a presidente da FTC, Lina Khan, "à medida que empresas disputam para desenvolver e monetizar a IA, devemos resguardar contra táticas que fechem essa janela de oportunidade", investigando se parcerias e aportes feitos por empresas dominantes podem distorcer a inovação e prejudicar a competição leal?. A aliança Microsoft-OpenAI é claramente um dos focos desse escrutínio, por ser emblemática da aproximação entre um provedor dominante de infraestrutura e um desenvolvedor líder de IA.

Além do FTC, o próprio Departamento de Justiça acompanhou de perto esses movimentos. Em junho de 2024, chegou-se a noticiar uma coordenação inédita entre o DOJ e a FTC para dividir investigações: o DOJ examinaria possíveis violações antitruste da NVIDIA (dominante em chips de IA), enquanto a FTC avaliaria a conduta da OpenAI e da Microsoft?. Essa divisão de tarefas, reportada pela imprensa na época, reflete a preocupação ampla das autoridades dos EUA de não deixar nenhum flanco sem vigilância. Jonathan Kanter, chefe da divisão antitruste do DOJ, afirmou em conferência que há "estruturas e tendências na IA que devem nos fazer pausar", destacando que a tecnologia depende de quantidades massivas de dados e poder computacional, o que pode dar às empresas já dominantes uma vantagem substancial?. Essa declaração alude justamente à situação de Microsoft e OpenAI: uma empresa já estabelecida fornecendo recursos essenciais (dados, nuvem, capital) para um parceiro de IA, possivelmente erguendo barreiras a concorrentes menores que não têm acesso a tais meios.

Por ora, a parceria Microsoft-OpenAI rendeu frutos notáveis em inovação - como o sucesso estrondoso do ChatGPT e sua integração em diversos produtos. Do lado de negócios, a Microsoft viu sua capitalização de mercado subir e ganhou a percepção de líder em IA, ao ponto de alternar com a Apple o posto de empresa mais valiosa do mundo durante 2023?. Contudo, essa mesma influência multifacetada da Microsoft sobre a OpenAI acendeu alertas regulatórios nos EUA e Europa, preocupados com o poder excessivo em uma tecnologia tão estratégica?. O dilema colocado é complexo: como incentivar parcerias que aceleram a inovação, sem permitir que elas resultem em um duopólio ou oligopólio da próxima grande plataforma tecnológica? A resposta a essa pergunta ainda está em construção pelos órgãos competentes, enquanto o mercado evolui rapidamente.

Apple, OpenAI e Microsoft: Uma relação complexa

Em meio à vantagem obtida pela Microsoft com a OpenAI, a Apple viu-se numa posição inusual de precisar cooperar com rivais para não ficar irrelevante em IA. Historicamente, a Apple prefere desenvolver internamente suas tecnologias-chave, ou adquirir startups promissoras de forma discreta. Mas diante da disparada da OpenAI e de outros líderes, a empresa adotou um pragmatismo notável: em 2024, a Apple forjou um acordo para integrar a tecnologia do ChatGPT (OpenAI) diretamente em seu sistema operacional do iPhone?. Segundo reportagem de Mark Gurman, da Bloomberg, essa parceria "antes improvável" com Sam Altman (CEO da OpenAI) tornou-se necessária para a Apple recuperar terreno na IA generativa?. O anúncio seria destaque na WWDC 2024, e embora os detalhes técnicos não tenham sido inteiramente públicos, entende-se que a OpenAI colaboraria para turbinar recursos de linguagem natural e geração de conteúdo nos dispositivos Apple.

Esse arranjo cria uma situação curiosa: a OpenAI, apoiada massivamente pela Microsoft, passou a também colaborar com a Apple, que é concorrente da Microsoft em várias frentes. Sob a ótica da OpenAI, faz sentido distribuir sua tecnologia ao máximo de usuários (incluindo os do ecossistema Apple) e diversificar parcerias. Para a Apple, contar com a OpenAI significou acesso imediato a uma IA de ponta sem precisar esperar anos de P&D interno. No entanto, a aliança triangular Apple-OpenAI-Microsoft vem acompanhada de sensibilidades. Reguladores e analistas temem que uma concentração excessiva de Big Tech em torno de poucas plataformas de IA gere uma espécie de cartelização da inovação: por exemplo, se OpenAI atende simultaneamente Microsoft e Apple, será que sobra espaço para alguma outra empresa competir ou propor alternativas? Não surpreende, portanto, que logo após surgirem notícias do pacto Apple-OpenAI, tanto Microsoft quanto Apple desistiram de ocupar assentos no conselho de administração da OpenAI, em parte para evitar a percepção de conluio ou controle excessivo?.

De fato, em julho de 2024 foi revelado que a Microsoft, que tinha um lugar de observador no conselho da OpenAI, renunciou a essa posição, e que a Apple - que planejava indicar um representante - também abriu mão de participar do conselho da OpenAI devido ao escrutínio regulatório crescente?. Reguladores nos EUA e Europa haviam expressado preocupação com a influência desproporcional que a Microsoft poderia exercer sobre a OpenAI?. A presença simultânea da Apple no conselho da startup líder de IA geraria ainda mais alarmes, sugerindo que Big Tech poderia "fechar o clube" e ditar os rumos da IA em foro privado. Sob pressão, a OpenAI anunciou que não terá mais observadores em seu conselho após a saída da Microsoft, numa tentativa de manter a governança "em distância de segurança" das grandes corporações?. Ainda assim, fontes ligadas à FTC indicaram que essa medida é insuficiente para dissipar as preocupações sobre a parceria Microsoft-OpenAI?, deixando claro que a vigilância continuará.

A Apple, por sua vez, não apostou todas as fichas apenas na OpenAI. Relatos apontam que a empresa manteve negociações ativas também com a Google para uso do Gemini, o modelo generativo avançado da Google, possivelmente em funções de nuvem ou recursos de IA visual?. Isso demonstra que a Apple busca alternativas e não deseja ficar à mercê de um único fornecedor de IA - sobretudo um fortemente alinhado à rival Microsoft. Timing é um fator crucial: a Apple planeja introduzir funcionalidades de IA generativa "mais tarde em 2024" em seus produtos?, e a solução pode envolver uma mescla de modelos próprios e de terceiros. Assim, enquanto um componente on-device poderia ser atendido pelo modelo interno Ajax, recursos mais pesados de geração de texto ou imagem poderiam vir via parceria com OpenAI ou Google?. Esse ecossistema híbrido reflete a complexidade geopolítica e competitiva da IA: até mesmo gigantes como Apple precisam negociar acesso a tecnologias de rivais para entregar valor aos seus usuários.

É instrutivo notar um paralelo dessa situação com o acordo de buscas entre Apple e Google. Por anos, a Apple aceitou bilhões da Google para manter o Google Search como buscador padrão no iOS - um acordo agora acusado pelo DOJ de ser uma prática anticompetitiva que reforçou o monopólio da Google nas buscas?. Na IA, a Apple novamente considera parcerias estratégicas em vez de concorrer diretamente, seja com OpenAI ou Google, admitindo tacitamente que ficou para trás nessa tecnologia. Legalmente, isso suscita uma questão: parcerias de grande porte entre concorrentes podem, em certos contextos, configurar violações antitruste? Até o momento, acordos de licenciamento tecnológico não receberam o mesmo nível de desafio legal que fusões ou cartéis explícitos. Contudo, se Apple e Google, por exemplo, firmarem um pacto para dividir ou compartilhar competências de IA (como o Gemini no iPhone), reguladores podem avaliar se isso reduz o incentivo de cada uma competir de forma independente - uma preocupação semelhante à do caso de busca. Portanto, a Apple caminha numa linha tênue: colaborar com rivais pode acelerar sua entrada na IA, mas tais movimentos serão escrutinados para garantir que não representem combinação de poderes em detrimento do mercado.

Confira a íntegra do artigo. 

Victor Habib Lantyer de Mello

Victor Habib Lantyer de Mello

Advogado e Professor. Mestre em Direito pela Universidade Católica do Salvador. Autor de dezenas de livros jurídicos. Pesquisador multipremiado.

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