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Um novo alerta sobre a fragilidade do setor aéreo brasileiro

São diversos os fatores que geram instabilidade no setor aéreo, merecendo destaque os altos custos operacionais, com grande exposição ao risco, problemas de gestão e margens de lucro reduzidas.

segunda-feira, 5 de maio de 2025

Atualizado às 10:47

A Voepass Linhas Aéreas protocolou, em 22/4/25, pedido de recuperação judicial, após ter suas operações suspensas pela ANAC - Agência Nacional de Aviação Civil em março do mesmo ano. A decisão do órgão regulador foi motivada por "quebra de confiança" e "violação das condicionantes" de segurança operacional impostas à empresa, que operava com uma frota de seis aeronaves em 17 destinos regionais no Brasil.

A suspensão das atividades da companhia aérea, formada pela Passaredo Transportes Aéreos e pela MAP Linhas Aéreas, ocorreu após um acidente fatal com uma de suas aeronaves em Vinhedo (SP), que vitimou 62 pessoas. Em nota oficial, a Voepass classificou a medida como impactante para a aviação regional e afirmou que empenhará esforços para retomar suas operações.

A empresa, que já foi a quarta maior do setor no país, enfrenta uma dívida acumulada superior a R$ 500 milhões e passa por seu segundo pedido de recuperação judicial em duas décadas - o anterior foi registrado em 2012. Como parte das medidas para reestruturação, a companhia anunciou a demissão de parte do quadro de funcionários, incluindo tripulantes, aeroviários e profissionais de apoio, sem especificar o número de desligamentos previstos.

O cenário turbulento da Voepass reflete uma tendência observada no setor aéreo nacional e internacional, caracterizado por alta volatilidade, custos operacionais elevados e margens de lucro reduzidas. A Gol Linhas Aéreas, por exemplo, está em processo de reorganização judicial nos Estados Unidos desde janeiro de 2024, após apresentar pedido de Chapter 11. A Latam, por sua vez, ingressou no mesmo processo em 2020 e concluiu sua reestruturação em novembro de 2022.

Além disso, o CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica reavaliou, em meio às incertezas do setor, o acordo de compartilhamento de voos (codeshare) firmado entre Gol e Azul, iniciado em 2024 e expandido para 40 rotas. Em janeiro de 2025, um memorando de entendimento foi assinado entre a Azul e a Abra, controladora da Gol, sinalizando a intenção de uma possível combinação de negócios que, se concretizada e aprovada, poderá concentrar aproximadamente 60% do mercado doméstico brasileiro nas mãos do novo grupo, superando os atuais 40% da Latam.

As crises enfrentadas por empresas do setor aéreo não são exclusivas do Brasil. Grandes companhias internacionais como American Airlines, Delta e United Airlines também recorreram à Justiça no passado para preservar suas operações, obtendo êxito após reestruturações e fusões. Em contrapartida, outras empresas não resistiram: PanAm (EUA), Swissair (Suíça), e no Brasil, mais recentemente, Varig, Vasp, TransBrasil, BRA, WebJet, Trip e Avianca Brasil são exemplos de companhias que encerraram suas atividades definitivamente, muitas após tentativas frustradas de recuperação judicial.

Estudos da ANAC revelam que, entre 2015 e 2023, as empresas aéreas brasileiras acumularam prejuízos da ordem de R$ 45,3 bilhões. Os principais componentes desses custos são combustíveis e lubrificantes (36%), seguidos de despesas operacionais, arrendamento e manutenção de aeronaves, salários, depreciação, tarifas de navegação e aeroportuárias, judicialização, entre outros.

Eventos imprevisíveis também agravam o panorama do setor, como os atentados de 11/9/01, que impactaram globalmente a aviação, e a pandemia de Covid-19, considerada a maior crise da história da aviação civil. Durante o auge da pandemia, companhias em todo o mundo interromperam operações, enfrentaram demissões em massa e renegociações com fornecedores e credores, cujos efeitos ainda reverberam nos balanços financeiros atuais.

Apesar da previsibilidade de fatores como os altos custos, baixa margem de lucro e imprevisibilidade externa, na história da aviação sobram exemplos de incompetência relacionada ao setor. Isso porque, como os custos não caem, qualquer pequeno desequilíbrio tende a virar um buraco sem fundo. Dessa forma, a empresa deixa de pagar taxas aeroportuárias; não consegue comprar combustível; retira motores, aviônicos ou demais componentes de uma aeronave para realocá-los em outra (canibalização da frota); não reúne condições de manter em sua estrutura de manutenção peças de reposição, e daí por diante.

Ou seja, além de todos os fatores característicos do setor, há também muitos problemas de gestão dentro das companhias aéreas. Trata-se de um mercado com uma competitividade acirrada, logo, as empresas são mais vulneráveis, de modo que se a companhia não possui um controle gerencial rígido, as chances de que ela perca o controle de sua própria operação e gestão são grandes, ainda mais dentro de um plano de reestruturação e recuperação

De fato, as questões atinentes aos altos custos operacionais, à baixa margem de lucro ou à imprevisibilidade de fatores externos devem ser ponderadas. Contudo, não podem ser usadas indiscriminadamente como argumentos para as constantes crises do setor. Ora, na medida em que se sabe que o mercado é assim, há evidente previsibilidade, devendo a empresa utilizar-se de gestão estratégica para a tomada de decisões acertadas visando, ao mesmo tempo, a segurança das operações, o lucro e a redução dos riscos inerentes à atividade.

A complexidade da atividade aérea, a intensa regulação e o nível de concorrência exigem controle rígido e decisões gerenciais fundamentadas, sob pena de colapso operacional e financeiro.

Carlos Barbosa

VIP Carlos Barbosa

Mestrando em Direito do Trabalho. Especialista em Direito Aeronáutico e Direito Internacional. Professor e Palestrante. Sócio do escritório Cerdeira Rocha Vendite Barbosa Borgo e Etchalus Advogados.

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