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Lei 14.454/22: Constitucionalidade e defesa do direito à saúde

Análise da constitucionalidade da lei 14.454/22, que obriga planos de saúde a cobrirem tratamentos fora do rol da ANS, tema da ADIn 7265 em trâmite no STF.

quinta-feira, 17 de abril de 2025

Atualizado às 09:17

A saúde, como direito fundamental social assegurado pela CF/88, deve ser promovida por todos os meios juridicamente disponíveis, inclusive no âmbito da saúde suplementar. A atuação das operadoras de planos privados, no entanto, nem sempre se alinha à ordem constitucional quando negam tratamentos com base exclusiva na ausência de previsão no rol da ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar. Essa prática, reforçada pela tese do rol taxativo, consolidada no julgamento do EREsp 1.886.929/SP, impôs entraves concretos à efetividade do direito à saúde, ao permitir que interesses econômicos se sobrepusessem à prescrição médica e à singularidade clínica de cada paciente.

Foi com o objetivo de corrigir esse descompasso que o legislador editou a lei 14.454/22. A norma introduziu parâmetros objetivos, ainda que restritivos e técnicos, para possibilitar a cobertura de tratamentos fora do rol, desde que atendidos certos requisitos, como a existência de comprovação de eficácia terapêutica baseada em evidências científicas e a recomendação de entidades especializadas, nacionais ou internacionais. Em vez de afrontar a autoridade regulatória da ANS, a nova legislação a complementa, oferecendo alternativa jurídica para situações em que a ausência de atualização do rol ou a lentidão dos trâmites administrativos inviabilizam respostas tempestivas às necessidades dos usuários.

O ponto central da controvérsia jurídica que envolve a nova norma está sendo discutido no STF, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade 7265. Nessa ação, questiona-se se a lei 14.454/22 teria invadido indevidamente a esfera técnica da ANS e comprometido a previsibilidade econômica dos contratos de saúde suplementar. No entanto, esse argumento não se sustenta diante da moldura constitucional que rege o direito à saúde no Brasil. A CF não apenas reconhece a saúde como direito universal e dever do Estado, mas também impõe a todos os entes - públicos e privados - o dever de colaborar para sua efetivação. Assim, não se pode admitir que um contrato de prestação de serviço privado, ainda que sujeito a regulação estatal, limite ou anule direitos fundamentais.

Ao contrário do que afirmam os defensores da inconstitucionalidade da norma, a nova lei não fragiliza o equilíbrio contratual, mas sim oferece critérios razoáveis para contornar injustiças e omissões. Ela respeita a técnica, ao exigir evidências e fundamentação científica; protege o consumidor, ao não o abandonar diante da negativa baseada apenas em formalismo administrativo; e também assegura ao setor suplementar uma margem de previsibilidade, já que os requisitos para afastar o rol permanecem restritos e objetivos.

Vale lembrar que o rol de procedimentos da ANS, embora importante, não tem caráter absoluto. Ele não é exaustivamente atualizado, nem contempla a variedade de tratamentos que a evolução da ciência proporciona. Além disso, sua rigidez afeta especialmente pessoas em condição de maior vulnerabilidade, como aquelas que dependem de terapias multidisciplinares para quadros complexos, como o autismo, ou de medicamentos de alto custo não incluídos no rol. Impedir o acesso com base apenas na ausência formal de listagem significa negar um direito com base em um critério meramente burocrático, o que contraria os princípios da dignidade da pessoa humana e da máxima efetividade dos direitos fundamentais.

Ao promover uma alternativa segura, baseada em evidência e legitimada pela prescrição médica, a lei 14.454/22 reafirma a centralidade da vida humana no ordenamento jurídico brasileiro. Ela é compatível com o princípio da proporcionalidade, ao equilibrar os interesses econômicos das operadoras e os direitos existenciais dos usuários. Nesse sentido, seu conteúdo não apenas é constitucional, mas necessário para restaurar a confiança social nos instrumentos legais de proteção à saúde.

O julgamento da ADIn 7.265 representa, portanto, um marco decisivo. Caberá ao STF definir se o direito à saúde permanecerá vinculado à lógica das listas ou se será afirmado como valor normativo com força própria, sustentado pela ciência, pela ética médica e pela CF. A expectativa é que o Supremo reafirme a validade da lei 14.454/22, reconhecendo sua importância para a construção de um sistema de saúde suplementar mais justo, transparente e orientado à promoção da vida em sua integralidade.

Mariaynne Aparecida da Silva Alvim Alvarenga

VIP Mariaynne Aparecida da Silva Alvim Alvarenga

Mariaynne Alvim Alvarenga é mãe atípica, advogada, Especialista em Direito Processual Civil e Pós-Graduanda em Direito Médico e Saúde.

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