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Improbidade administrativa e a necessidade da comprovação do dolo

Improbidade administrativa e a necessidade da comprovação do dolo, conforme nova ótica do Direito Administrativo, Direito Constitucional, Direito Processual Civil, Direito Penal.

segunda-feira, 5 de maio de 2025

Atualizado às 14:59

A improbidade tem sido tema recorrente de concentração no combate à corrupção e à má utilização dos recursos públicos no Brasil. Historicamente, a legislação previa a responsabilização de agentes públicos mesmo em casos de simples atos de negligência, ou seja, sem intenção de praticar irregularidades ativamente. No entanto, com as alterações instituídas pela lei 14.230/21 - que altera a lei de improbidade administrativa - (lei 8.429/1992), surge agora a necessidade de comprovação do dolo - a intenção consciente de praticar o ato inidôneo - para configurar aquelas ações classificadas como improbidade, o que, por sua vez, fortalece uma importante virada no entendimento interpretativo da responsabilização de agentes públicos.

Essa nova lente pretende misturar corrupção e má gestão de um lado, com segurança e proteção jurídica de um gestor público bem-intencionado de outro. A mudança tem criado debates jurídicos e políticos, pois impõe uma análise mais rigorosa da intenção por trás dos atos administrativos, pois sanções contra meros erros técnicos ou ações mal-sucedidas em seus resultados, mas não mal intencionadas, foram evitadas. Então, trata-se mais do desvio efetivo do que da intenção, abuso de poder e interesses diretos de vantagens malfeitas, e revive o lado subjetivo do dolus como essencial para os critérios de improbidade.

1. A reforma da lei de improbidade administrativa e o foco no elemento subjetivo

A lei de reforma dos atos administrativos de improbidade, com a lei 14.230/21, fez uma mudança importante ao exigir a comprovação de um elemento subjetivo de intenção para que os atos sejam qualificados como atos de improbidade. Antes, era possível responsabilizar os agentes públicos por seus atos culposos, o que, por vezes, resultava em insegurança jurídica e punição por meros erros administrativos. Segundo Luana Nascimento Alves (2024), a nova legislação visa mexer com o desenvolvimento de um desenho mais garantidor, onde o agente teria agido com livre arbítrio e intenção consciente de causar o dano causado à coisa pública, constituindo-se, assim, como proteção jurídica ao gestor honesto.

Por outro lado, a ênfase no dolus retira a concepção anterior baseada na culpa, cortando a extensão da responsabilidade e exigindo uma análise mais cuidadosa da intenção do agente. Segundo Alves (2024), isso introduz o elemento de sabedoria política que está arraigado no princípio do Estado de Direito, impedindo os usos políticos ou abusivos da lei da improbidade. Como seu foco agora está no dolus malus, a lei distingue mais justamente o gestor desonesto daquele que simplesmente cometeu um erro técnico sem violar as obrigações éticas fundamentais do cargo público.

Houve uma mudança na reforma, que, segundo Silva, Duarte e Piffer (2025), também afeta necessariamente os órgãos de controle e o Judiciário, que têm maiores dificuldades em produzir provas. A prova da intenção tem que ser baseada em elementos objetivos e subjetivos que demonstrem claramente a intenção do agente, exigindo, portanto, um procedimento mais prolongado e complexo. Por outro lado, os autores ressaltam que esse padrão de prova aumentado é um grande avanço, pois reduz interpretações subjetivas que causariam punições injustas.

Esses são os pontos levantados pelos acadêmicos quanto ao requisito diferencial de intenção na definição de atos de improbidade, pois requer mais elementos para descrever o comportamento ilícito. Silva et al. (2025) enfatizam que essa clareza é fundamental para garantir que a lei seja aplicada com uma abordagem técnica e imparcial, especialmente em situações políticas e administrativas delicadas. Dessa forma, a reforma implica não apenas uma nova prática jurídica, mas também uma nova cultura institucional, com mais segurança para gestores honestos e um foco mais forte no combate à corrupção deliberada.

2. Implicações práticas da comprovação do dolo no processo judicial

A exigência de prova de dolo, introduzida pela lei 14.230/21, trouxe mudanças que têm efeitos significativos na prática jurídica das ações de improbidade Administrativa Pública. Antes desse momento, a negligência, a imprudência ou a imperícia eram adequadas para imputar responsabilidade ao agente público. Agora, por força da lei, os autores da ação terão que apresentar provas evidentes e robustas da intenção de lesar o patrimônio público ou obter vantagem indevida. Conforme afirma Fernandes (2022), ao fazê-lo, traz segurança ao cidadão quanto aos procedimentos judiciais; ao mesmo tempo, porém, eleva sobremaneira o patamar de prova que deve ser superado pelo Ministério Público e pelos ministérios de controle.

A alteração também se traduz em maior complexidade na coleta e apresentação de provas durante a fase de processamento dos processos. A comprovação do dolo exigiria o estabelecimento de provas subjetivas da conduta, como e-mails, depoimentos de testemunhas, registros internos e vários outros elementos que apontariam para um objetivo ilegítimo do ato. Conforme observado por Fernandes (2022), isso pode ser um empecilho no caminho da condenação em algumas instâncias, mas a reformulação serve para distinguir mais claramente os atos de dolo de simples erros administrativos, afastando uma perseguição ilícita contra administradores e agentes públicos que agem com muita honestidade.

Outro ponto importante tem a ver com as implicações práticas da nova lei sobre a atuação dos gestores públicos. Mendonça e Carvalho (2022) já apontavam o fenômeno oficialmente chamado de "apagão de canetas", segundo o qual atores de políticas públicas evitam assinar ou autorizar atos da administração por medo de serem falsamente processados. A exigência de dolo deve reduzir essa insegurança, o que deve trazer decisões administrativas mais ousadas, seguras e que não temam processo por atos executados de boa-fé. A lei, portanto, equilibraria a proteção do interesse público com a defesa daqueles gestores que são responsabilizados.

Concluindo, Mendonça e Carvalho (2022) acrescentam ainda o argumento de que, apesar do requisito de dolo ser mais rigoroso nos processos, ele também pode servir para melhorar a seriedade e o foco das ações contra condutas impróprias, e estreitar os esforços de atuação administrativa e judicial para casos realmente críticos. Isso estimula atuações mais estratégicas do Ministério Público e do Judiciário em evitar aquele ato de futilidade de impropriedade, dando mais legitimidade às decisões condenatórias. Portanto, a prática processual tende a ganhar mais tecnicidade, seletividade e efetividade - terreno sólido para avanços importantíssimos no trato desse tema.

Considerações finais

A reforma da lei de improbidade administrativa com a exigência de dolo na prova dos atos foi uma modificação muito substancial do sistema jurídico brasileiro em direção ao equilíbrio entre conduta honesta com a garantia de segurança jurídica para os gestores públicos. Ao impor responsabilidade apenas por dolo, a lei cria um limite para provar as piores formas de injustiça contra funcionários públicos por meio de ações civis e os isola de uma punição automática por meio de meros erros administrativos ou decisões malfadadas. A lei, portanto, fortalece as garantias constitucionais do devido processo legal e da presunção de inocência, ao mesmo tempo em que cria um ambiente mais legítimo para a aplicação da lei.

Na prática, essas mudanças impuseram enormes barreiras à prova, exigindo que os advogados prestassem atenção especial na produção de evidências para mostrar que o agente agiu com intenção ilícita. Isso trouxe uma mudança completa não apenas sobre como os casos são abordados, mas também sobre como os agentes públicos sentem que têm permissão para tomar decisões legítimas que os impedem de serem responsabilizados injustamente. Essencialmente, esta lei visa não apenas punir eficientemente os verdadeiros atos de improbidade, mas também obter a administração eficiente por meio da proteção da boa vontade dos gestores.

Dessa forma, pode-se concluir que a exigência do dolo na configuração da improbidade contribui para uma ação estatal mais segura, justa e eficiente. A nova postura legitimada pela legislação é um ato de maturidade institucional do país ao mesmo tempo em que reafirma o compromisso com uma gestão honesta dos recursos públicos. O desafio permanente é manter o equilíbrio na aplicação desta lei, garantindo que o combate à corrupção seja rigoroso e respeitando os direitos dos agentes públicos que atuam conforme a lei e os padrões éticos da Administração Pública.

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1 ALVES, Luana Nascimento. A nova lei de improbidade administrativa (Lei 14.230/21): uma análise das alterações legislativas. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, v. 10, n. 5, p. 5882-5897, 2024.

2 FERNANDES, Jhonatan Rolliann Chaves. A nova lei de improbidade administrativa: instrumento útil ao combate à corrupção?. RCMOS-Revista Científica Multidisciplinar O Saber, v. 2, n. 2, p. 449-454, 2022.

3 MENDONÇA, Matheus Santos; CARVALHO, Matheus Silva. A nova lei de improbidade administrativa: reflexões a partir do fenômeno do chamado "apagão das canetas". Revista Avant, v. 6, n. 1, p. 99-119, 2022.

4 SILVA, Leandro Teles; DUARTE, Walace Firmino; PIFFER, Douglas Moro. Improbidade administrativa: uma revisão de literatura com foco nas inovações da nova lei anti-corrupção. Revista Gestão e Conhecimento, v. 19, n. 1, p. e406-e406, 2025.

Vinícius Rodrigues Alves

Vinícius Rodrigues Alves

Escritor, Professor, Mestre em Segurança Pública, Direito Penal e Direitos Humanos pela Universidade de Salamanca - Espanha (Usal), Pós-Graduado em Ciências Criminais pela USP - Ribeirão Preto-SP.

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