Acesso à Justiça para vítimas de tráfico de pessoas no Brasil
A efetividade dos mecanismos de acesso à Justiça para vítimas de tráfico de pessoas no Brasil: Desafios e perspectivas
terça-feira, 6 de maio de 2025
Atualizado às 13:48
O tráfico de pessoas é uma grave violação dos direitos humanos, que prejudica a dignidade e a liberdade de milhares de pessoas no Brasil e no mundo. No Brasil, a prática está ligada a diversas formas de exploração, incluindo trabalho escravo, exploração sexual e até tráfico de órgãos. Embora o Brasil tenha avançado na formulação de políticas públicas e legislação voltadas ao combate a esse crime, um desafio ainda maior se coloca diante da própria efetividade desses mecanismos de acesso à justiça para as vítimas.
Existem várias barreiras diante dos perpetradores do crime, como processos burocráticos, falta de proteção às vítimas e fraca aplicação das regulamentações de proteção existentes. Muitos sobreviventes são dissuadidos de se aproximar das autoridades devido a ameaças dos traficantes ou porque não há apoio estatal em que possam confiar. Dadas essas condições, surge a necessidade de destacar os principais desafios e apresentar sugestões de reformas com vistas a fornecer um acesso genuíno e prático à justiça para essas vítimas: um acesso não apenas limitado à prevenção do perigo, mas também abrangendo reparações das injustiças infligidas pelo ato do tráfico.
1. A limitação do acesso à Justiça para vítimas de tráfico - Além da lei
No Brasil, as vítimas de tráfico têm direito à proteção por lei; no entanto, na vida real, a maioria delas tem extrema dificuldade em encontrar justiça. Segundo Duque e Júnior (2022), os sistemas jurídicos brasileiros ainda carecem de identificação e acomodação dessas vítimas, reforçando assim a cultura de impunidade do criminoso. Até o momento, muitas pessoas traficadas nem sequer foram reconhecidas como tal, encontrando-se reprimidas com prisões e deportações, quando os casos envolvem tráfico internacional, sem nenhuma assistência adequada.
Nessas condições, o medo de represálias e a vulnerabilidade socioeconômica das vítimas dificultam a formulação de alegações contra as redes de tráfico. Araújo (2020) informa que muitas vezes a falta de mecanismos como assistência social e psicológica atua em desvantagem de muitos na prossecução de ações judiciais contra os perpetradores. Isso significa que o alcance da justiça tem que ir além do sistema judicial tradicional, de forma integrada, dando assistência às vítimas para o exercício de seus direitos sem medo de retaliação e sem dependência indevida de si mesmas.
2. Políticas públicas e sua execução contra o tráfico de pessoas
O Brasil tinha marcos legais relevantes para o tráfico, como a lei 13.344/16, com foco em medidas preventivas, repressivas e de apoio às vítimas. No entanto, sua implementação na prática é mal realizada. Felicidade (2019) observou que a falta de investimentos em políticas públicas pertinentes ao problema complica ainda mais o combate. Os empreendimentos têm recursos muito limitados e isso resulta em investigações atrasadas e ineficazes.
Maria Teresi e Rodrigues (2023) apontam outro problema - os princípios da maioria das políticas existentes de incentivo à criminalização dos traficantes sem um equilíbrio entre essa abordagem e a assistência às vítimas. Muitas vezes, a acusação dos traficantes é o foco predominante, muitas vezes em detrimento de dar a assistência necessária para que as vítimas possam ficar livres dos efeitos do crime. Portanto, para que as políticas funcionem, deve haver um equilíbrio adequado entre punir os criminosos e proteger os direitos humanos das pessoas traficadas.
3. Insegurança jurídica e a necessidade de reformas legislativas
Apesar das leis específicas destinadas a lidar com situações de tráfico e tráfico de pessoas no Brasil, a insegurança jurídica ainda permanece, impedindo a reparação das vítimas e a responsabilização dos infratores. De acordo com De Oliveira Galerani (2021), a ausência de um mecanismo centralizado de monitoramento para casos de tráfico dificulta a unificação de informações e o desenvolvimento de estratégias para combater essa instância de forma eficiente. Assim, a forma como o tráfico humano é realizado em cada caso é tomada como uma entidade totalmente separada, sem nenhum padrão operacional claramente definido.
Além disso, a falta de medidas estatutárias abrangentes para as vítimas incentiva o tráfico reiterado. Muitas das pessoas realmente traficadas não recebem apoio para a situação, depois do que são deixadas de fora e vulneráveis mais uma vez a novas formas de exploração. As reformas legislativas devem ser priorizadas, não apenas para a punição dos traficantes, mas também com vistas a permitir mecanismos mais rápidos e eficazes de apoio e compensação às vítimas. Para novamente tomar emprestadas as palavras de Galerani (2021), a legislação brasileira precisa avançar no sentido de fornecer maior segurança tanto para as próprias vítimas quanto para sua gama mais ampla de defensores.
Conclusões
O acesso à justiça para vítimas de tráfico de pessoas sofreu até o momento inúmeros obstáculos, que variam da falta de aconselhamento à impunidade para os perpetradores. Houve claramente progresso nos últimos anos com a elaboração de leis e políticas direcionadas à preocupação, mas a aplicação dessas regras em ação ainda é um desafio. Sem um sistema de apoio institucional eficaz, muitas vítimas permanecem sem apoio e com medo de buscar qualquer ajuda, prolongando assim o ciclo de violência e exploração.
Dada essa perspectiva, é, de fato, considerar que o Estado brasileiro deve operar com mais urgência para que cada vítima possa ter acesso real à justiça. Isso envolveria maior engajamento em políticas públicas, fortalecendo o aparato que enfrenta o tráfico e oferecendo assistência abrangente às vítimas, desde apoio psicológico até a reintegração laboral. Só então poderemos pôr fim à vulnerabilidade enfrentada por esses seres humanos e, assim, garantir que a dignidade e a segurança sejam os princípios orientadores pelos quais eles poderão restaurar suas vidas.
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ARAÚJO, Juliana Ponce de. Análise da efetividade das políticas públicas de enfrentamento ao tráfico de pessoas no Brasil. 2020.
DE OLIVEIRA GALERANI, Lara Vitória. Tráfico de pessoas sob o aspecto das perspectivas legais brasileiras. Revista Amagis Jurídica, v. 1, n. 16, p. 141-162, 2021.
DUQUE, Carolina Caran; JÚNIOR, Claudimir Supioni. ACESSO À JUSTIÇA COMO INSTRUMENTO DE VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO E COMBATE À ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA. Revista Direitos Sociais e Políticas Públicas (UNIFAFIBE), v. 10, n. 2, p. 114-146, 2022.
FELICIDADE, Juliana. TRÁFICO DE PESSOAS E TRABALHO ESCRAVO: AÇÕES. Estudos sobre as formas contemporâneas de trabalho escravo, p. 29, 2019.
MARIA TERESI, Verônica; ANTONIO RODRIGUES, Gilberto Marcos. O enfrentamento do tráfico internacional de pessoas no Brasil: entre a criminalização e o enfoque em direitos humanos. Revista Brasileira de Políticas Públicas, v. 13, n. 2, 2023.


