Não incidência do ITCD sobre saldos de FGTS deixados pelo de cujus
Trata-se de uma análise da não incidência do ITCD, pelo Estado de Minas Gerais, referente ao saldo de FGTS não sacados em vida pelo falecido.
quinta-feira, 10 de abril de 2025
Atualizado às 13:27
No sistema tributário brasileiro, a transferência de bens em razão do falecimento de uma pessoa física é um dos fatos geradores do imposto estadual: ITCD - Imposto sobre transmissão causa mortis e doação. Este é um imposto de natureza meramente fiscal e cada Estado tem competência e autonomia para instituí-lo, com os contornos definidos pelo art. 155, I e §1º da CF/88.
No Estado de Minas Gerais, o ITCD é regido pela lei estadual 14.941, de 29/12/03, que institui esse imposto, sendo regulamentado pelo decreto 43.981, de 3/3/05.
Dentre as hipóteses de incidência definidas na lei estadual, tem-se a transferência dos valores depositados em conta poupança e corrente (art. 1º, VII da lei 14.941/03). Dessa forma, os herdeiros informam os valores na declaração ao fisco Estadual e paga o imposto do ITCMD (atualmente, com a alíquota fixa de 5%) sobre os saldos bancários/valores deixados pelo de cujus, nas contas poupança e/ou corrente.
A lei 14.941/03 também define em seu art. 2º as hipóteses de não incidência do imposto. E no §3º, consta que o imposto não incide sobre a transmissão de valores oriundos da relação de trabalho, rendimento de aposentadoria ou pensão, que não recebidos em vida. Veja:
Art. 2º O imposto não incide sobre transmissão causa mortis ou doação em que figurem como herdeiros, legatários ou donatários:
(...)
§ 3º O imposto não incide sobre transmissão causa mortis de valor não recebido em vida pelo de cujus correspondente a remuneração oriunda de relação de trabalho ou a rendimento de aposentadoria ou pensão.
Porém, a Fazenda Pública de Minas Gerais cobra o ITCD sobre os valores do FGTS que foram deixados pelo de cujus, apontando como fundamento, o parágrafo único do art. 5º do decreto estadual 43.981/05, que assim dispõe:
Art. 5º O ITCD não incide, ainda, sobre a transmissão causa mortis de valor correspondente a remuneração oriunda de relação de trabalho ou a rendimento de aposentadoria ou pensão não recebido em vida pelo de cujus da fonte pagadora.
Parágrafo único. Não se considera remuneração oriunda da relação de trabalho ou rendimento de aposentadoria ou pensão, as transmissões aos dependentes ou sucessores de valores, entre outros, correspondentes a:
I - saldos de contas individuais do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e do Fundo de Participação do PIS-PASEP;
II - restituições relativas a imposto sobre a renda e demais tributos;
III - verbas trabalhistas de caráter indenizatório.
Veja que o decreto estadual ao dispor no parágrafo único que o saldo de FGTS é base de cálculo do ITCD, amplia e cria nova incidência do tributo, que não existe na lei estadual, ou seja, o decreto extrapola o seu limite regulamentador[1] e cria uma nova base de cálculo para o imposto que não existe na lei, infringindo nitidamente o princípio da legalidade tributária e a hierarquia das leis, em nítida afronta ao disposto no art. 99 do CTN e art. 5º, II da CF/88, à segurança jurídica e violando o direito e patrimônio dos herdeiros.
O próprio STJ já manifestou que a natureza do FGTS é fruto civil da relação de trabalho (Resp 848.660/RS) e, portanto, são valores oriundos da relação de trabalho que não foram recebidos em vida pela de cujus. E pela lei estadual há de se reconhecer que são valores isentos da tributação do ITCD, nos termos do art. 6º, §3º da lei 14.941/03 e o caput do art. 5º, do decreto 43.981/05.
Importante ressaltar que, conforme preconiza Machado (2014), o Direito Tributário em seu aspecto de conjunto de normas e princípios disciplinadores do exercício da atividade tributante, tem como função, delimitar o poder de tributar do Estado.[2] Razão pela qual, o princípio da legalidade tributária tem grande relevância, sendo de observância obrigatória a todos os entes da federação.
O próprio art. 150, I da CF/88 dispõe de forma expressa que é vedado a instituição ou aumento de tributo sem lei que o estabeleça, o que é seguido pela normatização tributária, disposta no art. 9º do CTN. O CTN ainda definiu no art. 97 que somente a lei pode instituir ou extinguir tributos (I), majorar ou reduzir (II), definir o fato gerador (III), a fixação da alíquota e base de cálculo (IV). E mais, definiu de forma expressa no §1º desse mesmo artigo que "Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso".
Assim, há de se reconhecer que é ilegal a cobrança do ITCD, pelo Estado de Minas Gerais, sobre os saldos da conta do FGTS, não recebidos em vida pelo de cujus.
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1 Decreto é um ato administrativo geral e abstrato, expedido pelo respectivo chefe do Poder Executivo, para dar fiel cumprimento à lei (Mazza, p. 139)
2 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 35 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2014.
3 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
4 BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Código Tributário Nacional. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributável aplicáveis à União, Estados e Municípios.
5 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 35 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2014.
6 MAZZA, Alexandre. Manual de direito tributário. São Paulo: Saraiva Jur, 2003. Ebook.
7 MINAS GERAIS. Lei nº 14.941, de 29/12/2003. Dispõe sobre o Imposto sobre transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos - ITCD.
8 MINAS GERAIS. Decreto nº 43.981, de 03/03/2005. Regulamenta o imposto sobre transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos - ITCD.


