Honorários sucumbenciais e sua função no sistema de justiça
Os honorários de sucumbência, além de valorizarem a advocacia, promovem justiça, responsabilidade processual e uso eficiente do Judiciário.
terça-feira, 22 de abril de 2025
Atualizado às 17:26
Introdução
Os honorários de sucumbência representam a justa remuneração pelos serviços jurídicos prestados no âmbito processual. A advocacia deve, de forma contínua, lutar pela efetivação e pelo respeito a essa prerrogativa profissional.
Isso porque o reconhecimento da remuneração adequada é indispensável para o fortalecimento da profissão e do próprio sistema de Justiça, seja oportunizando a contínua qualificação técnica da advocacia, seja cumprindo a função pedagógica, inibindo demandas infundadas e contribuindo para a racionalização do uso do Judiciário.
A temática, entretanto, ainda é permeada por confusões conceituais e práticas - muitas delas decorrentes da própria trajetória legislativa dos honorários, como já abordada no artigo Honorários de sucumbência, uma prerrogativa da advocacia1.
Neste texto, será proposta uma análise de alguns princípios que fundamentam os honorários de sucumbência, suas funções no sistema jurídico e as principais controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais que envolvem sua aplicação.
A Prerrogativa da Advocacia
De início, indispensável ressaltar que os honorários advocatícios são uma prerrogativa da advocacia, pois, assim como os direitos fundamentais não se limitam ao rol do art. 5º da Constituição, as prerrogativas da advocacia vão muito além dos artigos 6º e 7º do Estatuto da OAB (EOAB).
Os honorários de sucumbência, mais do que uma simples contraprestação financeira devida ao(à) advogado(a), exercem também funções jurídicas fundamentais, reconhecidas pela doutrina como princípios estruturantes que orientam sua interpretação e aplicação: (i) o princípio da sucumbência (ou da causalidade) e (ii) o princípio sancionatório-pedagógico.
Princípio da Sucumbência / Causalidade
A definição sobre quem deve suportar os encargos decorrentes do processo (autor ou réu), como despesas processuais e honorários de sucumbência, encontra fundamento nos princípios da sucumbência e da causalidade. Embora o Código de Processo Civil, em seu art. 85, caput, tenha consagrado o princípio da sucumbência como regra geral, não exclui a incidência do critério da causalidade.
De acordo com o princípio da sucumbência, a parte vencida (sucumbente) deverá arcar com os ônus da demanda, incluindo o pagamento dos honorários ao advogado da parte vencedora. No entanto, essa lógica nem sempre se revela suficiente para assegurar uma distribuição justa dos encargos processuais, como em situações em que a parte formalmente derrotada não foi, de fato, a responsável pela instauração ou prolongamento do litígio.
Nesse ponto, ganha relevo o princípio da causalidade, que se volta à análise do comportamento das partes, atribuindo as despesas processuais e honorários àquele que, por ação ou omissão, deu causa ao processo. Como observa Orlando Venâncio dos Santos Filho2:
"[...] o princípio absoluto de fixação da responsabilidade pelo pagamento dos honorários advocatícios e demais despesas processuais, com base no fato objetivo da derrota, é injusto, não se adequando às complexas relações sociais e jurídicas do nosso tempo, conquanto seja, inquestionavelmente, o mais cômodo para o julgador.
Há que se entender, portanto, o critério da sucumbência como o mais expressivo e revelador elemento do princípio da causalidade, devendo, portanto, ser aplicável, como regra, no nosso Direito Processual, sem, entretanto, converter-se na categoria de dogma a inadmitir exceções.
Assim, conclui-se o presente, advogando que o princípio da causalidade é, indubitavelmente, o mais adequado e justo, para fixação da responsabilidade pelo pagamento dos honorários advocatícios e demais despesas processuais, porquanto, melhor se presta aos desígnios de justiça, responsabilizando aquele, que por ação ou omissão, dá causa à relação processual."
Neste sentido o entendimento do STJ:
"[...], indevida a condenação do credor nos ônus sucumbenciais, com fundamento no princípio da causalidade, ainda na hipótese em que houve resistência, sob pena de o devedor se beneficiar duplamente, já que não cumpriu sua obrigação. [...]" - REsp n. 2.182.757/SP, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, DJEN de 3/4/2025
"[...], entendimento do Sodalício a quo perfilha a orientação do STJ, no sentido de que a análise da causalidade para condenação em honorários sucumbenciais nas hipóteses de perda de objeto, não se faz a partir da perquirição de quem deu causa à extinção do processo, mas sim de quem deu causa à sua propositura [...]" - AgInt no AREsp n. 2.315.883/RN, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 25/9/2023, DJe de 18/12/2023.
Portanto, a jurisprudência da Corte Superior tem reiterado esse entendimento sobre o tema, inclusive em julgamentos submetidos ao rito dos recursos repetitivos (Temas 8723, 1.0504, e 1.2295), reforçando a causalidade como mecanismo de correção de distorções da aplicação automática da sucumbência.
Princípio Sancionador - Pedagógico
A análise conjunta dos princípios sancionador e pedagógico se justifica pela conexão direta entre a sanção e efeitos educativos decorrentes.
A função sancionatória dos honorários de sucumbência é intuitiva: busca punir condutas processuais indevidas, especialmente aquelas marcadas pela litigância abusiva, irresponsável ou economicamente oportunista.
Isso porque apenas condenar a parte vencida ao pagamento da obrigação originalmente devida, somada às custas processuais, revela-se insuficiente para garantir a pacificação social efetiva. Em muitos casos, o inadimplemento deliberado e a resistência ao cumprimento espontâneo de obrigações são práticas estratégicas e economicamente vantajosas, sendo a judicialização um meio de postergar o adimplemento de obrigações e obtenção de vantagens econômicas.
Nesse contexto, os honorários sucumbenciais cumprem função punitiva adicional, desestimulando comportamentos que comprometem a racionalidade e a eficiência da jurisdição. Trata-se de uma resposta normativa que impõe ônus econômico a quem instrumentaliza o processo de forma irresponsável, ativa ou passivamente.
Esta função já foi reconhecida pelo STJ no REsp 1.850.512/SP (Tema 1.076):
"[...] É muito comum ver no STJ a alegação de honorários excessivos em execuções fiscais de altíssimo valor posteriormente extintas. Ocorre que tais execuções muitas vezes são propostas sem maior escrutínio, dando-se a extinção por motivos previsíveis, como a flagrante ilegitimidade passiva, o cancelamento da certidão de dívida ativa, ou por estar o crédito prescrito. Ou seja, o ente público aduz em seu favor a simplicidade da causa e a pouca atuação do causídico da parte contrária, mas olvida o fato de que foi a sua falta de diligência no momento do ajuizamento de um processo natimorto que gerou a condenação em honorários. Com a devida vênia, o Poder Judiciário não pode premiar tal postura. A fixação de honorários por equidade nessas situações - muitas vezes aquilatando-os de forma irrisória - apenas contribui para que demandas frívolas e sem possibilidade de êxito continuem a ser propostas diante do baixo custo em caso de derrota. Tal situação não passou despercebida pelos estudiosos da Análise Econômica do Direito, os quais afirmam com segurança que os honorários sucumbenciais desempenham também um papel sancionador e entram no cálculo realizado pelas partes para chegar à decisão - sob o ponto de vista econômico - em torno da racionalidade de iniciar um litígio [...]. Promove-se, dessa forma, uma litigância mais responsável, em benefício dos princípios da razoável duração do processo e da eficiência da prestação jurisdicional. [...]"
A função pedagógica, por sua vez, decorre dos efeitos externos da sanção. Ao reforçar a responsabilização no processo, contribui para a construção de uma cultura jurídica voltada à prevenção de litígios desnecessários, ao incentivo de soluções extrajudiciais e ao uso racional dos recursos do Poder Judiciário.
A majoração dos honorários recursais, positivada no art. 85, §11, CPC/15, exemplifica essa lógica: ao impor ônus/trabalho adicional à parte vencida que interpõe recurso não conhecido ou não provido, o sistema busca desestimular a interposição de recursos meramente protelatórios, fortalecendo o compromisso com a duração razoável do processo e a eficiência da prestação jurisdicional.
Conclusão
A compreensão dos honorários de sucumbência, como instituto jurídico, vai muito além de sua dimensão remuneratória.
A partir dos princípios que fundamentam sua aplicação, sucumbência, causalidade e função sancionadora-pedagógica, revela-se um instrumento essencial não apenas para a valorização da advocacia, mas também para o equilíbrio e a eficiência do sistema de justiça.
O critério da sucumbência, embora consagrado como regra geral pelo CPC/15, não esgota as possibilidades de responsabilização pelos ônus da demanda, sendo necessário recorrer ao princípio da causalidade para garantir decisões mais justas e compatíveis com as peculiaridades de cada caso.
Ao mesmo tempo, a atribuição de honorários também se justifica como resposta a condutas abusivas, fator de contenção da litigância irresponsável, promovendo a racionalização da judicialização e fortalecendo os valores como a boa-fé, a responsabilidade e a eficiência processual.
Nesse cenário, os honorários de sucumbência, para além de uma prerrogativa da advocacia, assumem papel estruturante, disciplinando condutas e corroborando o compromisso do sistema jurídico com uma justiça mais célere, equilibrada e comprometida com o uso responsável de seus recursos.
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1 https://www.migalhas.com.br/depeso/424281/honorarios-de-sucumbencia-uma-prerrogativa-da-advocacia. Acessado em 15.04.2025.
2 SANTOS FILHO, Orlando Venâncio dos, O ônus do pagamento dos honorários advocatícios e o princípio da causalidade. In. Revista de Informação Legislativa, Brasília, DF: Senado Federal, v. 35, n. 137, jan./mar. 1998. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/496869, acessado em 26.03.2024.
3 "Nos Embargos de Terceiro cujo pedido foi acolhido para desconstituir a constrição judicial, os honorários advocatícios serão arbitrados com base no princípio da causalidade, responsabilizando-se o atual proprietário (embargante), se este não atualizou os dados cadastrais. Os encargos de sucumbência serão suportados pela parte embargada, porém, na hipótese em que esta, depois de tomar ciência da transmissão do bem, apresentar ou insistir na impugnação ou recurso para manter a penhora sobre o bem cujo domínio foi transferido para terceiro".
4 "O eventual pagamento de benefício previdenciário na via administrativa, seja ele total ou parcial, após a citação válida, não tem o condão de alterar a base de cálculo para os honorários advocatícios fixados na ação de conhecimento, que será composta pela totalidade dos valores devidos".
Ementa do REsp 1847860/RS: "[...], a pretensão resistida se iniciou na esfera administrativa com o indeferimento do pedido de concessão do benefício previdenciário. A resistência à pretensão da parte recorrida, por parte do INSS, ensejou a propositura da ação, o que impõe a fixação dos honorários sucumbenciais, a fim de que a parte que deu causa à demanda assuma as despesas inerentes ao processo, em atenção ao princípio da causalidade, inclusive no que se refere à remuneração do advogado que patrocinou a causa em favor da parte vencedora. [...]"
5 "À luz do princípio da causalidade, não cabe fixação de honorários advocatícios quando a exceção de pré-executividade é acolhida para extinguir a execução fiscal em razão do reconhecimento da prescrição intercorrente, prevista no art. 40 da Lei n. 6.830/1980".


