Os "juristas da internet" e a denúncia do 8 de janeiro
O artigo é uma abordagem crítica sobre os " juristas da internet" e os acontecimentos do 8 de janeiro.
sexta-feira, 2 de maio de 2025
Atualizado às 11:24
Peço desculpas por falar em Direito. Na pós-modernidade, na internet, se diz qualquer coisa sobre qualquer coisa.
A propósito, há a influência das redes no discurso jurídico. Muito factoide. Pior: são as milícias digitais, não é? Aliás, já não basta a milícia, nas favelas, dominando territórios.
Não vi, não li e não gostei. Se você perguntar: cite três livros que fulano escreveu? A resposta será: não me lembro.
Pois é. Ler e estudar.
As redes sociais dão à palavra a todo mundo. Não quero dizer que é ruim. Não é isso. Mas, que aparecem os "especialistas em Direito" ou "juristas da internet".
Incrível: as pessoas falam, de tudo, sem nenhum conhecimento e como estivessem em uma conversa de bar.
Não importam os fatos. O que vale é a narrativa. Sim, é claro, que todos têm o sagrado direito fundamental à opinião.
Porém, com todo respeito e cordialidade: é uma opinião. Não dá para dormir e acordar jurista, não é? Como, também, não dá para acordar da noite para o dia, cardiologista. Ok?
Direito não é questão de opinião
Hoje, em tempos sombrios, precisamos de critérios. O Direito é ciência. O Direito não é um Flamengo x Corinthians.
O Direito vem para combater o arbítrio e, também, constranger a tolice. Torná-la vergonhosa.
A propósito, o jurista não poderá ser torcedor!
Assim como, o juiz nunca deve decidir com base no clamor público e midiático, e julgar segundo a sua consciência, ideologia ou porque a sociedade está pedindo mais punição.
Isso é vingança!
Senão, para que o devido processo legal? Para que a ciência do Direito? E a justiça, não importa?
Se o magistrado decide de acordo com a sua opinião, argumentos políticos, econômicos ou morais; isso já não é mais Direito. Pode ser qualquer outra coisa.
No regime democrático: não se cortam cabeças. Mas contam-se cabeças
Uma pausa: Na democracia cada um pode escolher a bandeira que quer levantar. No regime democrático, não se cortam cabeças. Mas contam-se cabeças. Cada um deve lutar por algo que acredita.
É direito do cidadão de participar da vontade nacional, pois na República, como forma de governo, a coisa é pública. De todos.
Daí a origem da palavra República= res (coisa) + pública (de todo mundo)
Contudo, não é um vale-tudo! Não se pode, por exemplo, atentar contra o Estado democrático de Direito:
"Constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático" (CF, art. 5º , XLIV)
Atuação de "juristas da internet"
Para entender os fatos graves, da tragédia do 8/1, que devem ser apurados na instrução processual, respeitando, é claro, os direitos fundamentais dos réus, é preciso sair da polarização política.
Os "juristas da internet", por exemplo, andam dizendo por aí que a decisão do STF em receber a denúncia em face do ex-presidente da República Jair Bolsonaro, sobre a suposta tentativa de golpe de Estado, foi, fundamentada, somente, na colaboração premiada do tenente-coronel Mauro Cid.
Pergunta: Será que os "juristas da internet" leram minimamente às 272 páginas da denúncia apresentada pelo procurador-geral da República?
A denúncia
Peço aos leitores paciência em analisar alguns argumentos apresentados, pelo PGR, que tornou réu Jair Bolsonaro. Vejamos:
"O termo inicial dos atos executórios pôde ser identificado, uma vez que a organização criminosa descera ao cuidado de documentar o seu projeto de retenção heterodoxa do Poder".
"Durante as investigações, foram encontrados manuscritos, arquivos digitais, planilhas e trocas de mensagem reveladores da marcha de ruptura da ordem democrática".
"Para melhor compreensão dos fatos narrados, convém recordar que, a partir de 2021, o presidente da República adotou crescente tom de ruptura com a normalidade institucional nos seus repetidos pronunciamentos públicos em que se mostrava descontente com decisões de tribunais superiores e com o sistema eleitoral eletrônico em vigor".
Em 22/3/21, poucos dias depois de Lula da Silva haver superado a causa de inelegibilidade, o grupo de apoio do então presidente da República, que formará o núcleo da organização criminosa, cogitou de o Presidente abertamente passar a afrontar e a desobedecer a decisões do STF, chegando a criar plano de contingenciamento e fuga de Bolsonaro, se a ousadia não viesse a ser tolerada pelos militares".
"O grupo registrou a ideia de "estabelecer um discurso sobre urnas eletrônicas e votações" e de replicar essa narrativa "novamente e constantemente", a fim de deslegitimar possível resultado eleitoral que lhe fosse desfavorável e propiciar condições indutoras da deposição do governo eleito".
"A organização também minudenciou, em texto, o seu propósito de descumprir decisões do Poder Judiciário contrárias aos seus desígnios".
"De acordo com o projeto traçado, seriam presos agentes públicos que executassem as ordens judiciais que fossem desautorizadas pelo Executivo, tornando nítido o ataque ao livre exercício dos poderes constitucionais".
"Em 29/7/21, Jair Bolsonaro deu curso prático ao plano de insurreição por meio de transmissão ao vivo das dependências do Palácio do Planalto pela internet. Retomou as críticas, embora vencidas, ao sistema eletrônico de votação e exaltou a atuação das Forças Armadas"
"A conexão entre os documentos de Augusto Heleno e Alexandre Ramagem confirmam que os múltiplos ataques disseminados por Jair Messias Bolsonaro ao processo eleitoral e às instituições democráticas, a partir do dia 29/7/21, não foram aleatórios e representavam a primeira etapa de um plano de permanência no poder com desprezo das estruturas constitucionais"
"Poucos dias após a live do dia 29/7/21, Jair Bolsonaro desferiu novos ataques ao sistema eleitoral, dando continuidade ao plano da organização criminosa".
"No dia 3/8/21, concedeu entrevista, amplamente replicada em diversos veículos de comunicação, e insinuou a tomada de medidas de força contra o Judiciário, evidentemente contra os seus tribunais de cúpula. Exclamou o que seria "um último recado para que eles entendam o que está acontecendo".
"Alguns fatos foram especialmente marcantes na trajetória de confrontos com os Poderes. Assim, durante os festejos cívicos de 7/9/21, em difundida alocução pública na cidade de São Paulo, o presidente, após se servir de palavras viperinas dirigidas ao ministro do STF Alexandre de Moraes deu a conhecer o seu propósito de não mais se submeter às deliberações provenientes da Suprema Corte, confiado no apoio que teria das Forças Armadas".
"Aproveitando-se do simbolismo da data cívica, o presidente da República tornou a atacar o sistema eletrônico de votação. Em seu pronunciamento na Avenida Paulista, declarou que "não poderia participar de uma farsa como essa patrocinada pelo TSE".
"Na ocasião, desferiu ataques ao ministro Roberto Barroso e, especialmente, ao ministro Alexandre de Moraes. Referindo-se ao Presidente do STF, ministro Luiz Fux, mal disfarçou a ameaça: "ou chefe desse Poder enquadra o seu ou esse Poder pode sofrer aquilo que não queremos, porque nós valorizamos, reconhecemos e sabemos o valor de cada Poder da República"
"As manifestações organizadas na data refletiam o êxito dos primeiros atos executórios.
"As faixas exibidas pelos manifestantes já pediam a intervenção militar, revelando a força da ação coordenada pelo grupo".
"Em seguida, ocorreu a reunião de 18/7/22 do presidente da República com embaixadores e representantes diplomáticos acreditados no país, conduzida para verbalizar as conhecidas e desmentidas acusações sobre fraudes, por meio de truques informáticos, em vias de serem cometidas no pleito vindouro".
"A Polícia Rodoviária Federal foi levada a realizar aí operações, visando a dificultar o acesso tempestivo dos eleitores cadastrados a essas zonas eleitorais".
"O inquérito expõe que, em novembro de 2022, oficiais do Exército, atuaram para pressionar o Comandante do Exército e o Alto Comando, formulando cartas e agitando colegas em prol de ações de força no cenário político, tudo para impedir que o candidato eleito Lula da Silva assomasse ao Palácio do Planalto. Visava-se manter no Poder o então presidente Bolsonaro".
"A denúncia reporta num dos seus capítulos que certo general de excepcional prestígio na Arma, que comandava batalhão de kids pretos, chegou a assumir, perante o presidente da República, que, se este assinasse ato formal de rebeldia contra a ordem constitucional, ele o apoiaria, a significar que estaria disposto posicionar o Exército em modo apto para consumar o golpe".
"Foram concebidas minutas de atos de formalização de quebra da ordem constitucional".
"O presidente da República à época chegou a apresentar uma delas, em que se cogitava da prisão de dois ministros do STF e do presidente do Senado Federal".
"Mais adiante, numa revisão, concentrou a providência na pessoa do ministro presidente do TSE. O ministro da Defesa também reuniu os comandantes militares para lhes propor ato consumativo de golpe, obtendo a adesão do comandante da Marinha e a recusa dos comandantes das outras duas Armas".
"Os membros da organização criminosa estruturaram, no âmbito do Palácio do Planalto, plano de ataque às instituições, com vistas à derrocada do sistema de funcionamento dos Poderes e da ordem democrática, que recebeu o sinistro nome de "Punhal Verde Amarelo".
"O plano foi arquitetado e levado ao conhecimento do presidente da República, que a ele anuiu, ao tempo em que era divulgado relatório em que o Ministério da Defesa se via na contingência de reconhecer a inexistência de detecção de fraude nas eleições".
"O plano se desdobrava em minuciosas atividades, requintadas nas suas virtualidades perniciosas. Tinha no STF o alvo a ser "neutralizado". Cogitava do uso de armas bélicas contra o Ministro Alexandre de Moraes e a morte por envenenamento de Luiz Inácio Lula da Silva".
"Outros planos encontrados na posse dos denunciados se somaram a este. Neles se buscava o controle total sobre os três Poderes; neles se dispunha sobre um gabinete central (...) se encerrava com esta expressiva frase: "Lula não sobe a rampa".
"Os planos culminaram no que a organização criminosa denominou de Operação Copa 2022, dotada ela mesma de várias etapas. A expectativa era a de que a Operação criasse comoção social capaz de arrastar o Alto Comando do Exército à aventura do golpe".
"No dia 15/12/22, os operadores do plano, com todos os preparativos completos, somente não ultimaram o combinado, por não haverem conseguido, na última hora, cooptar o comandante do Exército'
"A frustração dominou os integrantes da organização criminosa que, entretanto, não desistiram da tomada violenta do poder nem mesmo depois da posse do presidente da República eleito. As campanhas pela intervenção militar prosseguiram com o alento e orientação da organização".
"A última esperança da organização estava na manifestação de 8/1. Os seus membros trocavam mensagens, apontando que ainda aguardavam uma boa notícia. A organização incentivou a mobilização do grupo de pessoas em frente ao Quartel General do Exército em Brasília, que pedia a intervenção militar na política".
"A natureza estável e permanente da organização criminosa é evidente em sua ação progressiva e coordenada, que se iniciou em julho de 2021 e se estendeu até janeiro de 2023. As práticas da organização caracterizaram-se por uma série de atos dolosos ordenadas à abolição do Estado Democrático de Direito e à deposição do governo legitimamente eleito "
Conclusão
O artigo abrange um tema relevante e atual, discutindo a atuação de "juristas da internet" em relação aos eventos do 8/1.
Há uma distinção entre opinião e ciência do Direito, o que reforça a importância do conhecimento especializado.
A crítica à politização do Direito é pertinente, principalmente em tempos de polarização política, e destaca a necessidade de uma abordagem técnica-jurídica e racional.
A denúncia em relação ao ex-presidente Jair Bolsonaro aprofunda a discussão e traz dados concretos.
Ou seja, o 8/1, não foi uma baderna. Não eram velhinhas com a Bíblia na passeando em Brasília.
Estava tudo dentro das quatro linhas da Constituição. A resposta só pode ser: não, não e não!
Escapamos de um golpe de Estado. O povão na rua servindo de bucha de canhão ao projeto de implantar uma ditadura.
O que aconteceu em 8/1 não tem perdão. Não tem anistia! Não se pode colocar panos quentes na História.
Golpista merecem cadeia! Réus ilustres podem ir para o xadrez!
Cabe, agora, o Ministério Público Federal provar por a + b , na instrução processual, com direito ao contraditório e à ampla defesa, de que os réus são culpados.
Vale lembrar de que, na fase da ação penal, sem o trânsito em julgado, pelo mandamento constitucional, há a presunção de inocência.
Uma palavras final: A luta pela democracia e defesa do Estado democrático de Direito é dever de todos nós!
É uma questão de cidadania!


