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O STF e a pejotização. Uma ponte para a "barbárie institucional"

STF suspende ações sobre pejotização e sinaliza maioria contra vínculo. Julgamento opõe direitos trabalhistas e agenda neoliberal.

quarta-feira, 23 de abril de 2025

Atualizado às 14:57

No dia 14 passado, o STF, na pena do ministro Gilmar Mendes, proferiu decisão suspendendo nacionalmente milhares de ações em que os trabalhadores questionam seus direitos no caso da pejotização. Isso aconteceu no julgamento da repercussão geral do tema 1389, no ARE 1.532.603. No julgamento final deste processo a um prenúncio, segundo notícias de bastidores, de que apenas os ministros Edson Fachin e Flávio Dino é que divergirão, votando contra a pejotização e a favor, portanto, dos trabalhadores.

É importante que se diga, em linha de princípio, que a pejotização ocorre quando o trabalhador, na contratação dos seus serviços, é obrigado a constituir e trabalhar travestido de uma pessoa jurídica. Com isso abre-se as portas para lesão de seus direitos trabalhistas, pois, em hipóteses tais, não se reconhece vínculo empregatício, na forma da CLT.

Não é demasiado lembrar que, nos casos dos trabalhadores por aplicativos e da terceirização das atividades - meio e fim, o STF vem revendo decisões da Justiça do Trabalho que reconhecem relação de emprego nessas situações. É o que aconteceu na ADC 48, na ADPF 324, RE 958.252 (tema 725 - RG), ADI 5835 MS\DF e RE 688.223, etc. Nesses casos, o STF, invadindo a competência da Justiça do Trabalho, notadamente do TST, anula decisões destes que reconheceram a relação de emprego entre os trabalhadores e os patrões. Essas formas de contratação, inclusive a pejotização, decorrem da contrarreforma trabalhista implementada por Temer e continuada por Bolsonaro, que visou aviltar direitos trabalhistas e sindicais.

Tal fato tem ocorrido com frequência, frise-se, em casos da reclamação prevista no art. 102 , I, da Constituição Federal. Como cediço, a reclamação não pode se prestar a substituir o recurso próprio, nem tampouco reexaminar provas e fatos. Desse modo, o STF - malferindo o princípio segundo o qual o contrato de trabalho, segundo a CLT, não se caracteriza pelo seu aspecto formal, mas sim pela realidade da vida - anula decisões da Justiça do Trabalho em que foi reconhecida a relação de emprego.

É importante notar, por outro lado, que os defensores do neoliberalismo advogam a ideia de que esses novos modelos de contratação (trabalhadores por aplicativos, terceirização e pejotização) são servientes ao empreendedorismo e ao desenvolvimento econômico. Eles cumpririam os preceitos constitucionais que amparam a livre iniciativa. Todavia, olvidam, adrede, a centralidade do trabalho e a dignidade da pessoa humana, também protegidos no texto constitucional (art. 1º, IV, da CF). O capital não existiria sem o trabalho. Sem o esteio do trabalho por uma massa de milhões de trabalhadores nem mesmo a sociedade poderia existir. De outra lado, é uma falácia que tais  modalidades novas de trabalho servem ao desenvolvimento econômico e social. A uma, porque elas não diminuem o desemprego. A duas, porque elas precarizam sobremodo os direitos dos trabalhadores, que são o alicerce da sociedade. A três, porque, no âmbito do neoliberalismo, os ganhos obtidos pelos empresários com essas contratações, ao invés de serem aplicados na produção, são revertidos para aplicações no mercado financeiro.

De outro lado, um dos pilares do neoliberalismo é o aviltamento dos direitos dos trabalhadores e previdenciários. Ele defende a ideia de que os trabalhadores devem ser " empresários de si mesmos", menoscabando  a tradicional forma de trabalho conforme previsto na CLT. O custo disso são trabalhadores sem direitos trabalhistas e previdenciários, que, inclusive, serão desamparados na velhice. Só para se ter uma ideia mais de 19 milhões de trabalhadores não contribuem para a previdência social no Brasil.

Para arrematar, é importante frisar que o futuro da humanidade reclama a centralidade do trabalho, como esteio da sociedade, e a dignidade dos trabalhadores, sem embargo do desenvolvimento econômico.

Gustavo Hasselmann

VIP Gustavo Hasselmann

Procurador do município de Salvador/BA. Graduado em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em Processo Civil e Direito Administrativo. Membro do IAB e do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo.

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