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Teoria da firma de Coase e o caso Meta: Aspectos concorrenciais

A teoria de Coase explica aquisições pela eficiência, mas o caso da Meta mostra que é preciso avaliar também se há intenção anticoncorrencial, como suprimir rivais e afetar a inovação no mercado.

quinta-feira, 24 de abril de 2025

Atualizado às 14:03

A teoria da firma de Ronald Coase, apresentada em seu clássico artigo "The Nature of the Firm" (1937), procura explicar por que as empresas existem e crescem, mesmo quando poderiam operar por meio de contratos no mercado. Coase argumenta que a internalização de atividades se justifica pela redução de custos de transação - ou seja, custos que decorrem da negociação, fiscalização e execução de contratos. Assim, a decisão de adquirir outra empresa seria, sob essa perspectiva, uma escolha racional e eficiente, voltada à maximização da eficiência organizacional. No entanto, quando essa lógica é transposta para o campo da defesa da concorrência, a análise se torna mais complexa.

Os rumores do julgamento que se aproxima nos Estados Unidos, em que Mark Zuckerberg afirmou que a aquisição do Instagram foi motivada pelo fato de o aplicativo possuir uma câmera superior à do Facebook na época, é ilustrativo da aplicação - e das limitações - da teoria de Coase. Ao justificar a transação com base em ganhos tecnológicos e de eficiência, a declaração reforça a noção de que a integração do Instagram ao ecossistema da Meta representaria uma solução racional e economicamente eficiente, ao evitar custos de desenvolvimento interno e acelerar a adaptação da empresa à evolução do mercado.

No entanto, essa explicação deve ser submetida a uma análise crítica, especialmente sob a perspectiva do Direito Concorrencial. Embora a aquisição possa parecer eficiente sob a ótica dos custos de transação, é necessário perquirir se a real motivação da transação foi apenas tecnológica ou se houve um propósito anticoncorrencial, como a eliminação de um potencial rival. Nesse ponto, a análise se aproxima da chamada teoria das aquisições eliminatórias -killer acquisitions-, que questiona se determinadas aquisições visam inibir a concorrência antes que ela amadureça no mercado.

A fronteira entre uma estratégia legítima de crescimento empresarial e uma conduta de supressão da concorrência é tênue, e o que distingue o antídoto do veneno é, justamente, a dose. No contexto antitruste, essa "dose" pode ser traduzida pela presença de elementos subjetivos e objetivos que revelem a real intenção da operação: se houve, por exemplo, intenção deliberada de descontinuar inovações concorrentes ou de controlar o mercado por meio de aquisições sistemáticas. Assim, cabe às autoridades antitruste analisar não apenas os efeitos imediatos da transação, mas também os impactos potenciais sobre a estrutura de mercado e sobre a dinâmica inovativa.

No caso da Meta, a linha entre ganho de eficiência e supressão da concorrência torna-se ainda mais nebulosa quando se considera que o Instagram, mesmo sendo uma empresa nascente à época da aquisição, já demonstrava grande potencial disruptivo. A afirmação de que foi adquirido por possuir uma "melhor câmera" pode ser verdadeira sob o ponto de vista técnico, mas não afasta a necessidade de análise quanto à intencionalidade econômica e concorrencial do ato. Afinal, eliminar um concorrente promissor sob pretexto de ganhos tecnológicos pode representar uma distorção estrutural do mercado.

Portanto, embora a teoria de Coase forneça fundamentos relevantes para justificar aquisições com base na redução dos custos de transação, ela não pode ser usada como escudo absoluto diante das preocupações concorrenciais. A atuação regulatória deve ser capaz de discernir quando uma operação se insere em uma estratégia legítima de crescimento e quando configura uma prática de supressão da concorrência com efeitos deletérios ao ambiente inovador e competitivo. O caso da Meta reforça a urgência dessa análise multidimensional no contexto atual da economia digital.

Gabriel Gomes da Luz

Gabriel Gomes da Luz

Advogado. Mestrando em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Membro da Academia Brasileira de Direito Civil e Membro do Grupo de Estudos em Direito Societário.

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