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Hardship: A bala de prata no comércio internacional pós tarifaço

O tarifaço de Trump abala contratos internacionais, exigindo renegociação por imprevisão. A cláusula de hardship ganha destaque na proteção jurídica.

quarta-feira, 23 de abril de 2025

Atualizado às 09:51

Se nas guerras comerciais a primeira vítima é a economia precisamos ter presente seus efeitos nos contratos internacionais do comércio, aqueles celebrados entre empresários brasileiros e estrangeiros, nos mais variados setores das atividades empresariais afetados pelo tarifaço do presidente Donald Trump. 

As primeiras reações às novas tarifas são de caráter geopolítico. Entretanto, na prática dos negócios internacionais, quem vai pagar a conta final e arcar com os prejuízos são os empresários que importam e exportam, assim como aqueles que dependem dos produtos frutos dessas transações. 

Os contratos internacionais celebrados e em execução foram concluídos em condições conhecidas e razoavelmente presumidas que, neste momento, estão em xeque. A realidade após o tarifaço de Trump torna a execução dos contratos, se não todos, de boa parte deles, impossível de ser cumpridos, como inicialmente pactuados, ou excessivamente onerosos. Seja para o devedor, como também para o credor - que pode não ter mais interesse na compra da mercadoria ou na prestação do serviço, porque as condições de mercado (interno e internacional) mudou.

Nesses casos, à teoria da imprevisão que já se encontrava plenamente consolidada pela doutrina e jurisprudência brasileiras se associa a cláusula de "hardship", amplamente reconhecida na prática do comércio internacional, que não tinha regulamentação específica no Brasil até o advento do Novo CC/02. Este colocou o país em pé de igualdade negocial com os demais, especialmente os de tradição de "Common Law".

A "cláusula de hardship" pode estar expressa ou implícita no contrato e faculta às partes contratantes a rescindirem ou repactuarem o negócio quando um fato de terceiro, como o tal tarifaço, tornar impossível ou excessivamente difícil seu cumprimento, afastando a hipótese de descumprimento contratual por culpa de uma das partes - devedor ou credor.

Ao reconhecer a onerosidade excessiva do contrato para uma das partes, aquela prejudicada deverá informar tão logo possível à outra, convocando-a a negociar. Os homens de negócio costumam abrir negociações e preservar as relações comerciais e, mais pragmáticos, preferem repactuar as bases da transação a instaurar um litígio imediatamente.  

Contudo, na hipótese de não se atingir um novo acordo, capaz de acomodar os novos interesses e dar conta dos atuais riscos, o recurso será recorrer aos tribunais judiciais ou arbitrais, no Brasil ou fora dele.

Qualquer que seja o mecanismo resolutório, as partes contratantes, especialmente o devedor, encontrarão amparo tanto na legislação pátria quanto naquela internacional no sentido de restabelecer uma nova e equitativa distribuição dos riscos da variação econômica inesperada da prestação.

A guerra aberta pelo presidente dos Estados Unidos pode ser estúpida, mas os empresários não são.

Maristela Basso

Maristela Basso

Advogada, Profa. Direito Internacional da USP.

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