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Como evitar a desconsideração da personalidade jurídica e proteger seu patrimônio

Saiba como evitar que o seu patrimônio pessoal seja atingido por dívidas da empresa, protegendo-se de abusos judiciais.

terça-feira, 13 de maio de 2025

Atualizado em 12 de maio de 2025 13:29

I. Introdução

A separação entre pessoa jurídica e pessoa física constitui um pilar fundamental do direito empresarial, garantindo que os sócios, em regra, não respondam pelas obrigações da sociedade. Todavia, o ordenamento jurídico brasileiro autoriza a desconsideração dessa separação em casos excepcionais de abuso, quando comprovados desvio de finalidade ou confusão patrimonial, conforme o art. 50 do Código Civil.

A desconsideração da personalidade jurídica visa resguardar credores frente a fraudes, estendendo os efeitos das obrigações aos bens dos sócios ou administradores envolvidos. Embora essencial para coibir práticas ilícitas, sua aplicação demanda rigor técnico e legal, sob pena de violação à autonomia patrimonial.

Para o empresário, trata-se de um risco real ao patrimônio pessoal. Neste artigo, abordaremos os fundamentos legais da desconsideração, exemplos práticos de sua aplicação e boas práticas de governança para prevenção.


II. O que é a desconsideração da personalidade jurídica?

a. Conceito e natureza jurídica

A desconsideração da personalidade jurídica é medida excepcional que permite "levantar o véu" entre a empresa e os seus sócios, responsabilizando-os diretamente por obrigações societárias. Só deve ser aplicada quando comprovado o uso abusivo da pessoa jurídica.

b. Fundamentação legal

Seu fundamento central é o art. 50 do Código Civil (Lei 10.406/2002), que admite a desconsideração em caso de desvio de finalidade ou confusão patrimonial.
O Código de Processo Civil (arts. 133-137) introduziu o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ), que exige contraditório e ampla defesa.
No Código de Defesa do Consumidor (art. 28), há flexibilização: admite-se a desconsideração mesmo sem comprovação de desvio ou confusão, bastando a demonstração de abuso ou insolvência do fornecedor.

c. Teorias aplicadas

  • Teoria Maior (regra geral): exige prova de desvio de finalidade ou confusão patrimonial.
  • Teoria Menor (exceção): aplicada sobretudo no CDC, dispensa a prova de desvio, bastando insolvência ou abuso. Contudo, o STJ tem restringido sua aplicação fora do âmbito consumerista.

d. Modalidades

  • Desconsideração direta: atinge bens dos sócios.
  • Desconsideração inversa: atinge bens da empresa por abusos cometidos por sócios.
  • IDPJ: procedimento específico que garante contraditório e ampla defesa.

III. Responsabilidade dos sócios na prática: Casos comuns

Apesar de seu caráter excepcional, a desconsideração tem sido utilizada de forma ampla, muitas vezes sem a devida fundamentação legal, especialmente nas áreas trabalhista e tributária. Casos de bloqueio de bens de procuradores e ex-sócios, sem comprovação de culpa, têm sido denunciados por juristas como práticas abusivas.

O Professor Bruno Meyerhof Salama alerta para essa "vulgarização da desconsideração", que transforma o instituto em uma forma de responsabilidade objetiva, prejudicando a segurança jurídica.

Para mitigar esse risco, destacam-se as seguintes boas práticas:

a. Separação patrimonial estrita

Evitar confusão entre bens pessoais e societários. Não utilizar recursos da empresa para fins pessoais, nem bens pessoais para obrigações da empresa, salvo formalização.

b. Contabilidade rigorosa

A ausência de registros contábeis regulares é fator de risco. Manter contabilidade atualizada e auditada é fundamental.

c. Atualização contratual e societária

Manter documentos societários atualizados, refletindo a realidade da empresa e suas alterações.

d. Governança jurídica

Realização de assembleias, arquivamento de atas e formalização de atos societários garantem transparência e organização.

e. Assessoria jurídica preventiva

Planejamentos societários, reestruturações e contratos devem ser previamente avaliados por especialistas.

f. Uso estratégico de holdings

Holdings bem estruturadas podem funcionar como barreiras jurídicas, delimitando responsabilidades e facilitando planejamento sucessório.


IV. Conclusão

A desconsideração da personalidade jurídica é medida excepcional e deve ser aplicada com cautela, nos termos do art. 50 do Código Civil. No entanto, a prática revela abusos que comprometem a autonomia empresarial e a segurança jurídica.

Empresários devem adotar medidas preventivas: contabilidade transparente, separação patrimonial, contratos sociais claros, governança corporativa e assessoria jurídica contínua.
Tais ações protegem o patrimônio pessoal, fortalecem a imagem institucional e evitam litígios desnecessários.

O Judiciário, por sua vez, deve zelar pela correta aplicação do instituto, reservando a desconsideração para os casos de evidente abuso. A preservação da autonomia da pessoa jurídica é essencial ao desenvolvimento econômico sustentável.

__________

Salama, Bruno Meyerhof. Contra a desconsideração da PJ para responsabilização de procurador de sócio de empresa. Revista Direito GV, 2025.

Código Civil Brasileiro. Lei nº 10.406/2002, art. 50.

Superior Tribunal de Justiça (STJ). Desconsideração da personalidade jurídica nem sempre atinge o administrador não sócio, 2022.

Madaleno, Rolf. O ilícito e a proteção ao patrimônio dos sócios. Migalhas, 2022.

Dotti, Giuliane Gabaldo. A desconsideração da personalidade jurídica e o sócio minoritário. Dotti Advogados, 2023.

STJ. Teoria menor da desconsideração no CDC. Notícias STJ, 2024.

Justen Filho, Marçal. Desconsideração da personalidade societária. PGE-PR, 2019.

TJDFT. Desconsideração da personalidade jurídica - teoria maior. Disponível no site do TJDFT.

João Vasconcelos

João Vasconcelos

Advogado especialista em Direito Empresarial na De Nicola Sociedade de Advogados. É graduado em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, pós-graduando em Direito Empresarial.

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