MPF, AGU e CGU assinam acordo que finalmente prevê a atuação conjunta dos órgãos no âmbito da celebração de acordos de leniência
Novo ACT entre CGU, AGU e MPF busca unificar acordos de leniência, ampliando segurança jurídica e fortalecendo a atuação coordenada anticorrupção.
sexta-feira, 2 de maio de 2025
Atualizado em 30 de abril de 2025 14:10
Em 25/4/25, a CGU - Controladoria-Geral da União, a AGU - Advocacia-Geral da União e o MPF - Ministério Público Federal celebraram um ACT - Acordo de Cooperação Técnica que estabelece procedimentos e diretrizes de operacionalização da atuação interinstitucional na negociação, celebração e execução de acordos de leniência com empresas envolvidas em atos ilícitos no âmbito da lei 12.846/13 ("LAC").
O instrumento visa aprimorar a segurança jurídica, a previsibilidade e a eficiência na seara da celebração de acordos de leniência, trazendo avanços significativos no combate à corrupção. É marco relevante, especialmente, pois surge em resposta à necessidade da revitalização das práticas de cooperação institucional e da restauração da confiança privada na instrumentalização das soluções consensuais previstas pela LAC.
Delimita-se, assim, com mais clareza os papéis das instituições envolvidas, fixando parâmetros comuns de atuação e preservando a autonomia de cada órgão.
A expectativa é que, finalmente, seja estabelecido o tão almejado "balcão único" para negociação dos acordos, trazendo maior segurança jurídica aos celebrantes, após diversas tentativas realizadas no passado, em especial quando da celebração do acordo de cooperação técnica em agosto de 2020, sob a coordenação do STF, que teve como objetivo unificar a atuação dos principais órgãos de controle e responsabilização - notadamente, a CGU, a AGU, o TCU - Tribunal de Contas da União e o Ministério da Justiça - em torno de parâmetros comuns para acordos de leniência1. À época, o MPF decidiu não aderir ao acordo sob a justificativa de que o texto esvaziaria a atuação do Parquet nas negociações.
Com efeito, o novo ACT tem potencial para superar antigas disputas institucionais e favorecer o combate à corrupção mais coordenado e efetivo. A celebração desse ACT é, portanto, uma novidade relevante não apenas pela formalização da cooperação interinstitucional, mas também pela reafirmação do compromisso dos três órgãos em fortalecer os instrumentos de responsabilização, com respeito ao devido processo legal, preservação da segurança jurídica e racionalização dos mecanismos de sanção e reparação de danos.
Vale mencionar, ainda, que a celebração do ACT poderá ter reflexos nas renegociações dos acordos de leniência oriundas da ADPF - Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 1.051, em trâmite no STF.
Objetivo do ACT
O objetivo principal do ACT é a delimitação de procedimentos de atuação coordenada entre a CGU, AGU e o MPF na celebração e condução de acordos de leniência. Referida cooperação, por sua vez, deverá ser institucionalizada por cada parte signatária do ACT conforme as finalidades previstas em seu texto, com destaque para:
- Evitar sobreposição de sanções (bis in idem) e divergências nas exigências impostas às colaboradoras, a fim de fomentar a previsibilidade e segurança jurídica;
- Estabelecer diretrizes padronizadas para o cálculo de multas e valores pagos a título de ressarcimento e restituição de vantagem indevida;
- Definir parâmetros comuns para a avaliação de programas de integridade;
- Padronizar protocolos de sigilo e intercâmbio de informações;
- Garantir que o processo negocial preserve a previsibilidade e integridade das empresas colaboradoras.
Em regra, a celebração de acordos de leniência deverá ocorrer de forma coordenada e conjunta entre a CGU, a AGU e o MPF, que atuarão com base nos parâmetros estabelecidos no ACT em todas as fases até a finalização do cumprimento do acordo.
Nos termos da cláusula 4ª do ACT, a atuação conjunta será operacionalizada por unidades especializadas de cada instituição signatária, quais sejam, a DAL - Diretoria de Acordos de Leniência da CGU, a PNPRO - Procuradoria Nacional da União de Patrimônio Público e Probidade da AGU, e a 5ª CCR - 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF.
Salienta-se, contudo, que tal previsão não sinaliza que todos os acordos, a partir deste momento, serão celebrados com os três órgãos. Isto pois, nos termos da cláusula 1.2 do ACT, caso não seja possível a atuação coordenada, as instituições ainda poderão se valer do instrumento de solução consensual em seus respectivos âmbitos institucionais, assegurada a autonomia de cada órgão e preservadas suas competências constitucionais e legais.
De todo modo, em respeito à própria finalidade do instrumento, as medidas adotadas por cada órgão na celebração de acordos exclusivos à sua instituição deverão ser comunicadas aos demais signatários do ACT.
Coordenação interinstitucional e racionalização de procedimentos
Um dos aspectos mais expressivos introduzidos pelo ACT é a institucionalização de fluxos coordenados de negociação, que buscam corrigir problemas históricos no tratamento dos acordos de leniência.
A ausência de diretrizes de atuação conjunta das instituições competentes para celebração de acordos de leniência, nos termos da LAC e do decreto 11.129/22, por diversas vezes resultou na aplicação de sanções e cumprimento de exigências em duplicidade, bem como em divergências no cálculo de valores pagos pela empresa colaboradora, a título de multa ou ressarcimento.
Neste contexto, tinha-se - inclusive em desfavorável crescente nos últimos anos - a desconfiança e ausência de incentivo para empresas, investigadas no âmbito da LAC, colaborarem com as autoridades competentes e, em consequência, o enfraquecimento do instrumento negocial do acordo de leniência.
Positivamente, a formalização de protocolo que prevê a atuação conjunta, mediante delimitação de prazos, responsabilidades claras e fluxos de comunicação interinstitucional, tem o condão de diminuir significativamente tais riscos.
Nesse sentido, CGU, AGU e MPF se comprometem a envidar máximos esforços para que os acordos de leniência previstos na LAC, no âmbito do Poder Executivo Federal, sejam negociados e celebrados de forma coordenada.
Metodologia comum para cálculo de multa e ressarcimento
Outro avanço importante é representado pelo evidente compromisso com a adoção de uma metodologia unificada para o cálculo de multas, valores de ressarcimento e das vantagens indevidamente obtidas.
Historicamente, divergências entre as metodologias adotadas por diferentes órgãos para o cálculo de multas e valores a serem pagos a título ressarcitório geravam incerteza e imprevisibilidade nas negociações. Agora, a uniformização dos critérios busca criar maior segurança para as empresas interessadas em colaborar.
Segundo a cláusula 8ª, os órgãos deverão envidar esforços a fim de elaborar metodologia comum, a ser amplamente divulgada, para avaliação e dosimetria dos valores devidos nos acordos de leniência, o que representa avanço em termos de transparência, previsibilidade e segurança jurídica.
Proteção ao sigilo e intercâmbio de informações prestadas em colaboração pela empresa leniente
O ACT também traz importantes previsões sobre a proteção do sigilo e compartilhamento seguro de informações.
Exige-se, com o novo protocolo2, a implementação institucional de procedimentos internos rigorosos de modo a limitar o acesso a dados sensíveis apenas a servidores diretamente envolvidos nas negociações. Mais, o ACT estabelece a necessidade de célere comunicação entre CGU, AGU e MPF, sempre que uma empresa solicitar a abertura de tratativas para acordo, ressalvadas hipóteses de sigilo judicial ou medidas cautelares.
Assim, o estabelecimento de diretrizes para o controle do intercâmbio de informações, entre as instituições signatárias, sinaliza evidente compromisso do MPF, da AGU e da CGU em diminuir o sentimento - atualmente patente - de desconfiança por empresas em colaborarem com a prestação de informações sobre os ilícitos cometidos, bem como em prevenir a exposição desnecessária da empresa colaboradora a riscos reputacionais indevidos.
Reconhecimento da autonomia do MPF
O novo ACT reconhece, de maneira inequívoca, a autonomia do MPF para celebrar acordos de leniência no seu respectivo âmbito institucional. Tal reconhecimento, contudo, desde o surgimento do instrumento negocial do acordo de leniência no Brasil, nunca foi objeto de entendimento uniforme na seara anticorrupção brasileira.
Muito pelo contrário, talvez a maior crítica às previsões legais do microssistema de combate à corrupção resuma-se, essencialmente, na ausência de competência legal do Ministério Público Federal para aplicação de sanções dispostas na LAC, e os desdobramentos decorrentes da assunção de posição "isolada" em relação aos demais entes competentes.
Referida atuação, até então, decorreu somente da interpretação extensiva das prerrogativas de função previstas na CF/88 pelo Parquet.
Nesse contexto, tal reconhecimento é especialmente relevante às questões controvertidas sobre a competência do MPF para atuar nessa seara. A celebração do ACT, com previsão explícita de autonomia ministerial, pode representar um reconhecimento da influência do MPF no controle da corrupção, não apenas na esfera penal, mas também nas esferas cível e administrativa.
Avaliação de programas de integridade sob responsabilidade da CGU
A avaliação dos programas de integridade das empresas colaboradoras ficará sob responsabilidade principal da CGU, nas negociações coordenadas, conforme prevê a cláusula 6.7 do ACT. Face à expertise técnica da Controladoria em matéria de integridade corporativa, compliance e governança pública, tal medida resta tecnicamente adequada e acertada.
Por meio de iniciativas de promoção de integridade pública e privada, como o Programa Empresa Pró-Ética e o Pacto Brasil pela Integridade Privada3, a CGU elaborou, nos últimos anos, diversas diretrizes e orientações destinadas às organizações brasileiras (e estrangeiras) interessadas em estabelecer uma cultura organizacional de integridade, por meio da implementação de medidas em programa específico no âmbito corporativo.
Com isso, espera-se que as avaliações de programas de integridade sejam conduzidas pela Controladoria com maior profundidade técnica, padronização de critérios e respeito às boas práticas internacionais de compliance.
Potenciais limitações e pontos de atenção
Apesar dos avanços, mister reconhecer que o novo protocolo não elimina todos os riscos e dificuldades envolvidos nos acordos de leniência no Brasil. É dizer, a efetividade da coordenação depende de uma cultura real de cooperação entre os órgãos signatários do ACT, de modo que, não obstante formalizados os compromissos e previstas limitações às divergências institucionais, a não observância, na prática, pode enfraquecer o objetivo do acordo de cooperação.
Como mencionado, o ACT também mantém certo grau de discricionariedade reservado a cada instituição signatária na condução das negociações, o que, se adotado em demasia como fundamento para não cooperação de determinada instituição, poderá reintroduzir divergências de entendimentos, duplicidade de persecuções e aplicações de penalidades.
Por fim, a uniformização de parâmetros, embora positiva, ainda carece de normatização pública mais detalhada, o que poderia garantir maior previsibilidade às empresas que buscam colaborar e terceiros interessados. Também, ainda não há regras acerca da participação de outros órgãos que podem estar envolvidos em um procedimento de leniência, como, por exemplo, o TCU e o CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica.
Conclusões
O novo ACT entre CGU, AGU e MPF constitui um avanço institucional importante na construção de um sistema mais racional, previsível e confiável para a celebração de acordos de leniência no Brasil.
A iniciativa tem o mérito de recuperar, ainda que parcialmente, a confiança das empresas no ambiente de colaboração com o Estado, reforçar a posição de influência do MPF no combate à corrupção e consolidar práticas administrativas mais técnicas e coordenadas.
Se devidamente implementado, o novo protocolo pode se tornar um ponto de inflexão na agenda anticorrupção do país. Apesar dos desafios e incertezas remanescentes, o ACT oferece uma oportunidade concreta de amadurecimento institucional e merece ser acompanhado de perto pelos profissionais de compliance, advogados e gestores públicos.
O ACT terá vigência de cinco anos a partir da data de publicação no DOU4.
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1 Vide nosso Alerta de Compliance de 12.08.2020. Disponível em: https://warde.com.br/2020/08/12/alerta-de-compliance-12-08/
2 Vide Cláusulas 9ª e 10ª do ACT.
3 Vide nossos Alertas de Compliance de 17.04.2025 e 02.09.2024, respectivamente, disponíveis em: https://warde.com.br/2025/04/17/alerta-de-compliance-17-04/ e https://warde.com.br/2024/09/02/alerta-de-compliance-02-09.
4 O prazo poderá ser prorrogado mediante celebração de aditivo (vide Cláusula 14ª).
5 https://www.mpf.mp.br/pgr/arquivos/2025/ACTAGUCGUMPF.pdf
Valdir Moysés Simão
Doutorando em Direito pela Universidade de Salamanca. Palestrante e Professor de pós-graduação em Direito. Presidente do INSS. Secretário da Fazenda. Secretário-executivo da Casa Civil da Presidência da República. Auditor-fiscal da Receita Federal do Brasil. Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão. Ministro-Chefe da Controladoria Geral da União. Advogado do escritório Warde Advogados.
Pedro Henrique Adoglio Benradt
Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. LLM em Direito Societário pelo INSPER - Instituto de Ensino e Pesquisa. Advogado do escritório Warde Advogados, com atuação em compliance, anticorrupção e consultivo societário e comercial.
Manuela Cadrobbi Haydn
Graduanda em direito pela PUC-SP. Estagiária do Warde Advogados





