MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Responsabilidade do Estado em caso de erros médicos

Responsabilidade do Estado em caso de erros médicos

Direito Constitucional. Direito Administrativo. Direito Civil. Direito Processual Civil.

quarta-feira, 30 de abril de 2025

Atualizado às 09:31

A atuação dos hospitais públicos brasileiros está sob os holofotes da opinião pública, especialmente em momentos de ocorrência de erro médico no âmbito do SUS - Sistema Único de Saúde. A ocorrência de quaisquer eventos danosos aos usuários de serviços prestados por profissionais vinculados a unidades estatais suscita um debate importantíssimo sobre a responsabilidade civil da Administração Pública em relação aos pacientes lesados. Nesse sentido, será a compreensão tanto da extensão quanto dos limites dessa responsabilidade que protegerá os direitos dos cidadãos e garantirá a gestão eficiente dos serviços de saúde.

Lopes (2021) afirma: "A responsabilidade do Estado na responsabilidade civil por erro médico em instituições públicas é especialmente tratada pelo ordenamento jurídico e pela jurisprudência brasileira". O fundamento desse dever de reparação se baseia na exigência de que o Estado ofereça assistência à saúde adequada e segura à população, dada a natureza prestacional do dever e o compromisso constitucional com a vida e a saúde. No entanto, ainda persiste controvérsia quanto ao regime de responsabilidade aplicável, principalmente no que se refere à comprovação de culpa do agente público ou à mera relação de causa e efeito entre o dano e o serviço público prestado.

A questão ganha ainda mais relevância devido ao crescente número de ações judiciais que incluem reivindicações essenciais contra hospitais, que são instituições públicas, por negligência ou incompetência, além de imprudência na prestação de serviços. Trata-se de um debate entre a necessidade de garantir os direitos dos pacientes, o devido processo legal e a consideração dos interesses e limitações do Estado. Dito isso, é essencial compreender os conceitos, tipos e consequências jurídicas da responsabilidade estatal por erros médicos à luz dos serviços públicos de saúde.

1. Regime jurídico da responsabilidade civil do Estado por erros médicos

Em regra, a responsabilidade do Estado por danos ocasionados em hospitais públicos pauta-se pelo disposto no art. 37, §6º, da CF/88, que prevê a responsabilidade objetiva da Administração quanto aos danos causados por seus agentes. Isso significa que, para a caracterização do dever de indenizar, não é necessária a comprovação de dolo ou culpa do agente, bastando a existência do nexo causal entre o atendimento e o dano sofrido pelo paciente (LOPES, 2021). Todavia, persistem debates na doutrina quanto à natureza dessa responsabilidade, tendo em vista a complexidade dos atos médicos e a própria organização do sistema de saúde.

Parece haver uma premissa a partir da qual decisões judiciais do CNJ tendem a declarar a responsabilidade do Estado, segundo Cabral e Silva Cruz (2025), caso se comprove, no caso concreto, falha estrutural do serviço, insuficiência de recursos mínimos ou omissão administrativa significativa. Nessas situações específicas, entende-se que o dano não é causado meramente pelo desempenho inadequado do profissional de saúde, mas sim pela falha geral em operar adequadamente o serviço público como um todo.

Por outro lado, quando a culpa é puramente do médico, ou seja, a colaboração do profissional por incompetência pessoal, negligência ou descuido, é entendimento de algumas doutrinas e tribunais que tais tipos de ações permitirão a responsabilidade subjetiva do Estado. Ou seja, em tais casos, um nexo de causalidade poderia ser estabelecido mais uma vez, juntamente com a demonstração de culpa profissional, mesmo que ele atue no âmbito de suas funções como agente do governo (Trindade, 2024). O entendimento comum é que a atividade médica é tão peculiar em termos de conteúdo técnico que uma aplicação pura da responsabilidade objetiva se torna difícil ou impossível.

De acordo com Sousa e Disconzi (2024) essa diferenciação é de suma importância para evitar uma sobrecarga da máquina pública com demandas em que, na verdade, o dano poderia decorrer de fatores inevitáveis ou imprevisíveis no ato terapêutico. Os autores ressaltam a importância de que o Estado, paralelamente ao dever de indenizar, desenvolva políticas de prevenção de erros, capacitação contínua dos profissionais e fiscalização efetiva dos serviços prestados à população.

Embora o ordenamento jurídico esteja estruturado para garantir o ressarcimento do paciente lesado pelo erro médico, é igualmente indispensável a garantia do direito de regresso do Estado contra o profissional responsável, quando for demonstrada a culpa ou dolo na conduta do agente. Esse mecanismo tem dupla função: protege os cofres públicos e estimula a responsabilidade individual dos servidores médicos, sem enfraquecer o acesso à justiça nem prejudicar a busca por uma medicina segura e de qualidade.

2. Implicações práticas e jurisprudenciais dos erros médicos na rede pública

Na prática, o número de ações judiciais por erro médico contra o SUS - Sistema Único de Saúde tem aumentado nos últimos tempos, suscitando discussões sobre os limites e critérios da responsabilidade civil do Estado. Lopes (2021) afirma que, do ponto de vista dos tribunais, o aspecto mais significativo para a análise desses casos é a demonstração do nexo de causalidade entre a conduta (ou omissão) estatal e o dano sofrido. Os juízes também levam em consideração a existência de condições estruturais adequadas, a disponibilidade de recursos humanos e materiais e a eventual culpa concorrente da vítima ou de terceiro.

Cabral e Silva Cruz (2025) destacam a crescente preocupação da jurisprudência em concretizar o direito fundamental à saúde, garantindo, assim, ampla proteção ao paciente no âmbito das relações médico-hospitalares públicas. Demonstram, contudo, que persistem importantes divergências quanto à quantificação dos danos morais e materiais e à necessidade de se estabelecer parâmetros claros para a avaliação dos valores da indenização.

No que se refere ao papel do profissional médico, Trindade (2024) aponta a necessidade de evitar uma análise simplista dos eventos danosos, reconhecendo as limitações e os riscos inerentes à atividade médica. Portanto, as decisões devem considerar os prontuários médicos, os protocolos clínicos e a análise pericial detalhada, antes de atribuir automaticamente ao Estado a responsabilidade por qualquer resultado indevido.

Sousa e Disconzi (2024) complementam o debate ao enfatizar que é fundamental o fortalecimento das rotinas de informação e consentimento do paciente. Garantir que o paciente esteja ciente dos procedimentos e riscos envolvidos é uma medida que protege tanto a instituição quanto os próprios profissionais de saúde, tornando o ambiente mais seguro e transparente.

Por fim, observa-se que, se por um lado, a previsão legal de responsabilidade objetiva facilita o acesso dos pacientes à reparação de danos, por outro, ela exige um esforço constante do Estado e das instituições públicas de saúde na melhoria da qualidade dos serviços, na capacitação das equipes e em uma atuação mais proativa na prevenção de erros. Afinal, o enfoque preventivo é sempre o mais eficaz quando se busca evitar tanto o sofrimento de pacientes quanto o aumento de litígios judiciais.

Considerações finais

Foi possível evidenciar a necessidade de equilíbrio entre a efetiva reparação dos danos aos pacientes e a preservação da autonomia e segurança jurídica dos profissionais de saúde. A atuação diligente do Estado, o fortalecimento das estruturas hospitalares e o investimento constante na qualificação dos quadros humanos são caminhos indispensáveis para a construção de um sistema de saúde público mais eficiente, responsável e sensível ao sofrimento humano.

A responsabilização estatal não deve ser vista apenas como mecanismo de compensação individual, mas também como uma ferramenta para o aprimoramento das políticas públicas de saúde. Garantir justiça aos pacientes lesados é, ao mesmo tempo, incentivar a prevenção, a contínua qualificação do serviço público e a construção de uma cultura de respeito à dignidade e aos direitos fundamentais no âmbito do SUS.

_________

1 CABRAL, Hildeliza Lacerda Tinoco Boechat; DA SILVA CRUZ, Maxwel Chaves. 'Erro médico'e'serviços de saúde': análise da responsabilidade civil na perspectiva do Conselho Nacional de Justiça. Revista IBERC, v. 8, n. 1, p. 136-168, 2025.

2 LOPES, Wesley Stenio. Erro Médico no Sistema Único de Saúde: Uma abordagem dogmática e Jurisprudencial acerca da responsabilidade civil do Estado. Revista de Direito UNIFACEX, v. 9, n. 1, p. 1-20, 2021.

3 SOUSA, Sofia Pereira; PRADO DISCONZI, Verônica Silva. Análise jurídica da responsabilidade civil médica em procedimentos estéticos: um estudo sobre negligência, erro médico e a proteção dos direitos dos pacientes. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, v. 10, n. 4, p. 1645-1659, 2024.

4 TRINDADE, João Bosco. Responsabilidade Civil na Atividade Médica: Anotações Técnicas. Viseu, 2024.

Vinícius Rodrigues Alves

Vinícius Rodrigues Alves

Escritor, Professor, Mestre em Segurança Pública, Direito Penal e Direitos Humanos pela Universidade de Salamanca - Espanha (Usal), Pós-Graduado em Ciências Criminais pela USP - Ribeirão Preto-SP.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca