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O que (não) é litigância abusiva reversa: Por uma discussão mais precisa

A litigância abusiva reversa aponta práticas de resistência ao Judiciário por grandes litigantes, exigindo cautela para não distorcer o conceito clássico da litigância abusiva.

terça-feira, 6 de maio de 2025

Atualizado em 5 de maio de 2025 14:55

A recente sessão da Corte Especial do STJ, realizada em 13 de março, trouxe à pauta uma expressão até então pouco utilizada no vocabulário jurídico brasileiro: litigância abusiva reversa

O termo foi mencionado pelo ministro Herman Benjamin ao citar condutas antiprocessuais adotadas por grandes litigantes - especialmente empresas e entes públicos - que resistem ao cumprimento de decisões judiciais e desafiam precedentes consolidados. Embora a preocupação seja legítima, o enquadramento conceitual desse tipo de comportamento como "litigância abusiva" exige cautela, sob pena de comprometermos a precisão necessária para um debate complexo sobre os reais problemas que afetam o Judiciário.

Antes de qualquer entendimento a ser formado sobre o tema, é essencial compreender o que de fato caracteriza a litigância abusiva. A respeito do assunto, a recomendação 159 do CNJ, de 2024, foi clara ao definir o instituto como um gênero que abrange uma série de condutas processuais inadequadas. 

Segundo o documento, integram esse conceito as demandas "sem lastro, temerárias, artificiais, procrastinatórias, frívolas, fraudulentas, desnecessariamente fracionadas, configuradoras de assédio processual ou violadoras do dever de mitigação de prejuízos". Tais práticas têm contribuído para o colapso da prestação jurisdicional nos juizados especiais e nas varas cíveis, que, muitas vezes, são congestionadas por ações de consumo com esse perfil. 

Contra esse fenômeno, vale dizer, não há muitas medidas coercitivas a serem adotadas pelos atores processuais. Nem mesmo o Judiciário tem conseguido frear os abusos identificados, já que não é possível impedir o ajuizamento dessas ações. Portanto, na litigância abusiva, resta-nos o combate passivo e a adoção de boas práticas para identificar e reduzir o ajuizamento sem fundamento.

Por outro lado, litigância abusiva reversa se trata de um contexto diferente. Não estamos diante do ajuizamento abusivo sem fundamento ou de maneira temerária, mas sim de uma possível resistência ao cumprimento de decisões judiciais já pacificadas, desconsideração de súmulas vinculantes, ou ainda de inércia deliberada frente a obrigações processuais reconhecidas. 

Há, de fato, um problema institucional nesse tipo de postura, mas seria um equívoco colocá-lo na mesma prateleira das condutas descritas pelo CNJ como litigância abusiva ou atribuir a ele a responsabilidade pelo abarrotamento das unidades jurisdicionais.

Três elementos fundamentais colaboram para separar esses institutos e não os equiparar na análise do problema do Judiciário: (i) os magistrados e demais partes processuais possuem mecanismos claros para coibir situações que possam ter os requisitos citados na chamada litigância reversa. O CPC possui uma série de dispositivos legais que imputam ônus financeiro e/ou administrativo àquele que deliberadamente ignora as ordens e disposições do Judiciário; (ii) quanto mais moroso é o processo, mais custoso ele se torna em caso de uma decisão contrária aos interesses das chamadas "grandes empresas", ou seja, não há uma "lacuna jurídica" a ser preenchida com a criação de um novo rótulo e (iii) mudanças de entendimento ocorrem com certa frequência e é isso que torna o direito dinâmico e atento às mudanças da sociedade. Essas razões, por si só, já fazem com que os assuntos não se confundam e trazem diferenças substanciais entre eles.

Ademais, quando olhamos para o cenário macro da litigiosidade no Brasil, é importante observar os resultados dessas disputas. Muitos dos casos que envolvem empresas de grande porte no contexto da litigância abusiva não se traduzem em condenações, mas sim em sentenças de improcedência ou extinção do processo. 

É fundamental, portanto, que o debate em torno da litigância abusiva se mantenha bem delimitado aos contornos construídos após anos de intensa observação e estudo desse fenômeno. Criar novos rótulos com base em premissas superficiais ou sem o devido embasamento em dados concretos, não resolve os verdadeiros gargalos da Justiça brasileira. Ao contrário: pode desviar o foco de problemas estruturais mais graves - como a litigância artificial, os incentivos econômicos à judicialização desenfreada e os comportamentos predatórios de fato.

Discutir condutas que afrontam decisões judiciais é necessário - e o sistema precisa, sim, ser mais ágil e eficiente na punição de tais práticas. Mas isso não deve se confundir com o fenômeno da litigância abusiva, que tem definição clara e aplicabilidade específica. 

Manter os conceitos bem delimitados é o primeiro passo para que o Judiciário possa agir com firmeza, sem comprometer a segurança jurídica ou criar distorções no uso dos instrumentos legais.

Walter Silveira Moraes

Walter Silveira Moraes

Sócio do Escritório Dias Costa Advogados. Possui especialização em Relações Sindicais e Trabalhistas e em Direito Processual pela PUC-Minas. É especialista em Liderança e Gestão pela FGV. Também possui formações em Legal Design, Gestão de Projetos e Programação aplicada ao Direito. Atuação focada em Jurídico Corporativo há mais de dez anos. É Membro das Comissões de Direito Bancário e de Sociedade de Advogados da OAB/MG.

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