O Direito, o tecnicismo e o concurseirismo
Não temos mais um Pontes de Miranda, um Miguel Reale, um José Afonso da Silva ou um Paulo Bonavides. Temos técnicos, não pensadores. Temos profissionais, não intelectuais.
terça-feira, 13 de maio de 2025
Atualizado às 14:13
O Direito, atualmente, possui uma cultura tecnicista e concurseirista. Por tecnicismo entende-se pelo foco quase que exclusivo na praticidade e por concurseirismo o foco em concursos públicos na formação do graduando em Direito. As universidades brasileiras focam quase que de forma exclusiva na formação técnica para o mercado de trabalho da advocacia e voltada para a resolução de questões de concursos públicos. Esse enfoque é oriundo de uma educação voltada para o mercado de trabalho; decorrente desse fenômeno, as faculdades criam uma cultura tecnicista e concurseirista; consequentemente, tem-se a falta de intelectuais no seio do universo jurídico, criando carência de pensamento crítico e intelectual no Direito.
Em primeira análise, é importante salientar que a educação no Brasil, de forma geral e abarcando também as ciências jurídicas, é voltada para o mercado de trabalho. As universidades focam, em sua maioria, nas matérias de cunho dogmático (dogmáticas de Direito Penal, Civil, Empresarial, Processual Civil e Processual Penal, por exemplo) e na prática jurídica. Não há, observando as grades curriculares brasileiras dos cursos de ciências jurídicas, um enfoque mais propedêutico - com matérias atinentes à hermenêutica e à filosofia, por exemplo -, contudo, com enfoque na praticidade/advocacia e nos concursos públicos, visto que estes são os mais importantes para o mercado de trabalho.
Isso é neoliberalismo: tudo para o mercado, nada contra o mercado e nada fora do mercado. O neoliberalismo, ideologia que resgata os conceitos do liberalismo - contudo com algumas modificações -, vê o mercado como um deus. Toda a produção, inclusive a acadêmica e educacional, é voltada para ele.
Graciliano Ramos, em "Angústia", ilustra bem isso com a personagem Luís da Silva. Este é jornalista e possui o sonho de produzir literatura de qualidade. No entanto, precisa produzir artigos voltados para os ditames mercadológicos. Esta é a realidade: a produção de acadêmicos e intelectuais não mais existe, mas de técnicos e profissionais.
Outrossim, essa educação tecnicista, concurseirista e neoliberal voltada para o mercado acaba negligenciando o conhecimento: não se faz Direito, hoje, para se compreender o ordenamento jurídico e o Direito enquanto sistema, enquanto interpretação e o seu conceito, mas, sim, para ser um operador do direito e um servidor público. Carece o Brasil de juristas intelectuais... Não temos mais um Pontes de Miranda, um Miguel Reale, um José Afonso da Silva ou um Paulo Bonavides. Temos técnicos, não pensadores. Temos profissionais, não intelectuais.
O pensamento crítico esvaiu-se, diante desse cenário. Não mais se pensa, mas se decora para provas e se aprende apenas para fins comerciais. Quem pensará em hermenêutica e filosofia? Em teoria e sociologia? Para o mercado, esse deus onipotente, nada disso possui sua utilidade: apenas o seu interesse e o capital.
À guisa de conclusão, a educação é voltada para o mercado de trabalho, com o fito de criar profissionais e servidores públicos, mas não intelectuais. Isso porque a educação jurídica no Brasil é embasada no tecnicismo e no concurseirismo, logo, para o mercado de trabalho. Carece, portanto, o Brasil de intelectuais e pensadores com um espírito crítico, que realmente possuem a capacidade de pensarem em termos abstratos e propedêuticos.
A solução? A mesma que dei em "O anti-intelectualismo no Brasil":
"Parafraseio Jordan Peterson: antes de tentar consertar o mundo, arrume primeiro sua cama. Você não mudará o mundo, a cultura brasileira do anti-intelectualismo e as pessoas à sua volta, no entanto consegue alterar a sua vida e seus próprios horizontes. Parafraseando também o professor Olavo de Carvalho, não se deve mudar o sistema, pois você se tornará escravo dele. O que deve ser feito é criar o seu próprio sistema, alterar a sua mentalidade, adquirir mais conhecimento" (Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/429962/o-anti-intelectualismo-no-brasil).


