Direito Ambiental no STJ: As novas teses jurisprudenciais
Este texto aborda as novas teses jurisprudências do STJ sobre Direito Ambiental.
quarta-feira, 30 de abril de 2025
Atualizado às 09:29
Introdução
A proteção ambiental no Brasil é alicerçada sobre princípios constitucionais e normas infraconstitucionais que atribuem à sociedade e ao Estado o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações. Em sintonia com esse mandamento, o STJ, em sua edição das jurisprudências em teses publicada em 15/4/25, firmou importantes enunciados que reforçam a dogmática jurídica ambiental. O presente artigo analisa essas teses, comentando-as criticamente à luz da doutrina e da prática jurisprudencial.
1) O dano ambiental é intergeracional, pois impõe às gerações presentes o dever de solidariedade para com as futuras.
O reconhecimento da intergeracionalidade do dano ambiental encontra suporte direto no art. 225 da CF/88, que assegura o direito à qualidade de vida às presentes e futuras gerações. Como leciona Paulo Affonso Leme Machado, "o meio ambiente é uma ponte entre gerações, obrigando a atuação responsável do homem atual" (MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 62).
Este entendimento também se manifesta na ideia de "solidariedade intergeracional", que é um dos pilares do Direito Ambiental moderno, conforme ensinamentos de Édis Milaré, para quem a preservação ambiental é um dever jurídico que transcende gerações, constituindo-se em direito fundamental à sadia qualidade de vida (MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: a gestão ambiental em foco. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 101).
A intergeracionalidade impõe aos operadores do direito a necessidade de interpretar normas e aplicar sanções de forma prospectiva, pensando na sustentabilidade e na preservação dos recursos naturais para os não nascidos, o que demonstra a relevância desta tese jurisprudencial.
2) O poluidor transfere externalidades ambientais negativas para os vizinhos, a coletividade e as gerações futuras, com isso se apropriando dos lucros e terceirizando os custos sanitários, ecológicos, paisagísticos e culturais da atividade econômica. Por esse motivo, um dos objetivos principais do Direito Ambiental é inverter a lógica de individualismo extremado da poluição, de modo a fazer com que - por meio de instrumentos precautórios, preventivos, reparatórios e sancionatórios - o preço final de produtos e serviços reflita precisamente a realidade da degradação do patrimônio público, indispensável ao bem-estar e à sobrevivência da humanidade e da comunidade da vida.
A poluição como externalidade é um conceito econômico e jurídico consagrado, tendo sido amplamente discutido por José Rubens Morato Leite, ao afirmar que "o Direito Ambiental deve corrigir falhas de mercado, onde o poluidor socializa os custos e privatiza os benefícios" (LEITE, José Rubens Morato. Responsabilidade Civil por Dano Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 102).
O STJ reconhece essa distorção e, por isso, defende a internalização dos custos ambientais no preço dos produtos e serviços, em consonância com o princípio do poluidor-pagador. Tal princípio está consagrado no princípio 16 da declaração do Rio de Janeiro sobre meio ambiente e desenvolvimento (1992):
"As autoridades nacionais devem procurar promover a internalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, levando em conta o critério de que o poluidor deve, em princípio, arcar com o custo da poluição, tendo em vista o interesse público e sem distorcer o comércio e os investimentos internacionais."
O princípio 16 estabelece a diretriz de que o causador da poluição deve ser o responsável financeiro pela reparação dos danos ambientais, promovendo a internalização dos custos decorrentes da degradação ecológica. Esse entendimento visa impedir que os prejuízos ao meio ambiente sejam transferidos à coletividade, corrigindo falhas de mercado que antes permitiam a socialização dos prejuízos ambientais. No ordenamento jurídico brasileiro, esse princípio encontra respaldo na Política Nacional do Meio Ambiente, instituída pela lei 6.938 de 1981, que prevê a responsabilização do poluidor, buscando assegurar a efetividade da proteção ambiental.
A correta internalização dos custos é instrumento de justiça ambiental, pois impede que comunidades vulneráveis arquem com danos ambientais gerados por terceiros, reforçando a função social da atividade econômica prevista no art. 170, inciso III, da CF/88.
3) A responsabilidade civil por dano ambiental tem natureza reparatória e punitivo-pedagógica.
A responsabilidade ambiental vai além da simples reparação do dano, tendo também um caráter sancionatório e educativo. Segundo Édis Milaré, a função punitivo-pedagógica visa desestimular a reincidência de condutas lesivas ao meio ambiente (MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 11. ed. São Paulo: RT, 2015, p. 825).
Essa concepção está de acordo com a teoria do "full compensation" do direito comparado, que busca, além de reparar integralmente o dano, prevenir novos danos através de medidas pedagógicas e sanções.
O reconhecimento da dupla natureza da responsabilidade ambiental é essencial para efetivar o princípio da prevenção e da precaução, pilares da política nacional do meio ambiente (lei 6.938/1981).
4) A responsabilidade por danos ambientais é solidária entre todos os poluidores ou degradadores, diretos ou indiretos, assim o litisconsórcio passivo é facultativo.
A solidariedade passiva no dano ambiental está expressamente prevista no art. 14, §1º, da lei 6.938/1981, que consagra a responsabilidade objetiva, solidária e independentemente de culpa. Seguindo esse entendimento, todos os agentes causadores do dano respondem integralmente pela reparação.
Segundo Celso Antonio Pacheco Fiorillo, a solidariedade permite que o autor da demanda escolha contra quem demandar, não se exigindo litisconsórcio necessário (FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 351).
Portanto, o reconhecimento da solidariedade fortalece a efetividade da tutela ambiental, ao permitir a responsabilização plena dos degradadores sem prejuízo de eventuais ajustes internos entre os corresponsáveis.
5) O agente, ao causar ou assumir o risco de causar danos ambientais, tem o dever de reparar os danos causados e, em tal contexto, o ônus de provar que sua conduta não foi lesiva.
O princípio da inversão do ônus da prova no Direito Ambiental visa proteger o meio ambiente como interesse difuso. Dessa forma, caberá ao agente poluidor comprovar a inexistência de nexo causal ou a inexistência do dano.
Este entendimento é reforçado por Paulo de Bessa Antunes, para quem "a inversão do ônus da prova em matéria ambiental é corolário do princípio da precaução" (ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018, p. 259).
Essa diretriz prestigia o art. 225 da CF/88 e a necessidade de uma proteção ampla e efetiva do meio ambiente contra agressões de difícil comprovação para a coletividade.
6) A ausência ou impossibilidade de prova técnica não inviabiliza o reconhecimento do dano ambiental nas hipóteses em que o dano é notório.
O reconhecimento do dano ambiental, mesmo na ausência de prova técnica formal, é possível quando se tratar de fato notório. O art. 374, inciso I, do CPC, estabelece que não dependem de prova os fatos notórios, os afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária, aqueles admitidos no processo como incontroversos e os que constarem de documentos cuja autenticidade não seja impugnada. Essa regra, aplicável de maneira geral no processo civil, é igualmente válida nas ações de natureza ambiental.
A lógica do dispositivo legal é prestigiar a eficiência da prestação jurisdicional, evitando formalismos excessivos que prejudiquem a efetividade da tutela de direitos fundamentais. No campo ambiental, onde muitas vezes a agressão ao meio ambiente é evidente e amplamente conhecida da coletividade, o rigor na exigência de laudos técnicos pode comprometer a celeridade e a efetividade da reparação.
Conforme leciona Vladimir Passos de Freitas, "o dano ambiental pode ser reconhecido ex officio quando evidente e amplamente conhecido" (FREITAS, Vladimir Passos de. Crimes contra a Natureza. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018, p. 141). O jurista enfatiza que a notoriedade do dano autoriza o julgador a reconhecer de ofício a existência do prejuízo ecológico, sem a necessidade de submissão a prova pericial.
Admitir a necessidade obrigatória de prova técnica mesmo diante de fatos notórios implicaria retrocesso na proteção ambiental. A ausência de documentos técnicos formais não pode ser utilizada como subterfúgio para a absolvição dos responsáveis pela degradação, sob pena de violação ao princípio da efetividade da jurisdição e ao princípio da prevenção ambiental.
Portanto, a aplicação do art. 374, inciso I, do CPC, ao Direito Ambiental representa importante instrumento de tutela efetiva dos interesses difusos e coletivos, assegurando que a constatação empírica e coletiva do dano ambiental seja suficiente para ensejar a responsabilização dos causadores, em consonância com o dever constitucional de preservação do meio ambiente.
7) Configurado o dano ambiental, o dano moral coletivo é presumido, ou seja, independe de prova de dor, sofrimento, repulsa ou indignação da coletividade afetada.
A presunção do dano moral coletivo decorre do próprio desequilíbrio ambiental, que compromete o direito difuso ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Maria Celina Bodin de Moraes ensina que "o dano moral coletivo independe de demonstração de sofrimento individualizado, bastando a ofensa ao interesse difuso" (MORAES, Maria Celina Bodin de. A responsabilidade civil nas relações de consumo. 4. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 215).
Assim, ao ser constatado o dano ambiental, surge automaticamente a pretensão de indenização moral coletiva, instrumento essencial de desestímulo à degradação do meio ambiente.
8) O desmatamento e a exploração madeireira realizados sem licença ou autorização do órgão ambiental competente geram dano moral coletivo.
O desmatamento sem a devida licença é uma violação grave ao direito difuso ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, conforme previsto no art. 225 da CF/88. Tal conduta, ao afetar toda a coletividade, enseja o reconhecimento do dano moral coletivo, independentemente da comprovação de sofrimento individual.
Segundo Luiz Eduardo Figueira, "o meio ambiente é um bem de uso comum do povo, e sua degradação causa, por si só, dano imaterial à coletividade" (FIGUEIRA, Luiz Eduardo. A tutela do meio ambiente. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 184).
A jurisprudência do STJ confirma que o dano ambiental caracteriza simultaneamente o dano moral coletivo, dispensando a demonstração de prejuízo concreto à imagem ou honra da coletividade.
Assim, a exploração de recursos naturais sem observação da legalidade ambiental torna-se passível de reprimenda não apenas em esfera reparatória, mas também sancionatória e educativa.
9) A proteção legal às APPs - áreas de preservação permanente configura limitação administrativa ao direito de propriedade.
A limitação administrativa é um instrumento pelo qual o Estado impõe restrições ao exercício do direito de propriedade em benefício da coletividade, sem necessidade de indenização.
Conforme ensina Caio Mário da Silva Pereira, "a limitação administrativa decorre do poder de polícia e é compatível com a função social da propriedade" (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. IV. 24. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 202).
A proteção de APPs, portanto, não representa desapropriação nem restrição indenizável, mas imposição de deveres positivos ao proprietário em nome do interesse público.
O STJ reitera a importância da preservação das APPs como expressão da supremacia do interesse coletivo ambiental sobre o interesse individual patrimonial.
10) A proteção ao meio ambiente não diferencia área urbana ou rural, pois visa favorecer a qualidade de vida garantida pela CF, pelo Código Florestal e pela legislação ambiental.
A proteção ambiental é uno e indivisível, não podendo ser relativizada em razão da localização do bem natural afetado.
Antônio Herman Benjamin esclarece que "a tutela ambiental deve ser conferida tanto nas áreas urbanas quanto nas rurais, pois o meio ambiente é indivisível e essencial à sadia qualidade de vida" (BENJAMIN, Antônio Herman. Direito Ambiental das Cidades. São Paulo: RT, 2011, p. 77).
Assim, a ocupação irregular de APPs em áreas urbanas também deve ser combatida com o mesmo rigor aplicável às áreas rurais.
Essa compreensão impede interpretações restritivas que comprometam a efetividade do direito fundamental ao meio ambiente equilibrado garantido no art. 225 da CF/88.
11) Construções irregulares em área de preservação permanente devem ser demolidas e a área recuperada, mesmo em áreas urbanas consolidadas, pois não se aplica a teoria do fato consumado em tema de Direito Ambiental.
A chamada teoria do fato consumado, construída principalmente no âmbito do Direito Administrativo e Urbanístico, consiste na aceitação da manutenção de situações jurídicas consolidadas no tempo, ainda que inicialmente irregulares, em virtude da estabilidade fática, do decurso do tempo e da eventual consolidação social ou econômica. No entanto, no Direito Ambiental, essa teoria não encontra acolhida, tendo em vista a natureza indisponível e imprescritível dos bens ambientais.
A aplicação da teoria do fato consumado é expressamente rechaçada em matéria ambiental, pois o meio ambiente é bem de uso comum do povo, protegido pelo princípio da indisponibilidade do interesse público, consagrado no art. 225 da CF/88. A degradação ambiental constitui um ilícito permanente, cuja existência no tempo não legitima a sua continuidade nem convalida o dano ocorrido.
Nesse sentido, José Rubens Morato Leite ensina que "a degradação ambiental é um ilícito permanente, não passível de convalidação pelo simples decurso do tempo" (LEITE, José Rubens Morato. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2021, p. 315). Tal lição reforça a orientação jurisprudencial do STJ no sentido de que a permanência de construções irregulares em APPs - áreas de preservação permanente não pode ser admitida sob o argumento de consolidação fática.
Assim, as construções erigidas de forma irregular em áreas de preservação permanente devem ser demolidas, e as áreas respectivas devem ser integralmente restauradas ao seu estado natural, independentemente do tempo de ocupação e de eventual urbanização consolidada. A prevalência do princípio da função ecológica dessas áreas sobre interesses particulares impõe a recuperação ambiental como medida inafastável.
Tal orientação visa assegurar a efetividade do direito fundamental das presentes e futuras gerações a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, em estrita consonância com o art. 225 da CF/88, e reafirma o caráter prioritário da tutela ambiental frente a interesses patrimoniais privados.
13) A competência para a proteção ambiental é comum aos entes da federação e é permitida a atuação supletiva se o órgão inicialmente responsável pelo licenciamento ou pela autorização ambiental se omitir de fiscalizar ou o fizer de forma insuficiente.
A competência comum em matéria ambiental está prevista no art. 23, inciso VI, da CF/88, e detalhada pela LC 140/11.
Paulo de Bessa Antunes destaca que "a atuação supletiva busca impedir a omissão estatal na defesa do meio ambiente, garantindo a atuação responsável de qualquer dos entes federativos" (ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018, p. 174).
Assim, na hipótese de omissão ou fiscalização deficiente, outro ente federado pode intervir para assegurar a efetividade da proteção ambiental.
Tal entendimento visa concretizar o princípio da cooperação federativa e preservar a supremacia do interesse ambiental sobre conflitos de competência.
Conclusão
A análise das teses firmadas pelo STJ evidencia a consolidação de um Direito Ambiental comprometido com a efetividade da proteção dos direitos difusos e com a necessidade de preservação do meio ambiente para as presentes e futuras gerações. As decisões comentadas reafirmam princípios fundamentais como a solidariedade intergeracional, o poluidor-pagador e a função socioambiental da propriedade.
Verifica-se que o STJ valoriza o caráter preventivo e reparatório da responsabilidade civil ambiental, reconhecendo a natureza punitivo-pedagógica das sanções aplicadas. Destaca-se também o fortalecimento do dano moral coletivo como instrumento de reparação do desequilíbrio ambiental, conferindo maior amplitude à proteção jurisdicional.
Outro ponto relevante é o reconhecimento da atuação supletiva dos entes federativos em matéria ambiental, assegurando a prevalência da proteção ecológica sobre a inércia administrativa. Além disso, a reafirmação da impossibilidade de aplicação da teoria do fato consumado nas questões ambientais representa importante avanço na garantia da efetividade dos princípios constitucionais ambientais.
Em síntese, as teses analisadas demonstram o amadurecimento da jurisprudência ambiental do STJ, apontando para um sistema jurídico que reconhece a centralidade do meio ambiente para a dignidade da pessoa humana e a sobrevivência das espécies. A constante evolução desse entendimento é fundamental para que o Brasil cumpra seu papel no cenário internacional da proteção ambiental e para que o princípio do desenvolvimento sustentável seja uma realidade concreta.
__________
1 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018.
2 BENJAMIN, Antônio Herman. Direito Ambiental das Cidades. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
3 FIGUEIRA, Luiz Eduardo. A tutela do meio ambiente. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
4 FREITAS, Vladimir Passos de. Crimes contra a Natureza. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.
5 LEITE, José Rubens Morato. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2021.
6 LEITE, José Rubens Morato. Responsabilidade Civil por Dano Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2009.
7 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: a gestão ambiental em foco. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
8 MORAES, Maria Celina Bodin de. A responsabilidade civil nas relações de consumo. 4. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010.
9 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. IV. 24. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.


