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ADPF das favelas: O morro não tem vez?

O artigo aborda um tema social relevante e importante, que é a letalidade policial nas favelas, trazendo à tona um debate necessário sobre direitos fundamentais.

terça-feira, 8 de abril de 2025

Atualizado às 12:44

O STF, depois de mais de 5 anos, no dia 3 de abril, decidiu conjuntamente sobre a ADPF 635, conhecida como ADPF das Favelas. Pois é: Demorou.

O pedido foi julgado parcialmente procedente. A causa de pedir, na petição inicial, em síntese apertada, é que o Estado do Rio de Janeiro, elaborasse um plano visando à redução da letalidade policial, em face graves lesões a preceitos fundamentais constitucionais.

A Corte não manteve o entendimento inicial de estado de coisas inconstitucional, com a mudança do voto revisto pelo ministro relator Edson Fachin.

Pergunta: Será prematura a declaração de cessação de um estado de coisas inconstitucional na política de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro?

Pressão do governador

Na verdade, houve pressão do governador do Rio que vinha fazendo críticas à ADPF, na mudança de posição do STF em relação ao voto original. 

Porém, uma coisa boa: sinalizou o STF que temos que dar um basta na letalidade policial; respeitando sempre os direitos humanos fundamentais.

Decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos

A propósito, vale rememorar que, em 2017, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), no julgamento do caso da Favela Nova Brasília, situado no Complexo do Alemão, Rio de Janeiro, onde 13 pessoas foram mortas pela polícia; reconheceu omissão relevante e demora do Estado na elaboração de um plano para a redução da letalidade das forças de segurança.

Em 19/11/2019, foi protocolada a petição inicial nº 72747, da ADPF, no STF, assinada pelo mestre de todos nós e advogado Daniel Sarmento.

Estatística

Em 2019, 1823 pessoas morreram em confronto com a polícia, no Estado do Rio de Janeiro.

Polícia Cidadã

Ninguém pode ser contra uma polícia cidadã: eficiente, honesta e bem-paga. A propósito, no Estado democrático de Direito a Polícia tem um papel essencial na defesa dos direitos fundamentais.

Vale dizer, protegendo à vida, que, aliás, é a coisa mais preciosa; defendendo o fraco da opressão, preservando a ordem e impedindo à violência urbana, que, por sinal, é um dos principais problemas do país. 

A Constituição tem que valer para todos

Ora, a Constituição tem que valer para todos, seja para Francisco ou Chico, sob pena de estado de coisas inconstitucional. 

Não há incompatibilidade entre direitos humanos e combate à criminalidade

É importante ressaltar que, por óbvio, não há nenhuma incompatibilidade entre direitos humanos e respeito à Constituição, com  uma política de segurança pública séria e firme no combate à criminalidade.

Não se trata de engessar a polícia e proteger criminosos. Muito pelo contrário. Mas, dar efetividade os direitos fundamentais em um regime que se diz democrático, dando combate à letalidade policial.

Violação de direitos humanos pelo crime organizado 

Por outro lado, não se desconhece o agravamento da violência urbana e o desrespeito dos direitos fundamentais por parte das organizações criminosas, que aterrorizam à população e enfrentam a polícia com armamento de guerra.

Não é atiradeira! Criminosos cada vez mais bem armados. Sabemos da grande pressão enfrentada pelas forças policiais em contextos de violência.

Não é nada fácil!

Importante: quando um policial é covardemente assassinado, é claro, que viola direitos humanos. Quem vai mandar flores?

Omissão do Estado

Mas, não se pode olvidar, também, que o Estado tem culpa pela omissão nas favelas, vale dizer, deixou as milícias e o narcotráfico dominando os territórios.

Não há lei! Não há Estado!

Não se fez investimentos em saúde, educação, urbanização, saneamento etc. Totalmente ausente às politicas públicas.

O Estado esqueceu da questão social. Da escancarada desigualdade. Não basta entrar com fuzil. Segurança pública não é só questão de polícia.

Sim, houve um abandono histórico!

Depois, não adiante entrar com "caveirão" nas comunidades, sem planejamento e inteligência institucional, e dar uma "sacode" e tiro a esmo, como no faroeste -ocasionando mortes, e, pior: até de inocentes da comunidade.

A bala perdida mata. Não escolhe pessoas.

À vista disso, a decisão do STF, na ADPF, determina que o Estado do Rio faça um plano para reocupar territórios ocupados pelo crime organizado.

De fato, é uma medida óbvia, não é?

Pois então. É evidente que tudo isso só demonstra que o direito fundamental à segurança pública nunca foi prioridade das prioridades dos governantes.

Fica tudo na promessa. Tudo no gogó.

Aumento da letalidade policial e proporcionalidade do uso da força

Por outro lado, não se pode tapar o sol com a peneira: é altíssimo o índice de letalidade policial. Há violação sistemática de direitos humanos. 

Vale lembrar que a letalidade policial aumentou sobre o andar de baixo. O uso da força letal só pode ser feito em legítima defesa (CP, art. 25), seja ela própria ou de terceiros.

Fora disso: é homicídio!

Na verdade, é a 3ª lei de Newton, da física, conhecida como lei da ação e reação: A toda força de ação surge uma reação. Se não há ação de criminosos porque a reação dos policiais?!

Sim, sabemos, da grande pressão enfrentada pelas forças policiais em contextos de violência. Não é nada fácil! Porém, não se combate à criminalidade com crime!

O Estado jamais pode ser marginal. O uso da força é sempre o último recurso.

Vejamos a seguir algumas determinações do STF ao Estado do Rio de Janeiro.

Inquérito policial pela Polícia Federal

Nesse sentido, a decisão do STF determinou a instauração de inquérito policial pela Polícia Federal para apuração de indícios concretos de crimes com repercussão interestadual e internacional e que exigem repressão uniforme, bem como de graves violações de direitos humanos.

Pois bem: Só não pode haver vaidade das vaidades entre as polícias. Mas, sim, colaboração no combate à criminalidade. Tem que somar forças..

Reocupação territorial de áreas sob domínio de organizações criminosas

Determinou também que o Estado do Rio de Janeiro elabore um plano de reocupação territorial de áreas sob domínio de organizações criminosas.

Devendo observar os princípios do urbanismo social e com o escopo de viabilizar a presença do Poder Público de forma permanente, por meio da instalação de equipamentos públicos, políticas voltadas à juventude e a qualificação de serviços básicos.

Dessa forma, esse vai ser o grande desafio do Rio de Janeiro, ou seja, tornar o Estado presente através de políticas públicas nos territórios dominados pelo crime organizado.

A ver.

Conduta em caso de operações de que resultem morte

Em relação as determinações de preservação do local do crime, atuação do delegado de polícia e atuação da Polícia Técnica, está somente reiterando o que está no Código de Processo Penal.

Tudo bem trivial!

A novidade é que Ministério Público estadual deverá ser imediatamente comunicado das ocorrências, para que, se entender cabível, determine o comparecimento de um promotor de Justiça ao local dos fatos.

Câmaras nas viaturas

O Estado do Rio de Janeiro, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, comprove a implantação das câmeras nas viaturas policiais da Polícia Militar e da Polícia Civil

Monitoramento do dinheiro

Determinar ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), à Receita Federal e à Secretaria de Estado da Fazenda do Rio de Janeiro à condução de investigações sobre a atuação dos principais grupos criminosos violentos em atividade no Estado e suas conexões com agentes públicos.

É preciso seguir o rastro da lavagem do dinheiro.

Assistência à saúde mental dos profissionais de segurança pública

Determinar ao Estado do Rio de Janeiro que observe o previsto entre os artigos 42 e 42-E da Lei 13.675/2018 e crie, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, programa de assistência à saúde mental aos profissionais de segurança pública.

A profissão policial é um das mais estressantes. É grande o número de transtornos emocionais, na categoria, em razão da função.

Conclusão

Esperamos que a decisão do STF possa impactar no dias a dia das favelas. A ADPF não busca engessar a ação da polícia. Não se trata de proteger criminosos.

Muito pelo contrário. Mas, de dar efetividade aos direitos humanos fundamentais!

Há necessidade de respeitar direitos humanos mesmo no combate ao crime, equilibrando a discussão entre segurança e proteção das vidas.

O uso da força tem que ser proporcional. As operações policiais têm que serem planejadas e com base na inteligência institucional.   

Segurança pública não é apenas repressão e caso de polícia, mas questão social e de cidadania.

Logo, é necessário um chamamento à ação, isto é, o engajamento de todos a fim de encontrar soluções para questão da letalidade policial.

Pior: criminalizam a comunidade, com destaque para população pobre e negra, como se o crime não existisse no asfalto.

Contem, outra senhores! A maioria das pessoas que vivem nas favelas não têm ligação com o crime. Não, mesmo!

Porém, vale lembrar que, na democracia, as forças policiais têm, sim, que respeitar os direitos fundamentais na favela; onde, por sinal, há alto grau de vulnerabilidade social.

O morro não tem vez?

Renato Otávio da Gama Ferraz

VIP Renato Otávio da Gama Ferraz

Renato Ferraz é advogado, formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), professor da Escola de Administração Judiciária do TJ-RJ, autor do livro Assédio Moral no Serviço Público e outras obras

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