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A produção da prova pelo "hipossuficiente": Uma análise do art. 6º, VIII, do CDC

O consumidor hipossuficiente deve comprovar seu direito (CPC). A inversão do ônus da prova (CDC) aplica-se se a alegação for verossímil ou houver vulnerabilidade comprovada.

terça-feira, 13 de maio de 2025

Atualizado às 10:19

Muito se fala da condição de hipossuficiência do consumidor, como se tal característica fosse inerente à pessoa quando estivesse nessa condição.

O perigo de tal entendimento (ou suposição por muitas pessoas) é achar que, por estar no papel de consumidor, a pessoa não precisa produzir provas a seu favor. Nada mais equivocado!

Apesar de o CDC1 ser uma lei que tem como finalidade proteger o consumidor, a hipossuficiência (condição de vulnerabilidade do consumidor) não é absoluta. Ela deve ser analisada a partir do contexto apresentado no processo.

Nesse sentido, é importante nos dirigirmos primeiramente ao CPC2, que é a lei geral que rege as questões processuais civis no Brasil.

Se o Código Civil ou o CDC destaca qual o direito que a parte tem, é através do Código de Processo que a parte irá demonstrar que tem tal direito.

Portanto, é preciso entender qual a regra geral da prova dentro do direito processual, uma vez que a parte irá buscar seu direito através de um processo judicial.

Quem tem o ônus da prova?

A regra geral do ônus da prova está prevista no art. 373, do CPC, que estabelece que:

i) O autor da ação deve provar os fatos que fundamentam seu direito (art. 373, I);

ii) O réu deve provar eventuais obstáculos ou extinção do direito do autor (art. 373, II).

Portanto, se o consumidor é o autor da ação (pois poderia ser réu, no caso de ação de cobrança por parte do fornecedor, por exemplo), cabe a ele, a princípio, trazer aos autos as provas que dão suporte ao seu pedido.

Para tanto, o consumidor pode comprovar seu direito no processo com documentos como:

  • E-mails enviados ao fornecedor cobrando o envio do material;
  • Ticket da passagem aérea comprovando que fez a compra e que, portanto, tem o direito ao reembolso ou ao dano moral nos casos de atraso/cancelamento de voo;
  • Ligações feitas à empresa de telefonia e os números de protocolo, provando desde quando houve a interrupção do serviço e que entrou em contato exigindo que o reparo fosse feito;
  • Registro de reclamação feita no site Consumidor.gov.br3 ou em sites de reclamação.

Enfim, tendo ocorrido o problema, o consumidor precisa provar que tem o direito e juntar nos autos toda a documentação que tiver em mãos que possa sustentar suas alegações. Ao fazer isso, o consumidor terá cumprido seu dever legal previsto no art. 373, I, do CPC.

E tal atitude é necessária, pois o consumidor não pode transferir ao fornecedor a obrigação de comprovar os fatos que alega, pois essa é a sua responsabilidade no processo. Ou seja, não pode o consumidor, por "ser hipossuficiente", exigir no processo que o fornecedor informe, por exemplo:

  • Enviou o material, se sequer o consumidor provou que fez a compra dos itens;
  • Não tem o dever de indenizar o consumidor, se sequer este comprovou que tinha o direito de voar e que, portanto, teria sofrido os efeitos do suposto atraso/cancelamento de voo;
  • O serviço não tinha defeito nos dias informados pelo consumidor, se sequer o consumidor provou que houve a falha ou mesmo se é cliente do fornecedor.

Portanto, ao fornecedor (enquanto réu) cabe provar a "existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor"4, mas, para isso, o consumidor tem que fazer sua parte. Somente alegar não é o suficiente!

Mas, então, quando o consumidor não precisa juntar a prova?

Essa situação acontece quando, no caso específico "daquela prova", o consumidor não tiver a condição de conseguir a prova ou de produzi-la.

Nesses casos, o juiz poderá aplicar a inversão do ônus da prova, desde que ocorra um dos dois critérios descritos no art. 6º, VIII, do CDC, conforme teor abaixo.

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

Portanto, o consumidor deve relatar algo plausível (ou seja, que apresente indícios de veracidade), de modo que convença o juiz a ponto de ele fazer tal inversão. Ou ainda é preciso que o consumidor comprove que é hipossuficiente, ou seja, que comprove que, nesse caso específico, para determinada prova, ele tem alguma vulnerabilidade diante do fornecedor (financeira, tecnológica etc).

Mas, em ambos os casos, é preciso considerar que a inversão fica a critério do juiz, pois ele irá considerar o pedido de inversão do ônus da prova com base na experiência dos casos concretos, o que quer dizer que o juiz poderá considerar, por exemplo: o contexto social da pessoa que está pedindo; a quem está pedindo; o contexto da situação em si; o tipo da prova pedida na inversão.

Apesar de o consumidor ter o direito básico na facilitação da defesa de seus direitos através da inversão do ônus da prova, ainda assim é preciso que a situação como um todo "prove" que ele tem realmente esse direito.

Ou seja, ter o direito previsto em lei não quer dizer que a sua exigência resultará numa aplicação automática.

Conclusão: O consumidor precisa cumprir o seu papel

Em que pese o consumidor ter a seu lado uma lei específica que prevê diversos direitos, é seu dever trazer aos autos as provas que possuir ou que possa produzir a fim de embasar seu pedido, deixando a inversão do ônus da prova nos casos em que realmente houver sentido.

Além disso, quanto melhor for a prova trazida, mais difícil será para o fornecedor desconstitui-la, o que leva a uma maior chance de o consumidor ter o pedido julgado a seu favor (procedente).

Muitas vezes uma análise mais cautelosa antes de ajuizar a ação e a verificação de todos os contratos, áudios, ligações, fotos etc que o consumidor tenha em mãos faça com que até mesmo o fornecedor desista de recorrer da sentença, por ver pequena chance de mudar a sentença ao considerar tudo o que estiver provado no processo.

A preparação cuidadosa, com organização de documentos e registros, não somente fortalece a posição do consumidor, como também dificulta a contestação ou o recurso por parte do fornecedor.

___________

1 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm - Acesso em 9/5/25.

2 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm - Acesso em 9/5/25.

3 https://consumidor.gov.br/pages/principal/?1746799420266 - Acesso em 9/5/25.

4 Art. 373, II, do CPC.

Tiago Jones da Silva

VIP Tiago Jones da Silva

Advogado. Sócio do Mascarenhas, Santo & Jones Advogados. Graduado em Direito (UCSAL). Especialista em Advocacia Empresarial (PUC-Minas). Aluno Especial PPGD UFBA. Especializando em Proc. Civil (UERJ).

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