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Governança jurídica: Estruturando sociedades de advogados com visão empresarial

Como a governança jurídica pode transformar sociedades de advogados, unindo gestão estratégica, segurança institucional e valorização da ética profissional.

quarta-feira, 30 de abril de 2025

Atualizado às 13:41

Em um cenário jurídico cada vez mais competitivo e profissionalizado, a adoção de práticas de governança nas sociedades de advogados deixou de ser um diferencial para se tornar um imperativo estratégico. Estruturas centralizadas e informais, baseadas exclusivamente na figura dos sócios-fundadores, embora funcionais em um passado recente, hoje revelam-se muitas vezes incompatíveis com a complexidade da gestão contemporânea. É nesse contexto que a governança jurídica surge não apenas como uma tendência, mas como um instrumento essencial para assegurar eficiência, transparência e perenidade institucional.

Importa destacar, desde logo, que adaptar os conceitos de governança corporativa ao universo da advocacia requer sensibilidade. Não se trata de uma simples importação de modelos empresariais, o que seria um equívoco. Ao contrário, trata-se de construir mecanismos próprios de decisão, controle e responsabilidade, cuidadosamente ajustados à singularidade da atividade jurídica. Pautada em pilares como pessoas, propósito, processos e performance, a governança permite organizar a atuação interna dos escritórios sem comprometer a autonomia técnica do advogado, que permanece um valor inegociável da profissão.

Na prática, a ausência de estrutura formal pode gerar consequências significativas. Não são incomuns, por exemplo, os conflitos societários mal resolvidos, decisões centralizadas em poucas mãos, ausência de critérios objetivos para progressão de carreira e distribuição de lucros desiguais. Nesse sentido, instrumentos como regimentos internos, códigos de conduta, comitês de gestão e cláusulas contratuais claras deixam de ser burocracias para se transformarem em verdadeiros pilares de estabilidade. Disposições como "a admissão de novos sócios dependerá de deliberação por maioria qualificada" ou "a distribuição de lucros observará critérios previamente estabelecidos em assembleia" são exemplos práticos de como incorporar boas práticas ao cotidiano societário, sem desvirtuar a essência colaborativa da advocacia.

Por muito tempo, argumentava-se que não havia norma jurídica específica que tratasse da governança em sociedades de advogados. Entretanto, essa lacuna foi em grande parte suprida com a edição do provimento 207/21 do Conselho Federal da OAB, que instituiu diretrizes sobre governança, gestão e fiscalização no âmbito das sociedades de advocacia. O provimento traz princípios como transparência, integridade, responsabilidade, equidade e incentiva práticas internas que contribuam para o aprimoramento institucional, a eficiência na entrega dos serviços jurídicos e, sobretudo, o fortalecimento da cultura ética da advocacia.

A jurisprudência, por sua vez, tem valorizado esses mecanismos de forma crescente. Tribunais têm reconhecido a eficácia normativa de acordos internos, regimentos e cláusulas de governança na solução de litígios entre sócios. Isso demonstra que, mesmo sem imposição legal rígida, a cultura de governança já começa a ser absorvida e valorizada como meio eficaz de prevenção de riscos e pacificação interna.

Diante disso, a governança jurídica representa muito mais do que um modismo passageiro. Trata-se de um passo necessário rumo à longevidade institucional, à previsibilidade nas relações internas e à excelência técnica e administrativa. Profissionalizar a gestão, alinhar expectativas e consolidar uma cultura organizacional voltada ao futuro não é apenas possível, mas desejável, sobretudo em um mercado que exige cada vez mais visão estratégica e compromisso ético. A verdadeira força de uma sociedade de advogados está em sua capacidade de conjugar visão empresarial com os princípios fundamentais da advocacia. E é exatamente isso que a governança jurídica bem implementada torna viável.

Kelly Viana

VIP Kelly Viana

Advogada e CEO do KASV Advocacia Empresarial, escritório comprometido em desenvolver estratégias jurídicas inovadoras e seguras para potencializar o crescimento de negócios e reduzir riscos legais.

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