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Jurisprudência do STJ sobre dano moral presumido nos casos de violência doméstica

STJ decide que, em condenações por violência doméstica, o dano moral é presumido e pode ser fixado na sentença penal mediante pedido do Ministério Público.

quarta-feira, 16 de abril de 2025

Atualizado às 13:34

1. Introdução

O STJ reconhece que a condenação criminal por violência doméstica gera, automaticamente, o direito à indenização por danos morais à vítima. Esta inovação está ancorada na compreensão de que a violência praticada no âmbito doméstico e familiar, além das implicações penais, causa sofrimento psíquico e abalo emocional que independem de comprovação objetiva. O novo entendimento parte da lógica do dano in re ipsa, ou seja, presumido, dispensando a demonstração concreta do prejuízo moral experimentado pela vítima. Neste ensaio, propomos uma análise crítica sobre os efeitos dessa decisão, seus fundamentos legais e suas implicações práticas, tanto no âmbito penal quanto cível.

2. Desenvolvimento

2.1 O entendimento do STJ e a tese do dano in re ipsa

O STJ firmou o entendimento de que, nos casos de condenação por violência doméstica e familiar contra a mulher, é admissível a fixação de valor mínimo de indenização por danos morais na própria sentença penal, desde que haja pedido expresso do Ministério Público na denúncia. Esta inovação repousa no inciso V do art. 387 do CPP introduzido por reforma legislativa levada a efeito em 2008, a qual autorizou o juízo criminal a fixar valores a título de reparação mínima pelos danos causados.

A tese acolhida é a do dano moral presumido, ou in re ipsa, que dispensa a produção de prova sobre o sofrimento psíquico da vítima. A violência doméstica, por sua natureza, acarreta humilhação, medo, constrangimento, ruptura de vínculos familiares e prejuízos emocionais que são presumidos pela própria conduta do agressor.

O reconhecimento judicial deste tipo de dano como automático busca dar maior efetividade à responsabilização do condenado, evitando que a vítima precise se submeter novamente a um novo processo, agora no juízo cível, para obter aquilo que é evidente: que foi moralmente lesada.

2.2 Condições para a fixação da indenização na esfera criminal

Embora o dano seja presumido, a reparação só será fixada se duas condições cumulativas forem atendidas:

  • Houver condenação penal definitiva do agressor por crime praticado no âmbito doméstico e familiar;
  • Houver pedido expresso do Ministério Público para fixação de indenização na denúncia criminal.

Sem essas condições, o juiz não poderá, por iniciativa própria, fixar o valor de reparação, sob pena de violação ao contraditório e ampla defesa.

Esse detalhe processual é relevante, pois vincula a atuação do Órgão acusatório titular da ação penal, exigindo dele uma postura proativa na tutela dos direitos da vítima, inclusive em relação aos aspectos patrimoniais decorrentes da violência.

2.3 Natureza da reparação fixada na sentença penal

Importa destacar que o valor fixado na sentença penal tem natureza de indenização mínima. A vítima pode, caso entenda o valor insuficiente ou deseje discutir outros danos (materiais, lucros cessantes, despesas médicas etc.), ingressar com ação própria no juízo cível buscando o complemento da reparação.

Essa coexistência entre a jurisdição penal e a cível não é conflitante, pois se trata de instâncias independentes. No entanto, a indenização fixada criminalmente serve como um primeiro passo em favor da reparação integral e tem importante função simbólica e prática: confere resposta imediata à vítima e reforça a credibilidade do sistema de justiça.

2.4 Avanços legislativos que fundamentam o entendimento

O fundamento legal imediato da decisão do STJ está na inserção do inciso V ao art. 387 do CPP, promovida pela lei 11.719/2008, que autoriza expressamente a fixação da reparação mínima dos danos morais e materiais resultantes da infração penal, desde que haja pedido expresso.

Mais do que isso, a orientação do STJ também se alinha aos avanços institucionais trazidos pela lei Maria da Penha (lei 11.340/2006), que tipificou condutas específicas no âmbito da violência de gênero, como também inaugurou um novo paradigma de proteção integral à mulher, incluindo medidas preventivas, processuais e reparatórias.

A evolução normativa nos últimos anos - impulsionada por pactos internacionais dos quais o Brasil é signatário, como a Convenção de Belém do Pará - fortaleceu o dever do Estado de proporcionar uma resposta rápida e efetiva às mulheres vítimas de violência.

2.5 Análise crítica: Avanços e possíveis riscos

O reconhecimento automático do dano moral traz ganhos importantes à efetividade da tutela penal e ao fortalecimento da responsabilização do agressor. Também contribui para reduzir a revitimização da mulher, que, muitas vezes, precisa reviver o trauma ao buscar nova indenização no juízo cível.

Contudo, o novo entendimento impõe desafios e cuidados. O primeiro é garantir que a ampla defesa do acusado seja preservada, evitando decisões arbitrárias ou desproporcionais. O segundo é evitar que a fixação da indenização se torne um mecanismo padronizado, sem considerar a individualização da pena e o grau concreto de sofrimento causado à vítima.

Além disso, o modelo pode gerar controvérsias quando a vítima se recusar a participar do processo penal ou manifestar desinteresse na indenização, o que levanta a questão sobre o grau de autonomia da vítima e a atuação do Ministério Público como substituto processual.

Outro aspecto a ser observado é o risco de instrumentalização da esfera penal para fins indenizatórios, o que pode distorcer a lógica retributiva da pena e gerar confusão entre os princípios penais e civis.

3. Conclusão

A decisão do STJ que reconhece o dano moral presumido nas condenações por violência doméstica representa um importante avanço na proteção dos direitos da mulher e na responsabilização dos agressores. O novo entendimento amplia o alcance reparatório da sentença penal, reduz a burocracia enfrentada pelas vítimas e reforça a centralidade da dignidade humana no processo penal.

Todavia, sua aplicação deve ser feita com parcimônia e responsabilidade, garantindo o respeito ao devido processo legal e à individualização das penas e reparações. A atuação consciente do Ministério Público e o controle jurisdicional rigoroso sobre os pedidos de indenização serão essenciais para que esse instrumento não se converta em mera formalidade ou em distorção do sistema de justiça.

O equilíbrio entre proteção da vítima e garantias do acusado deve continuar sendo o norte das decisões judiciais, especialmente em matérias tão sensíveis quanto a violência doméstica. A consolidação dessa jurisprudência, desde que bem aplicada, pode representar um passo firme na direção de uma justiça mais justa, célere e humana.

Júlio Cesar Konkowski da Silva

VIP Júlio Cesar Konkowski da Silva

Advogado especializado na defesa na LEI MARIA DA PENHA e em MEDIDAS PROTETIVAS, com atuação em todo o Brasil.

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