MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Corte IDH condena Brasil por sumiço de ativista de direitos humanos

Corte IDH condena Brasil por sumiço de ativista de direitos humanos

Corte IDH condena Brasil pelo desaparecimento forçado de Almir Muniz, líder rural da PB. Caso expõe falhas na proteção a defensores de direitos humanos.

terça-feira, 8 de abril de 2025

Atualizado às 12:50

A condenação do Estado brasileiro, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso do desaparecimento forçado de Almir Muniz da Silva destaca a grave deficiência do país na proteção dos direitos fundamentais. Essa falha atinge principalmente trabalhadores rurais e defensores que lutam pelo direito à terra, ao território e ao meio ambiente. Ela também ressalta a persistência da impunidade, a ineficiência das investigações e a necessidade urgente de reformas que assegurem justiça às comunidades vulneráveis.

Almir Muniz da Silva destacou-se como um incansável defensor dos direitos dos trabalhadores no estado da Paraíba, assumindo uma postura corajosa ao denunciar práticas abusivas e a atuação de milícias rurais que perpetuavam a violência e a intimidação em áreas de conflito agrário. Sua atuação não se restringia à luta por condições dignas de trabalho, mas também incluía a defesa de comunidades vulneráveis, como indígenas e quilombolas, que frequentemente sofriam com a ausência de proteção estatal.

A decisão da Corte IDH ressaltou a responsabilidade internacional do Estado brasileiro na prática do desaparecimento forçado, uma forma de violência que persiste como um legado sombrio das violações dos direitos humanos no país. A condenação não só se baseia na omissão das autoridades na proteção de Muniz, mas também na ineficiência das investigações policiais e na falta de respostas à família da vítima, que ficou imersa em sofrimento e incertezas.

O contexto do caso é agravado pela evidência de que, anteriormente, Muniz Muniz da Silva havia denunciado a existência de milícias rurais e a conivência de alguns setores das forças de segurança com atos de violência. Esses episódios evidenciam a complexidade dos conflitos agrários e o desamparo das vítimas diante de um sistema que se mostra incapaz de proteger aqueles que se posicionam contra as estruturas de opressão e violência.

A análise da Corte IDH fez questão de expor a ausência de um ambiente seguro para os defensores dos direitos humanos, situação que compromete a própria capacidade das vítimas de exercerem sua cidadania e denunciarem abusos, sem receber o suporte necessário para enfrentar as ameaças. Esse cenário se agrava em regiões de alto risco, como as áreas rurais e a Amazônia, onde os desafios logísticos e operacionais limitam a ação do Estado.

Além de evidenciar a negligência institucional na proteção da integridade pessoal de Muniz, o tribunal condenou o Brasil também pela violação de direitos fundamentais, como o direito à verdade, o direito a uma investigação imparcial e o direito à proteção da família e da infância. Esses elementos refletem um quadro institucional deficiente, onde a busca pela justiça se torna um fator agravante na contínua vulnerabilidade dos defensores de direitos humanos.

O impacto devastador do desaparecimento de Almir Muniz da Silva não se restringe ao seu trágico destino, mas se estende aos seus familiares, que sofreram com a falta de respostas e com a prolongada angústia de um mistério que perdura por anos. A ausência de investigações conclusivas e a estagnação de políticas públicas de proteção contribuíram para o aprofundamento do sofrimento psicológico e para a perda de confiança na efetividade das instituições estatais.

A articulação em torno do caso contou com o apoio de importantes organizações, como a Comissão Pastoral da Terra, Dignitatis e Justiça Global, que mobilizaram a sociedade civil e apresentaram o processo à Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 2016. Essa articulação internacional permitiu que a causa ganhasse força e visibilidade, resultando na audiência realizada em fevereiro de 2024, em São José da Costa Rica.

Em paralelo, outro episódio igualmente trágico, o assassinato do advogado Gabriel Sales Pimenta em Marabá, Pará, em 1982, já havia sido condenado pela Corte IDH, demonstrando a recorrência de violações que afetam profissionais engajados na defesa dos direitos humanos. Este caso impulsionou a criação de um Grupo de Trabalho Técnico, que tem como missão a formulação de medidas de proteção e a promoção de políticas públicas que assegurem a segurança dos defensores.

Em decorrência destas decisões internacionais, o governo federal recebeu propostas elaboradas por esse grupo, iniciando um Plano Nacional de Proteção e um anteprojeto de lei destinado a proteger defensores de direitos humanos, comunicadores e ambientalistas. Essas iniciativas buscam aprimorar a estrutura de proteção e agilizar mecanismos de resposta, especialmente em regiões de risco elevado e em contextos de conflito agrário.

As novas medidas determinadas pela Corte vão além de reparações pontuais e incluem uma série de aprimoramentos estruturais, como a descentralização de unidades especializadas em áreas rurais e na Amazônia. Tais unidades visam proporcionar uma resposta mais rápida e eficaz às ameaças dos defensores, garantindo que haja uma presença estatal qualificada e preparada para intervir em situações emergenciais.

Entre os aprimoramentos destacados, ressalta-se a necessidade de um enfoque diferenciado para os defensores que atuam em zonas de conflito agrário, bem como a implementação de protocolos de resposta imediata que incorporem abrigos temporários, mecanismos de proteção e o uso de ferramentas tecnológicas modernas para o monitoramento de emergências. Essas medidas contam com o objetivo de reduzir as vulnerabilidades dos agentes de defesa e salvaguardar suas vidas.

Outro ponto crucial apontado pela Corte refere-se à insuficiência dos recursos orçamentários destinados à proteção dos defensores. Fortalecer o financiamento e garantir a disponibilidade de recursos logísticos são etapas indispensáveis para que as políticas de proteção e os programas de segurança possam alcançar seu pleno potencial, especialmente em territórios isolados e de difícil acesso.

A condenação se intensifica ainda pela crítica à ausência de um enquadramento legal adequado para o crime de desaparecimento forçado, fato que dificulta a responsabilização dos agentes e a efetiva reparação das vítimas e suas famílias. Essa lacuna legislativa agrava o cenário de impunidade e evidencia a urgência de reformas que tornem o arcabouço jurídico brasileiro compatível com os padrões internacionais de direitos humanos. 

Cabe lembrar que existe um projeto de lei que tem por objetivo a criminalização do desaparecimento forçado de pessoas (PL 6.240/13). O Projeto visa o preenchimento de uma lacuna legislativa em conformidade com os compromissos internacionais assumidos pelo país, como a Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado, ratificada pelo Brasil em 2010. O projeto define como conduta criminosa a privação da liberdade de alguém por agentes do Estado ou por particulares com sua aquiescência, seguida da ocultação do paradeiro da vítima ou da negação de informações sobre seu destino, caracterizando uma grave violação aos direitos humanos. 

A proposta prevê penas severas, podendo chegar a 30 anos de reclusão em casos de homicídio decorrente do desaparecimento, além de estabelecer a imprescritibilidade do crime e a proibição de anistia ou indulto, assegurando que os responsáveis sejam punidos independentemente do tempo transcorrido. O PL também reforça a obrigação do Estado de localizar e liberar vítimas, bem como de investigar e processar os envolvidos, alinhando-se a princípios internacionais de combate à impunidade em casos de violações sistemáticas à dignidade humana. A criminalização do desaparecimento forçado representa um avanço na proteção de direitos fundamentais, especialmente em contextos históricos de violência estatal e em casos contemporâneos de violações praticadas por organizações criminosas com conivência de autoridades.

A condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos é um divisor de águas que expõe as fragilidades do sistema de proteção aos defensores e às populações vítimas de violência estatal. O caso de Almir Muniz da Silva simboliza não apenas a perda irreparável de um valente ativista, mas também a necessidade de uma transformação profunda nas políticas públicas e na atuação estatal. A expectativa é que as medidas determinadas e os aprimoramentos propostos possam, gradualmente, construir um ambiente seguro e justo, onde os direitos humanos sejam efetivamente respeitados e protegidos para todas as pessoas.

João Paulo Orsini Martinelli

VIP João Paulo Orsini Martinelli

Advogado Criminalista, Consultor Jurídico e Parecerista; Mestre e Doutor em Direito Penal pela USP, com pós-doutoramento pela Universidade de Coimbra; Autor de livros e artigos jurídicos; Professor.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca