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Prescrição e o novo marco securitário

A lei 15.040/24 redefine a prescrição no seguro, trazendo novos prazos, regras e inseguranças jurídicas que exigem atenção de segurados e seguradoras.

quarta-feira, 23 de abril de 2025

Atualizado em 22 de abril de 2025 15:23

A lei 15.040/24, também denominada marco legal dos seguros, alterou diversas normas anteriormente aplicadas nas relações securitárias.

Uma das modificações é a questão da prescrição, a qual trará grandes modificações tanto quanto ao termo inicial quanto ao final da pretensão daqueles que possuem relação com a seguradora.

A prescrição é a perda do direito de ação em razão da inércia temporal de seu titular, sendo o prazo dessa perda da pretensão definida por lei.

No caso do Direito Securitário é previsto, no inciso II, §1º do art. 206 do CC, que prescreve em um ano a pretensão do segurado contra o segurador, iniciando para o segurado, no caso de responsabilidade civil, da data que é citado para responder à ação de indenização ou da data que o indeniza, com anuência do segurador, e nos demais casos, do fato gerador da pretensão.

Ocorre que apesar da definição do CC, sempre houve discussão sobre o que seria o fato gerador da prescrição nos casos de ação do segurado contra a seguradora.

Conforme esclareceu a ministra Nancy Andrighi no julgamento do REsp 1.970.111-MG, primeiramente prevaleceu a tese de que o termo inicial da prescrição seria a data do sinistro. Posteriormente, a tese foi alterada considerando como o início da prescrição não mais a data do sinistro em si, mas a data do conhecimento do sinistro pelo segurado, adotando o viés subjetivo da teoria da actio nata1, na qual a prescrição inicia a partir da ciência do nascimento da pretensão pelo seu titular.

Posteriormente, em 8/9/1999, é editada a súmula 229, a qual complementa o entendimento anterior, no sentido de que o pedido de pagamento de indenização à seguradora suspende o prazo prescricional até que o segurado tenha ciência da decisão, visando proteger o segurado de perder seu direito em razão do transcurso do tempo que a seguradora está analisando seu pedido.

Sendo assim, foi consolidado o entendimento de que a prescrição do segurado contra o segurador seria de um ano, tendo como termo inicial a data da ciência do sinistro, ficando suspensa a prescrição durante a análise desse pela seguradora. Esse é o entendimento vigente até o momento2.

Ocorre que a lei sob 15.040/24 (marco legal dos seguros) alterou o termo inicial da prescrição, sendo que, a partir de sua entrada em vigor, a pretensão do segurado contra o segurador será de um ano, porém iniciando da ciência do segurado da recusa expressa e motivada da seguradora, conforme inciso II, do art. 126.

Essa alteração faz com que o início da pretensão do segurado não seja mais a data da ciência do sinistro, mas sim a ciência da negativa da seguradora ao pagamento da cobertura securitária, gerando assim, insegurança jurídica à essas.

Até o início da vigência do marco legal de seguros, a seguradora tem ciência do tempo máximo que poderá ter uma cobertura securitária pleiteada, haja vista que existe um período cujo segurado poderá pleitear a cobertura, sendo que em caso de inércia, haverá a prescrição.

Já com a alteração legislativa, não é possível haver um prognóstico de quando o segurado poderá pleitear a cobertura securitária, vez que iniciando o prazo prescricional apenas com a negativa da seguradora, o segurado poderá pleitear a cobertura securitária de forma ad eternum.

Observa-se que o art. 66 da lei 15.040/24 determina que é dever do segurado, ao tomar ciência do sinistro, avisar prontamente a seguradora, sob pena de perda do direito a cobertura securitária, porém sem definir qual o tempo que faria com que houvesse essa perda do direito à cobertura, mantendo, assim, a insegurança jurídica.

Outra alteração que o marco legal do seguro trás é quanto à possibilidade de suspensão no pedido de reconsideração.

O CC não possui qualquer determinação sobre a prescrição nos casos em que há negativa de cobertura pela seguradora, mas o segurado, beneficiário ou terceiro realiza um pedido de reconsideração.

Porém, apesar da omissão legislativa, a jurisprudência sedimentou o entendimento de que o pedido de reconsideração formulado na via administrativa não suspende ou interrompe o prazo de prescrição3.

Com a entrada em vigor da lei 15.040/24 esse entendimento também será alterado.

Isto porque o art. 127 prevê a possibilidade de haver uma única vez a suspensão da prescrição no caso da seguradora receber pedido de reconsideração da recusa do pagamento, cessando a suspensão quando o interessado for comunicado, pela seguradora, de sua decisão final.

Essa alteração, apesar de modificar o entendimento aplicado desde 2001, na realidade se alinha com a razão de decidir do STJ.

Conforme decisão proferida pela 3ª turma do STJ nos REsp 247.295-SP o fundamento para não haver suspensão da prescrição nos casos de pedido de reconsideração é que poderia haver o prolongamento indefinido desta em razão da possibilidade de haver reiterados pedidos de reconsideração4.

Ao permitir o pedido de reconsideração, porém limitando a suspensão da prescrição para uma única vez, a legislação evita o receio do STJ do prolongamento ad eternum da prescrição, garantindo a efetividade do instituto.

Não obstante a questão da pretensão do segurado em face do segurador, ainda o marco legal dos seguros inovou quanto a prescrição envolvendo outras relações securitárias.

Conforme disposto no inciso I, do art. 126 da nova lei, prescreverá em um ano a pretensão da seguradora contra o segurado e estipulantes, inclusive a cobrança de prêmio; as pretensões para cobrança de remunerações dos corretores de seguros, agentes, representantes de seguros e estipulantes e as pretensões entre cosseguradoras, seguradoras, resseguradoras e retrocessionárias.

Com essa alteração, o prazo prescricional será alterado nos casos da cobrança de remuneração pelos corretores e demais representantes, o qual era de cinco anos, nos termos do inciso I, §5º , do art. 206 do CC.

Da mesma forma a pretensão entre cosseguradoras, resseguradoras e retrocessionárias, cuja prescrição anterior dependeria do fato em discussão, se cobrança de título de crédito, o prazo é de três anos, porém, se a questão for sobre dívida líquida, o prazo é de cinco anos.

Porém, diferentemente da ação do segurado em face da seguradora, as demais pretensões cujo prazo prescricional é de um ano não possui definição do termo inicial, fazendo com que possa gerar discussões, necessitando, assim, de definição por meio de jurisprudência para evitar a insegurança jurídica.

Quanto à pretensão do beneficiário do seguro e do terceiro prejudicado, a prescrição se manteve como constava no inciso IX, do art. 206 do CC, ou seja, de três anos do fato gerador.

Conforme verifica-se a partir da entrada em vigor do marco legal dos seguros, lei 15.040/24, haverá muitas modificações quanto ao instituto da prescrição.

Ocorre que o marco legal dos seguros deixou de definir diversas questões, o que pode gerar insegurança jurídica aos jurisdicionados, fazendo com que haja a necessidade de uma rápida atuação do Judiciário a fim de consolidar a jurisprudência e, consequentemente fazer com que, principalmente, seguradoras e segurados, consigam definir sua atuação.

_________

1 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 229. O pedido do pagamento de indenizacao a seguradora suspende o prazo de prescricão ate que o segurado tenha ciência da decisão. Disponível em: < https://www.stj.jus.br/publicacaoinstitucional/index.php/RevSTJ/article/viewFile/ 9384/9507>. Acesso em 14 jan. 2025.

2 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (3ª Turma). AgInt no Agravo em Recurso Especial nº 1954783-MG. Agravante: Berkley International do Brasil Seguros

3 S.A. Agravados. Anglo American Minério de Ferro Brasil S/A e Construtora Ciap LTDA. Relator: Min. Moura Ribeiro, 19 de agosto de 2024. Disponível em:. Acesso em 14 jan. 2025.

4 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (3ª Turma). Recurso Especial nº 247295- SP. Recorrente: Nacional Companhia de Seguros. Recorrido: Rui da Silva. Relator: Min. Carlos Alberto Menezes Direito, 29 de março de 2001. Disponível em:. Acesso em 15 jan. 2025.

5 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (3ª Turma). Recurso Especial nº 1.970.111-MG. Recorrente: Jorge Zambom Junior. Recorrido. Porto Seguro Companhia de Seguros Gerais. Relatora: Minª Nancy Andrighi, 15 de março de 2022. Disponível em: < https://processo.stj.jus.br/processo/julgamento/eletronico/documento/mediado/? documento_tipo=integra&documento_sequencial=148129633®istro_numero=202102338993&peticao_numero=&publicacao_data=20220330&formato=PDF>. Acesso em 14 jan. 2025.

6 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (4ª Turma). AgInt nos Edcl no Recurso Especial  nº  1774003-RS.  Agravante:  Bothomé  Advogados  Associados.Agravado. AIG Seguros Brasil S/A. Relator: Min. Raul Araújo, 14 de agosto de 2023. Disponível em: . Acesso em 15 jan. 2025

7 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (4ª Turma). Recurso Especial nº 8.770- SP. Recorrente: Itaú Seguros S.A. Recorrido: Ornix Com/ e Serviços LTDA. Relator: Min. Athos Carneiro, 16 de abril de 1991. Disponível em: < https://processo.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=1991 00037761&dt_publicacao=13/05/1991>. Acesso em 14 jan. 2025.

Maiara Carla Ruon

Maiara Carla Ruon

Advogada - Pereira Gionedis Advogados Pós-graduada em Direito do Consumidor pela Universidade Gama Filho. Pós-graduada em Filosofia e Direitos Humanos pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Curitiba - UNICURITIBA.

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