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Uso de técnicas de negociação pelo advogado para desocupação de imóvel arrematado

Técnicas de negociação são essenciais para advogados atuarem com eficácia, evitando litígios e promovendo soluções pacíficas na desocupação de imóveis.

terça-feira, 15 de abril de 2025

Atualizado às 10:55

No dinâmico e muitas vezes conflituoso cenário jurídico, a figura do advogado transcende à mera aplicação fria da lei. Ele se torna um artífice da resolução de disputas, um construtor de pontes entre interesses divergentes. Nesse contexto, o domínio das técnicas de negociação emerge não como um mero diferencial, mas como uma competência essencial que define a eficácia e o sucesso de um profissional do Direito e que envolve determinadas habilidades.

A importância do domínio das técnicas de negociação pelo advogado reside em sua capacidade de otimizar os resultados para o cliente. Um negociador habilidoso consegue identificar os reais interesses em jogo, para além das posições iniciais das partes. Ao compreender as necessidades e prioridades de ambos os lados, o advogado pode construir soluções criativas e mutuamente benéficas, que muitas vezes superam as limitações de uma decisão judicial impositiva. Essa capacidade de "criar valor" na negociação se traduz em acordos mais satisfatórios e duradouros para o cliente, evitando o desgaste emocional e financeiro de um litígio prolongado. Como bem elucidam Fisher e Ury (1991, p. 43) em sua fundamental obra "Como Chegar ao Sim"1, a negociação baseada em interesses, e não em posições, permite explorar opções que atendam às necessidades de ambas as partes de forma mais eficaz.

Ademais, a negociação eficaz se configura como uma estratégia de prevenção de litígios. Ao atuar de forma proativa na busca por soluções consensuais, o advogado evita o acirramento de conflitos e a escalada para processos judiciais morosos e dispendiosos. Nesse ponto, Tartuce (2019, p. 187)2 enfatiza que "a atuação do advogado como mediador e negociador extrajudicial ganha crescente relevância, especialmente em face da busca por soluções mais céleres e eficientes para os conflitos."

O advogado que domina as técnicas de negociação possui um arsenal de ferramentas estratégicas à sua disposição. A escuta ativa, a comunicação persuasiva, a capacidade de identificar pontos de convergência e divergência, o gerenciamento de concessões e a habilidade de construir rapport3 são apenas algumas das competências que permitem ao profissional conduzir as tratativas de forma eficiente e assertiva. A compreensão da psicologia da negociação, a análise do perfil da outra parte e a antecipação de seus movimentos estratégicos também se mostram cruciais para alcançar os objetivos almejados. Segundo Lewicki, Saunders e Barry (2015, p. 5)4, "a negociação é um processo interpessoal de tomada de decisão que ocorre sempre que duas ou mais partes precisam chegar a um acordo sobre como alocar recursos escassos ou resolver interesses conflitantes." O advogado, como um agente nesse processo, deve dominar as nuances dessa interação.

Outro ponto relevante é o fortalecimento da reputação profissional. Advogados conhecidos por sua habilidade em negociação são vistos como profissionais eficazes, capazes de resolver problemas de forma pragmática e obter resultados positivos para seus clientes. Essa reputação atrai novos clientes e consolida a confiança dos já existentes, impulsionando o sucesso da carreira jurídica. Como salienta Cappelletti5 (1988, p. 15), a busca por métodos alternativos de resolução de conflitos, nos quais a negociação se insere, reflete uma visão mais moderna e eficiente da administração da justiça, e o advogado que se destaca nesse campo naturalmente conquista maior reconhecimento.

E é nesse contexto que situo a advocacia especializada em arrematação de imóveis em leilão. Isto porque a arrematação de imóveis em leilões judiciais ou extrajudiciais representa uma excelente oportunidade que o cliente possa com segurança adquirir bens por valores abaixo do mercado. No entanto, após a arrematação de um imóvel, muitos compradores se deparam com um desafio: o imóvel está ocupado. Ao invés de seguir diretamente para medidas judiciais, é possível utilizar técnicas de negociação para obter a desocupação de forma mais rápida, pacífica e econômica. Nesse cenário, o uso de técnicas de negociação pode ser uma solução eficaz, econômica e menos conflituosa do que a via judicial.

Antes de ingressar com medidas legais, como o pedido de imissão na posse em se tratando de leilão judicial ou ação de imissão na posse em se tratando de leilão extrajudicial, muitos arrematantes optam por adotar uma abordagem mais estratégica e humanizada. Assim, utilizar-se de técnicas de negociação baseadas na comunicação assertiva, empatia e escuta ativa podem ser eficientes para alcançar acordos amigáveis.

Assim, algumas técnicas de negociação podem ser úteis, tais como:

  • Contato direto e cordial: O primeiro passo é estabelecer um diálogo respeitoso com o ocupante. Uma abordagem agressiva pode gerar maior resistência. Assim, recomenda-se evitar iniciar o processo com notificações formais ou abordagem ríspida. O ideal é fazer um contato direto e cordial. Sugiro, portanto, uma visita do arrematante ou de seu representante ao imóvel, ocasião em que se apresentará com educação. Na sequência, o arrematante mostrará os documentos da arrematação para transmitir segurança. Nessa visita, recomendo que o arrematante fale com clareza, mas com empatia, reconhecendo a situação delicada do ocupante. Isto porque mostrar compreensão pela situação da outra parte pode abrir portas para uma solução pacífica. Um exemplo dessa abordagem poderia ser este: "Olá, tudo bem? Me chamo João e sou o novo proprietário do imóvel, adquirido em leilão. Gostaria de conversar com você para encontrarmos juntos a melhor forma de organizar a desocupação."
  • Escute antes de propor: Procure ouvir o que o ocupante tem a dizer. Assim, poderá ser feita a "leitura" do ocupante e da real situação que o envolve: se há resistência emocional ou desconhecimento da situação, se é necessário tempo para encontrar outro lugar. Lembre-se que a escuta ativa permite adaptar sua abordagem para um acordo viável.
  • Apresentação clara dos direitos: É importante esclarecer que a arrematação do imóvel é um procedimento legal, e que, cedo ou tarde, será necessário desocupar o imóvel. Esclarecer os direitos de forma cordial, com base na legislação, transmitirá segurança ao ocupante.
  • Oferta de prazos razoáveis: Propor um prazo adequado para a saída voluntária pode ser um ponto-chave para o acordo. Demonstrar flexibilidade é uma forma de demonstrar boa-fé e evitar judicializações. A maioria das pessoas precisa de tempo para reorganizar a vida. Um prazo de 30 a 60 dias, por exemplo, já demonstrará sua boa vontade e poderá facilitar o acordo. Se o ocupante for colaborativo, você poderá formalizar isso em um termo de desocupação amigável com prazo definido, por escrito, com data e assinatura.
  • Auxílio na transição: Em alguns casos, o arrematante pode oferecer auxílio para mudança, transporte ou até mesmo um pequeno valor como ajuda de custo (conhecido informalmente como "chave de ouro"). Não é obrigação legal, mas é uma prática comum em negociações de desocupação. Pode incluir valores simbólicos para transporte, mudança ou caução de novo aluguel. Costuma ser pago no momento da entrega das chaves, como garantia para ambas as partes.

Uma vez chegando ao consenso, formalize o acordo por escrito, registrando tudo em um documento simples com dados das partes, reconhecimento da posse do arrematante, prazo acordado para desocupação, eventual valor combinado (se houver), cláusula penal em caso de inadimplemento, data e assinatura. Basta o arrematante (ou seu advogado com poderes para tal) e o ocupante assinarem digitalmente esse Acordo, uma vez que o art. 784 do CPC, que trata dos títulos executivos extrajudiciais, incluiu nele o parágrafo 4º, que expressamente prevê que "nos títulos executivos constituídos ou atestados por meio eletrônico, é admitida qualquer modalidade de assinatura eletrônica prevista em lei, dispensada a assinatura de testemunhas quando sua integridade for conferida por provedor de assinatura". A celebração de um acordo com redação clara e sem lacunas, evita dúvidas futuras e serve de respaldo em caso de eventual descumprimento.

Recomenda-se, ainda, manter o diálogo até o cumprimento do acordo. Para tal, deve o arrematante (ou seu advogado) manter contato com o ocupante do imóvel de forma educada, reforçando o combinado, mas sem exercer desmedida pressão. A boa comunicação ajuda a evitar conflitos e demonstra profissionalismo.

Mas, quais seriam as vantagens da negociação amigável? Ora, o arrematante, através de um advogado que domine as técnicas de negociação, estará evitando longos trâmites judiciais, reduzindo custos, evitando desgastes emocionais e permitindo a posse mais rápida do imóvel. Além disso, preservar o bom senso e o respeito durante o processo pode prevenir danos ao patrimônio e preservar a integridade do imóvel até sua entrega.

Muito importante lembrar que caso não se chegue a um acordo, a tentativa de negociação será vista positivamente pelo juiz e poderá agilizar o processo. Isto porque sendo necessário o ajuizamento de ação de imissão na posse, em caso de leilão extrajudicial, o arrematante poderá demonstrar que agiu de boa fé, esteve negociando com o ocupante por determinado número de dias e, dessa forma, o magistrado ao deferir a expedição do mandado de imissão na posse, poderá mitigar o prazo previsto em lei que é de 60 dias, considerando nesse cômputo o número de dias em que as partes estiveram tentando compor consensualmente.

Lembre-se que a negociação é uma ferramenta poderosa no processo de desocupação de imóveis arrematados. Com uma abordagem estratégica, empática e legalmente fundamentada, é possível transformar um potencial conflito em uma solução consensual, trazendo benefícios para ambas as partes. Ou seja, utilizar-se de empatia, da comunicação clara e oferecer alternativas viáveis muitas vezes é o suficiente para alcançar um acordo pacífico - e sem necessidade de judicializar a situação.

Portanto, o domínio das técnicas de negociação deixou de ser uma habilidade complementar para se tornar um requisito fundamental para o advogado contemporâneo. Em um cenário jurídico cada vez mais complexo e dinâmico, a capacidade de conciliar, mediar e negociar de forma estratégica se traduz em resultados superiores para os clientes, prevenção de litígios, otimização de recursos e, consequentemente, em uma prática advocatícia mais eficiente, ética e bem-sucedida. O advogado que abraça a arte da negociação como parte intrínseca de sua atuação se posiciona como um verdadeiro agente de soluções, essencial para a construção de um sistema jurídico mais célere e eficaz.

____________

1 FISHER, Roger; URY, William. Como chegar ao Sim: negociação de acordos sem concessões. 3. ed. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1991.

2 TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v. 1: Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, Parte Geral. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.

3 Rapport é um termo de origem francesa que, no contexto da comunicação e da negociação, se refere à uma conexão harmoniosa e de entendimento mútuo entre duas ou mais pessoas. É a sensação de sintonia, confiança e empatia que se estabelece durante uma interação.

4 LEWICKI, Roy J.; SAUNDERS, David M.; BARRY, Bruce. Essentials of negotiation. 6. ed. New York: McGraw-Hill Education, 2015

5 CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988.

Lucia Mugayar

Lucia Mugayar

Advogada atuante em assessoria de arrematação de imóveis em leilão, sócia-fundadora da ARREMATEI-IMÓVEIS EM LEILÃO, professora das disciplinas Processo Civil e Mediação em Cursos de Pós-graduação, 2ª. Vice-Presidente da Comissão Especial de Leilões da OAB/RJ e Coordenadora de Mediação da ESA NACIONAL.

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