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Tutela jurídica das pessoas com transtorno do espectro autista

Abordamos, em breve notícia, os direitos dos autistas, na esperança de que os mesmos sejam exercidos e respeitados por toda sociedade.

quarta-feira, 30 de abril de 2025

Atualizado às 15:14

1. Introdução

TEA - Transtorno do Espectro Autista é uma condição neurobiológica que afeta o desenvolvimento cognitivo, social e comportamental de uma pessoa, sendo diagnosticado, em geral, na primeira infância.

A inclusão e a garantia de direitos das pessoas com TEA têm sido um tema relevante nas discussões sobre direitos humanos e políticas públicas no Brasil e no mundo. O presente artigo visa analisar, em breve notícia, a tutela jurídica das pessoas com espectro autista, com ênfase na legislação brasileira, destacando as leis 12.764/12 e 13.146/15, e o impacto de legislações internacionais sobre o direito à inclusão e acessibilidade dessas pessoas.

2. A legislação brasileira sobre o autismo

No Brasil, a tutela jurídica das pessoas com TEA foi estabelecida de forma explícita pela lei 12.764/12, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Essa lei assegura direitos como a inclusão social e a educação de crianças com TEA, além de promover medidas de adaptação no mercado de trabalho e no atendimento em serviços de saúde e assistência.

A lei 13.146/15, conhecida como lei brasileira de inclusão da pessoa com deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), também é relevante, pois amplia os direitos das pessoas com TEA ao incluir no texto legal as necessidades de acessibilidade, igualdade e inclusão social. Esta lei assegura, por exemplo, o direito à educação, à saúde e à assistência social de qualidade, além de reforçar a proteção contra qualquer tipo de discriminação.

São os principais direitos da pessoa autista:

  1. Prioridade no atendimento e no acesso aos serviços públicos e privados;
  2. Acesso a serviços de saúde, com diagnóstico precoce, atendimento multiprofissional, tratamento, terapias e medicamentos pelo SUS;
  3. Acesso à educação e ao ensino profissionalizante;
  4. Acesso ao mercado de trabalho e à previdência social;
  5. Receber benefícios assistenciais, como o BPC-LOAS;
  6. Ensino inclusivo, com proibição de distinção nos valores das mensalidades, anuidades matrículas nos estabelecimentos de ensino particulares, em razão de condição como autista;
  7. Acompanhante especializado nas classes comuns de ensino regular, em casos de comprovada necessidade;
  8. Ciptea - Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, com vistas a garantir atenção integral, pronto atendimento e prioridade no atendimento;
  9. Isenção de impostos na compra de automóvel zero (o benefício também é válido para os responsáveis pelas pessoas que se encaixam nessa condição);
  10. Gratuidade no transporte interestadual à pessoa autista que comprove renda de até dois salários mínimos;
  11. Não ser impedida de participar de planos privados de assistência à saúde em razão de sua condição de pessoa com deficiência;
  12. Jornada de trabalho especial para pais de filhos com TEA que sejam servidores públicos federais (o benefício também pode ser estendido aos trabalhadores com carteira assinada, mesmo que não haja lei que permita expressamente a redução da jornada sem redução salarial, mediante requerimento judicial).

Complementando o item 2 - especificamente no campo da saúde - as pessoas autistas têm direito a um tratamento multidisciplinar contínuo, que inclui: Psicoterapia (com psicólogos e/ou psiquiatras); Terapia Ocupacional; Fonoaudiologia; Fisioterapia; Terapia ABA - Applied Behavior Analysis, quando indicada; Musicoterapia e outros tratamentos complementares, se recomendados.

O tratamento não deve ser limitado por quantidade de sessões mensais, desde que haja prescrição médica fundamentada.

A recusa do tratamento sob o argumento de que não consta no contrato ou no rol da ANS tem sido considerada abusiva pelo STJ (REsp 1.733.013) e a coparticipação excessiva ou qualquer cobrança extra indevida pode ser contestada judicialmente.

A compreensão de nossos tribunais ainda prevê que as operadoras ou seguradoras de saúde são obrigadas a promover a cobertura de terapias indicadas por médico assistente e os mesmos acabam por conceder tutela de urgência para início imediato do tratamento, não se olvidando o deferimento de indenização por danos morais em casos de negativa injustificada.

Ainda, em nosso SUS a criança ou pessoa com TEA tem direito a atendimento prioritário e especializado no Sistema Único de Saúde, incluindo o acesso a serviços de reabilitação; agilidade no diagnóstico precoce e atendimento por equipe multidisciplinar.

O Ministério da Saúde reforça o dever da atenção primária em identificar precocemente sinais de TEA e encaminhar para tratamento adequado.

Oportuno reforçar que de acordo com a  acordo com a lei brasileira de inclusão, pessoas com TEA têm direito a acompanhante em tempo integral em internações hospitalares, independentemente da idade, sem custos adicionais.

Quanto aos medicamentos, muitos pacientes com TEA necessitam de medicamentos psicotrópicos ou para comorbidades. O SUS é obrigado a fornecer gratuitamente: Risperidona; Quetiapina; Fluoxetina, entre outros, conforme protocolo clínico. Caso haja recusa administrativa, é possível buscar o medicamento judicialmente com base no direito à saúde (art. 196 da CF/88).

Por fim, importa convocar atenção à lei 13.977/20 (lei Romeo Mion) por força da qual criou-se a Ciptea Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, a qual facilita a identificação em situações em que seja necessário comprovar o transtorno, agilizando o acesso a serviços e garantindo que os direitos previstos na legislação sejam respeitados. Para obtê-la, é preciso verificar as regras e a forma de emissão junto aos órgãos estaduais ou municipais responsáveis.

3. A legislação internacional sobre os direitos das pessoas com TEA

Diversos países adotaram legislações que garantem os direitos das pessoas com TEA, com destaque para a legislação estadunidense e canadense. Nos Estados Unidos, a ADA -  "Americans with Disabilities Act", de 1990, e o IDEA - "Individuals with Disabilities Education Act" garantem direitos fundamentais para as pessoas com deficiência, incluindo aquelas com TEA. A ADA assegura direitos de acessibilidade e inclusão em locais públicos e privados, enquanto o IDEA garante o direito à educação especializada e adaptação curricular para alunos com TEA.

O Canadá também tem legislação robusta sobre inclusão, como a "Accessible Canada Act" de 2019, que visa eliminar barreiras para pessoas com deficiência em diversos setores, incluindo educação e emprego. Além disso, o país possui o "Ontario Accessibility Act" para garantir a acessibilidade das pessoas com deficiência no Estado de Ontário.

Na Europa, a Espanha aprovou a "Ley General de derechos de las personas con discapacidad y de su inclusión social", que garante direitos de inclusão social e educação para pessoas com TEA, e a "Equality Act 2010" do Reino Unido assegura a igualdade de tratamento e proteção contra discriminação para pessoas com deficiência, incluindo o TEA.

4. Quadro comparativo das legislações

A seguir, apresentamos um quadro comparativo entre a legislação brasileira e algumas das legislações estrangeiras mencionadas:

5. Conclusão

A análise das legislações brasileiras e internacionais revela avanços importantes no que tange à proteção dos direitos das pessoas com TEA. No Brasil, a criação de leis específicas, como a lei 12.764/22, lei 13.146/15 e lei 13.977/20, evidencia a preocupação do Estado em garantir a inclusão social e a igualdade de oportunidades para as pessoas com TEA. A comparação com outras legislações internacionais, como as do Canadá, Espanha, Estados Unidos e Reino Unido demonstra que o Brasil tem avançado nas políticas de acessibilidade e inclusão, embora haja desafios pela frente, especialmente em relação à efetivação dos direitos e à integração plena da pessoa com TEA em todos os setores da sociedade.

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BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

BRASIL. Lei 12.764, de 27 de dezembro de 2012. Institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 2, 28 dez. 2012.

BRASIL. Lei 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 2, 7 jul. 2015.

CANADA. Accessible Canada Act. S.C. 2019, c. 10. Disponível em: https://laws-lois.justice.gc.ca/eng/acts/A-0.6/. Acesso em: 28 abr. 2025.

ESPAÑA. Ley General de derechos de las personas con discapacidad y de su inclusión social. Ley 1/2013, de 29 de noviembre. Boletín Oficial del Estado, Madrid, n. 289, p. 95635-95673, 3 dez. 2013. Disponível em: https://www.boe.es/eli/es/l/2013/11/29/1.  Acesso em: 28 abr. 2025.

HUMAN RIGHTS COMMISSION OF CANADA. About the Accessible Canada Act. Disponível em: https://www.chrc-ccdp.gc.ca/individuals/accessibility/about-accessible-canada-act. Acesso em: 28 abr. 2025.

HUFFPOST ESPAÑA. Este es el momento en que cambia la palabra 'minusválido' por 'persona con discapacidad' en la Constitución Española. HuffPost, 2024. Disponível em: https://www.huffingtonpost.es/sociedad/este-momento-cambio-palabra-minusvalido-persona-discapacidad-constitucion-espanola.html. Acesso em: 28 abr. 2025.

MÉXICO. Ley General para la Inclusión de las Personas con Discapacidad. Publicada no Diário Oficial de la Federación, em 30 maio 2011. Disponível em: http://www.diputados.gob.mx/LeyesBiblio/pdf/LGIPD.pdf. Acesso em: 28 abr. 2025.

ONTARIO. Accessibility for Ontarians with Disabilities Act, 2005. Disponível em: https://www.ontario.ca/laws/statute/05a11.  Acesso em: 28 abr. 2025.

UNITED KINGDOM. Equality Act 2010. Disponível em: https://www.legislation.gov.uk/ukpga/2010/15/contents.. Acesso em: 28 abr. 2025.

UNITED STATES. Americans with Disabilities Act of 1990. Public Law 101-336, 104 Stat. 327.Disponível em: https://www.ada.gov/.. Acesso em: 28 abr. 2025.

UNITED STATES. Individuals with Disabilities Education Act of 2004. Public Law 108-446, 118 Stat. 2647. Disponível em: https://sites.ed.gov/idea/.  Acesso em: 25 abr. 2025.

VERYWELL FAMILY. What Is the Individuals with Disabilities Education Act (IDEA)? Disponível em: https://www.verywellfamily.com/what-is-idea-3106870.  Acesso em: 27 abr. 2025.

VERYWELL HEALTH. Americans with Disabilities Act (ADA). Disponível em: https://www.verywellhealth.com/americans-with-disabilities-act-5220487.  Acesso em: 26 abr. 2025.

WIKIPÉDIA. Equality Act 2010. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Equality_Act_2010.  Acesso em: 25 abr. 2025.

WIKIPÉDIA. Ley General para la Inclusión de las Personas con Discapacidad. Disponível em: https://es.wikipedia.org/wiki/Ley_General_para_la_Inclusi%C3%B3n_de_las_Personas_con_Discapacidad. Acesso em: 28 abr. 2025.

12 direitos que a pessoa com autismo possui em: 12 direitos que a pessoa com autismo possui | Jusbrasil. Acesso em: 25 abr. 2025.

Fernando Borges Vieira

Fernando Borges Vieira

Sócio Nominal de Fernando Borges Vieira Sociedade de Advogados, Mestre em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, membro da ABDB - https://linktr.ee/FBVSocAdv.

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