Atuação do Ministério Público na investigação de crimes de corrupção
Limites e possibilidades após as decisões do STF sobre a autonomia investigatória.
terça-feira, 15 de abril de 2025
Atualizado às 09:51
1. Considerações iniciais sobre a investigação ministerial
O papel do MP - Ministério Público na persecução penal, especialmente em casos de corrupção, tem sido alvo de intenso debate no Brasil. Se, por um lado, a CF/88 conferiu ao MP um papel central no combate à criminalidade, por outro, a autonomia investigatória da instituição tem sido contestada, culminando em decisões do STF que delimitam seu campo de atuação. Segundo Junior (2025), a vinculação da polícia Judiciária ao Ministério Público poderia tornar a fase preliminar da persecução penal mais eficiente, promovendo maior coordenação entre os entes envolvidos. No entanto, há desafios constitucionais acerca dessa integração, que devem ser considerados.
O STF, em diversas ocasiões, reafirmou que o MP pode, sim, conduzir investigações criminais, desde que respeitados os direitos fundamentais e a regulamentação procedimental. Contudo, essa atuação não pode substituir o papel das polícias Judiciárias. Para Cardoso (2022), há um risco de usurpação das funções policiais quando o MP extrapola suas atribuições investigatórias, criando um cenário de insegurança jurídica e possível violação ao princípio do devido processo legal.
Assim, uma das principais problemáticas enfrentadas nesse contexto é definir até que ponto o MP pode investigar diretamente crimes de corrupção e qual deve ser a extensão da sua interação com a polícia Judiciária. O modelo ideal seria aquele em que há uma atuação complementar, minimizando conflitos institucionais e garantindo uma persecução penal eficiente e legítima.
2. Limites da investigação conduzida pelo Ministério Público
O principal limite para a atuação do MP na investigação de crimes de corrupção reside na separação de funções prevista constitucionalmente. Conforme Santos Ramos e Paiva (2022), a investigação criminal é tradicionalmente incumbência das polícias Judiciárias, e a atuação direta do Ministério Público deve ser excepcional. Segundo a doutrina majoritária, quando o MP investiga sem controle judicial ou sem mecanismos claros de fiscalização, pode haver distorções no processo, configurando um cenário no qual a imparcialidade da instituição fica comprometida.
Outro limite imposto à atuação investigatória do MP diz respeito ao respeito às garantias fundamentais dos investigados. A Operação Lava Jato, por exemplo, expôs casos de abusos, onde prisões preventivas foram decretadas de maneira questionável e delações premiadas foram conduzidas sob forte pressão, muitas vezes sem o devido amparo legal (KERCHE; MARONA, 2022). Esse cenário gerou desdobramentos importantes, como a anulação de condenações pelo STF, demonstrando que há riscos em uma atuação excessiva do MP no controle da investigação.
Além disso, um dos argumentos centrais contrários à ampliação das competências investigatórias do MP é a ausência de uma regulamentação específica que discipline sua atuação de forma precisa. O CPP ainda confere protagonismo à polícia Judiciária, e qualquer tentativa de ampliação das atribuições do MP sem uma reforma legislativa pode ser interpretada como um desrespeito ao modelo acusatório vigente no Brasil.
3. Possibilidades e desafios da atuação investigatória do Ministério Público
Apesar das limitações, há também espaço para que o MP exerça papel relevante no combate à corrupção. Proner e Strozzake (2024) apontam que muitas das investigações conduzidas no Brasil nos últimos anos foram impulsionadas pelo MP, que se mostrou mais independente do que as estruturas tradicionais ligadas ao Executivo. Dessa forma, a atuação ministerial direta pode contribuir para evitar interferências políticas em investigações sensíveis, como ocorre quando há suspeitas sobre agentes do alto escalão do governo.
Além disso, a autonomia investigatória do MP pode ser justificada em casos nos quais há inércia ou omissão das polícias. A corrupção, por envolver agentes do próprio Estado, pode ser tratada de maneira ineficiente quando submetida exclusivamente à polícia Judiciária, que pode estar mais suscetível a pressões políticas, segundo argumenta Junior (2025). Com isso, a atuação supletiva do MP passa a ser defendida como mecanismo de garantia de que investigações relevantes não sejam arquivadas indevidamente.
Porém, a complementação entre MP e polícia Judiciária exige cautela. A falta de controle da atuação ministerial pode gerar distorções no processo penal, comprometendo direitos fundamentais. Assim, a regulamentação dessa atuação, por meio de reforma legislativa estruturada, é necessária para evitar arbitrariedades e garantir que a investigação ocorra nos moldes do devido processo legal.
4. Conclusão e perspectivas futuras
Os recentes entendimentos do STF sobre a investigação criminal pelo MP confirmam sua possibilidade, mas impõem limites rigorosos à sua execução. A autonomia investigatória não pode se transformar em um instrumento de desvirtuamento do sistema penal, no qual o mesmo órgão que acusa também conduz, de forma descontrolada, fases essenciais da investigação. Kerche e Marona (2022) alertam que o enfraquecimento dos princípios do processo penal pode abrir brechas para instrumentalizações políticas da justiça, como ocorreu na Lava Jato.
Dessa forma, é essencial que haja maior regulamentação sobre a atuação ministerial na investigação criminal, garantindo que tal função seja complementar ao trabalho da polícia Judiciária e não um substituto desta. A reforma do CPP pode ser um caminho para estabelecer critérios claros sobre essa relação e minimizar os conflitos institucionais.
Em um país onde a corrupção é um problema estrutural, o Ministério Público desempenha papel essencial no combate a esse crime. No entanto, essa atuação precisa estar dentro dos limites impostos pelo sistema acusatório e pelo devido processo legal. Como apontado por Santos Ramos e Paiva (2022), o fortalecimento das investigações deve se dar pelo aprimoramento dos órgãos de persecução penal como um todo, e não pela concentração de poder em uma única instituição.
Dessa maneira, o desafio que se impõe ao sistema de justiça brasileiro é encontrar um equilíbrio entre a autonomia investigatória do Ministério Público e a necessidade de respeitar a separação de funções estabelecida constitucionalmente. O modelo ideal deve garantir eficiência na persecução penal sem abrir margem para abusos de poder ou violações de direitos fundamentais.
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1 CARDOSO, Fabio Silva. Há usurpação das funções das polícias judiciárias em investigação criminal feita pelo Ministério Público?. Revista Eletrônica Ciência & Tecnologia Futura, v. 1, n. 2, 2022.
2 DOS SANTOS RAMOS, Leticia; PAIVA, Márcia Pruccoli Gazoni. A atuação direta do Ministério público na investigação criminal. Repositório dos Trabalhos de Curso da Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim (FDCI), v. 1, n. 1, 2022.
3 JUNIOR, Ronald Luiz Neves Ribeiro. Reforma na fase preliminar da persecução penal brasileira e princípio constitucional da eficiência: Condições, possibilidades, limites e desafios da vinculação da polícia judiciária estadual ao Ministério Público. Editora CRV, 2025.
4 KERCHE, Fábio; MARONA, Marjorie. A política no banco dos réus: a Operação Lava Jato e a erosão da democracia no Brasil. Autêntica Editora, 2022.
5 PRONER, Carol; STROZAKE, Ney. Comentários a uma sentença anunciada: o processo Lula. Tristão Editora, 2024.


