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Lei 14.133/21 e a prescrição das sanções em contratos e concessões

Por que a lei 14.133/21 deve regulamentar a prescrição das sanções aplicadas com base nas leis 8.666/1993, 10.520/2002, 8.987/1995, 11.079/2004 e 13.303/16?

quarta-feira, 14 de maio de 2025

Atualizado às 10:00

No antigo marco legal das contratações públicas composto pelas leis 8.666/1993 e 10.520/02 não havia uma previsão expressa sobre a prescrição das sanções administrativas aplicadas aos contratados.

O que havia era um debate bastante restrito na doutrina e pontuais decisões do Poder Judiciário, ambos convergindo para a incidência da prescrição quinquenal na pretensão punitiva da Administração Pública.

Como exemplo dos posicionamentos da doutrina, colham-se as lições de Eduardo Rocha Dias:

"As sanções aplicadas a contratados, no âmbito de uma relação na qual o Poder Público mantém suas prerrogativas frente ao particular contratado, relacionam-se com a atividade de fiscalização efetuada pela Administração. Presume-se que o órgão ou entidade que realizou a licitação e contratou o particular fiscalize sua atuação e a execução do contrato. Findo o prazo contratual, recebido o objeto e liberada a garantia eventualmente prestada, a presunção é de que inocorreu qualquer inexecução contratual (não se pode presumir que a Administração aja com incúria no trato com a coisa pública). Tal entendimento, no entanto, merece ser considerado com cuidado. Deve-se atentar para a gravidade de cada falta punida. Em se tratando de multa moratória, por exemplo, a inércia da Administração em instaurar o procedimento punitivo, a partir da ocorrência do ilícito nos contratos de prestação de serviços contínuos ou nos quais exista cronograma fixado previamente (não se admite que a cargo do particular contratado, face a seu poder de fiscalizar a execução da avença) ou após o recebimento em atraso da prestação, poderá ser considerada como equivalente a um perdão tácito. A falta de norma expressa aludindo a tal exclusão da responsabilidade do contratado, bem como a indisponibilidade do poder-dever de punir da Administração levam, porém, a que seja adotado o prazo quinquenal como limite para a aplicação da multa moratória. As faltas sancionadas com a advertência somente podem ser punidas durante a vigência do contrato. Findo este último, não mais poderá ser aplicada, até por não haver mais interesse para a Administração. Já as infrações mais graves, punidas com multa, suspensão do direito de contratar ou licitar ou contratar e com declaração de inidoneidade, caracterizando grave inexecução contratual ou prática de ilícitos, deve ser aplicado prazo quinquenal. O momento de início desse prazo deve ser aquele em que é cometida a infração. Pode ser, porém, que pela natureza do fato o mesmo não possa ser imediatamente conhecido. Aí, então, o prazo prescricional deverá começar a correr a partir da ciência do fato pela autoridade administrativa (José Armando da Costa, op. cit., p. 284)" (Dias, Eduardo Rocha, Sanções administrativas aplicáveis a licitantes e contratados, São Paulo: Dialética, 1997, págs. 107/108)

Já como exemplo do posicionamento do Poder Judiciário, veja-se o seguinte:

"ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO ADMINISTRATIVO. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL. TERMO INICIAL. DATA DO ATO OU FATO LESIVO. PRINCÍPIO DA ACTIO NATA. CIVIL. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL: CITAÇÃO. MULTA (ART. 538, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC). AFASTAMENTO. RECURSO ESPECIAL DA DEMANDADA IMPROVIDO. RECURSO ESPECIAL DAS DEMANDANTES PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, PROVIDO" (STJ, REsp 769942/RJ, DJe de 15/12/2009)

Todavia, tal cenário mudou com a edição da lei 14.133/2021 - NLGLC - nova lei geral de licitações e contratos (ou NLLCA - nova lei de licitações e contratos administrativos - NLLCA) - que passou a disciplinar de forma expressa a prescrição quinquenal da pretensão punitiva da Administração Pública no âmbito das licitações e contratos em seus art. 158, § 4º:

"Art. 158. (...)

§ 4º A prescrição ocorrerá em 5 anos, contados da ciência da infração pela Administração, e será:

I - interrompida pela instauração do processo de responsabilização a que se refere o caput deste artigo;

II - suspensa pela celebração de acordo de leniência previsto na lei 12.846, de 1/8/13;

III - suspensa por decisão judicial que inviabilize a conclusão da apuração administrativa."

Pois bem, a partir da edição da NLGLC, é lícito concluir que tal norma passou a tutelar a prescrição das sanções aplicadas com base nas leis 8.666/1993, 10.520/2002, 8.987/1995, 11.079/2004 e 13.303/16?

A retroatividade da NLGLC para alcançar sanções aplicadas com base nas leis 8.666/1993 e 10.520/2002 em processos administrativos ainda em tramitação

Nos termos da orientação normativa 78/23 da AGU: "O regime jurídico das sanções previstas na lei 14.133, de 2021 não é aplicável aos contratos firmados com base na legislação anterior, nem alterará as sanções já aplicadas ou a serem aplicadas com fundamento na legislação anterior, em respeito à proteção do ato jurídico perfeito."

Com a devida vênia, com relação aos processos administrativos ainda em tramitação em que foram aplicadas sanções com base nas leis 8.666/1993 e 10.520/2002 tal entendimento da AGU não nos parece sustentável.

Para tanto, vamos nos socorrer à doutrina.

Primeiramente, sobre a retroatividade da norma administrativa mais benéfica no âmbito do direito administrativo, vejamos as lições de Rafael Carvalho Rezende Oliveira1: "É possível perceber que as infrações e sanções previstas na lei 14.133/21 encontram-se inseridas no âmbito do denominado Direito Administrativo Sancionador, assim como ocorre, por exemplo, com a lei 8.429/1992 (lei de improbidade administrativa), a lei 12.846/2013 (lei anticorrupção) e os regimes disciplinares dos Estatutos dos servidores públicos. Aliás, o Direito Público é repleto de normas jurídicas que tipificam sanções pela prática de atos ilícitos. Destacam-se no campo do Direito Público Sancionador, o Direito Penal e o Direito Administrativo Sancionador. O exercício do poder punitivo do Estado seria pautado por duas teorias (ou estratégias) principais: a) teoria preventiva ou dissuasória: influenciada pelo movimento da Análise Econômica do Direito (Law and Economics), busca, de forma pragmática e consequencialista, justificar a sanção como instrumento de imposição de custos e incentivos econômicos, que deve impor custos às pessoas, com intensidade suficiente para inibir a infração à ordem jurídica (abordagem prospectiva ou forward-looking); e b) teoria retributiva: a sanção é percebida como forma de punição ou castigo ao infrator da ordem jurídica, independentemente dos custos envolvidos na sua aplicação (abordagem retrospectiva ou backward-looking). Enquanto predomina (não é exclusividade) o viés retributivo do Direito Penal, no Direito Administrativo Sancionador o caráter preventivo seria preponderante. Outra diferença, que seria discutível em determinados casos, seria a maior gravidade das sanções penais quando comparadas às sanções administrativas. A assertiva, repita-se, é bastante discutível, especialmente se considerarmos a gravidade das sanções de improbidade administrativa, que não possuem natureza penal. Independentemente das eventuais tentativas de distinção entre os dois campos principais do Direito Público Sancionador, é possível sustentar que os dois ramos jurídicos decorrem de um ius puniendi estatal único, inexistindo diferença ontológica, mas apenas de regimes jurídicos, em conformidade com a discricionariedade conferida ao legislador. As sanções penais e administrativas, em razão de suas semelhanças, submetem-se a regime jurídico similar, com a incidência de princípios comuns que conformariam o Direito Público Sancionador, especialmente os direitos, as garantias e os princípios fundamentais consagrados no texto constitucional, tais como: a) legalidade, inclusive a tipicidade (art. 5º, II e XXXIX; art. 37); b) princípio da irretroatividade (art. 5º, XL); c) pessoalidade da pena (art. 5º, XLV); d) individualização da pena (art. 5º, XLVI); e) devido processo legal (art. 5º, LIV); f) contraditório e ampla defesa (art. 5º, LV); g) razoabilidade e proporcionalidade (art. 1º e art. 5º, LIV) etc. No rol exemplificativo, destaca-se o princípio da irretroatividade previsto no art. 5º, XL, da CRFB, que dispõe: 'a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu". Não obstante a expressa referência à 'lei penal', o referido princípio deve ser aplicado, também, ao Direito Administrativo Sancionador, inclusive no âmbito do regime sancionador previsto na Lei de Licitações. Dessa forma, as normas sancionadoras mais benéficas previstas na Lei 14.133/2021 devem retroagir para beneficiar as contratadas que praticaram ilícitos antes da sua entrada em vigor. A aplicação da retroatividade da norma sancionadora mais benéfica encontra previsão, ainda, no art. 9º do Pacto de São José da Costa Rica, que não restringe a incidência do princípio ao Direito Penal, motivo pelo qual seria plenamente possível a sua aplicação às ações de improbidade administrativa."

Na sequência, eis o que leciona Anderson Sant'Ana Pedra2 sobre o princípio da retroatividade benigna (novatio legis in mellius) no âmbito do direito administrativo sancionador: "Para além das normas-regras e das normas-princípios específicas que contém cada sub-ramo do direito público sancionador (direito penal e direito administrativo sancionador), tem-se as normas-princípios fundamentais que são comuns ao todo sistêmico do direito público sancionador. Em decorrência da função sistêmica e central da Constituição brasileira de 1988, tem-se que os princípios, os direitos e as garantias fundamentais, por reconhecerem a condição especial à pessoa e naquilo que se relaciona com o jus persequendi e o jus puniendi estatal devem ser aplicados a todos os sub-ramos do direito público sancionador, sem a ressalva de pertencerem a este ou aquele ramo específico do direito público sancionador - penal ou administrativo sancionador. A unidade do ius puniendi estatal obriga a transposição de garantias constitucionais e penais para o direito administrativo sancionador. (...) O princípio da retroatividade benigna (lei sancionadora mais favorável (lex mitior), assim como os demais princípios constitucionais e garantias fundamentais objetivam limitar os poderes estatais punitivos tutelando o particular em face de potencial abuso estatal, inclusive no exercício da função legislativa. A benignidade sancionatória administrativa de uma nova norma não se revela apenas quando esta promove, por exemplo, a abolição de um tipo administrativo ou a eliminação ou a redução de uma espécie sancionatória, mas também quando implanta qualquer espécie de benefício ao particular infrator, seja ele de índole material ou processual. A concepção da retroatividade benigna funda-se no ideal de Justiça (igualdade), afinal, se o Estado por meio de inovação legislativa entende não ser mais necessária a defesa da sociedade ou da Administração por meio de alvissareiro regramento material ou processual; não seria justo alguém ser sancionado ou continuar a responder processo na mesma modelagem da antiga legislação mais prejudicial, apenas por ter praticado o fato anteriormente. (...) compreende-se a eficácia da garantia fundamental da retroatividade benigna também no âmbito do direito administrativo sancionador para concluir que a lei administrativa sancionadora mais benéfica retroage, afinal, se até no caso de sanção penal, que é a mais grave das punições, não se questiona a retroação da lei mais benéfica, com razão é cabível a retroatividade da lei no caso de sanções menos graves, como a administrativa. (...) Sem a intenção de esgotar as possíveis normas mais benéficas que podem ser extraídas da NLLCA e de aprofundar nas nuances de cada uma dessas normas processuais ou materiais, elencar-se-ão aqui algumas dessas normas que deverão ser aplicadas a eventuais infrações ou processos de responsabilização mesmo que instaurados a partir de contratos administrativos celebrados sob a égide da Lei nº 8.666/1993. Normas processuais: prazo alargado para apresentação de defesa (arts. 157 e 158, caput); prazo alargado para a apresentação de recurso (art. 166); efeito suspensivo do recurso (art. 168); prescrição quinquenal (art. 158, § 4º); possibilidade de soluções consensuais (arts. 151 e 153); apresentação de alegações finais (art. 158, § 2º); apuração e julgamentos conjuntos com a Lei Anticorrupção (art. 159, caput); declaração de inidoneidade com prévia análise pela assessoria jurídica (art. 156, § 6º); garantias processuais para a desconsideração da personalidade jurídica (art. 160); fixação de parâmetros para a dosimetria da sanção (art. 156, § 1º); possibilidade de reabilitação de empresa sancionada (art. 163); e rito processual (arts. 157, 158, 166 a 168). Normas materiais: limite do valor da multa em 30% (trinta por cento) do valor do contrato (art. 156, § 3º); limite do prazo para o impedimento de licitar e contratar (3 anos) (art. 156, § 4º); limite do prazo para a declaração de inidoneidade (6 anos) (art. 156, § 5º)."

Perceba-se, portanto, que as regras sobre prescrição contidas na lei 14.133/21 foram expressamente citadas como as que podem retroagir para incidir sobre a pretensão punitiva da Administração em processos administrativos ainda em tramitação em que foram aplicadas sanções com base nas leis 8.666/1993 e 10.520/2002.

O autor ainda destaca que em decisões mais recentes o STJ vem consignando que o "princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, insculpido no art. 5º, XL, da Constituição da República, alcança as leis que disciplinam o direito administrativo sancionador", a saber: STJ, 1ª Turma, RMS nº 37.031/SP, relª. Minª. Helena Costa, julg. 08.02.2018, DJe de 20.02.2018. No mesmo sentido: STJ, 2ª Turma, AgInt no RMS nº 65.486/RO, rel. Min. Mauro Campbell Marques, julg. 17.08.2021, DJe de 26.08.2021; STJ, 6ª Turma, RMS nº 12.539/SP, rel. Min. Paulo Medina, julg. 26.05.2004, DJ de 1º.07.2004. p. 278; STJ, 3ª Seção, AR nº 1.304/RJ, rel. para Acórdão Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julg. 14.05.2008, DJe 26.8.2008; STJ, 1ª Turma, REsp nº 1.153.083/MT, relª. para Acórdão Minª. Regina Helena Costa, julg. 06.11.2014, DJe 19.11.2014; STJ, 1ª Turma, AgInt no REsp nº 1.602.122/RS, relª. Minª. Regina Helena Costa, julg. 07.08.2018, DJe 14.08.2018.

Por fim, Anderson Sant'Ana Pedra ainda traz um entendimento esclarecedor sobre o que restou decidido pelo plenário do STF no ARE 843.989/PR quando da fixação do Tema 1.199: "Não se pode perder de vista que o que restou apreciado pelo STF no ARE 843.989/PR envolvia a lei 14.230/21 que a alterou a lei de improbidade administrativa, sendo que o texto da lei reformadora prescreve que '[a]plicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador' (art. 1º, § 4º)62 - não sendo adequada uma aplicação automática, linear e absoluta do que restou decidido no ARE 843.989/PR no microssistema normativo das contratação públicas, notadamente nesse momento de transição e de conjugação dos regimes sancionatórios trazidos pela lei 8.666/1993, lei 10.520/2002 e a lei 14.133/21. Soma-se ainda o fato de que o STF, em outras oportunidades, ao apreciar a retroatividade de lei sancionadora mais benéfica ao acusado em sede de processo administrativo assentou que o princípio da presunção da inocência (art. 5º, inc. LVII64 da CRFB), de aparente berço no Direito Penal, aplica-se igualmente aos processos administrativos sancionadores, apesar de o dispositivo aludir à 'sentença penal condenatória'. Diante dessa translúcida expansão garantística do STF não há razão jurídica consistente para se cravar que o entendimento da Suprema Corte, a partir do ARE 843.989/PR, conduziria automaticamente à irretroatividade das normas da lei 14.133/21 aos fatos relacionados a contratos celebrados sob a égide da lei 8.666/1993."

Dito isso, tomamos como premissa a necessidade de a NLGLC alcançar sanções aplicadas com base nas leis 8.666/1993 e 10.520/2002 em processos administrativos ainda em tramitação.

A incidência das regras de prescrição na NLGLC sobre as sanções aplicadas às concessionárias de serviço público com base nas leis 8.987/1995 e 11.079/2004

Bom, se as regras sobre prescrição na NLGLC retroagem para alcançar sanções aplicadas com base na lei 8.666/1993, sanções aplicadas às concessionárias de serviço público com base nas leis 8.987/1995 e 11.079/2004 também serão objeto de tal retroatividade benigna, haja vista que o art. 124 da lei 8.666/1993 estabelecia em seu caput que "aplicam-se às licitações e aos contratos para permissão ou concessão de serviços públicos os dispositivos desta Lei que não conflitem com a legislação específica sobre o assunto".

De tal sorte, concessões comuns, concessões administrativas e concessões patrocinadas que ainda fazem remissão à lei 8.666/1993 em seus contratos deverão, quando do exercício do seu poder sancionador, receberem o influxo da NLGLC para impor limites prescricionais ao exercício da pretensão do poder concedente em face das concessionárias de serviço público.

A incidência das regras de prescrição na NLGLC sobre as sanções aplicadas pelas empresas públicas e sociedades de economia mista com base na lei 13.303/16

De pronto, poder-se-ia dizer que o art. 1º, § 1º NLGLC é muito claro ao afirmar que "não são abrangidas por esta Lei as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as suas subsidiárias, regidas pela Lei nº 13.303, de 30/6/16, ressalvado o disposto no art. 178 desta lei".

Assim, a princípio, seria possível imaginar que o entendimento do TCU - Tribunal de Contas da União acerca de eventual aplicação pelas empresas estatais, por analogia, da NLGLC seria idêntico ao de quando aquela Corte de Contas entendeu pela impossibilidade de aplicação subsidiária da lei 8.666/1993:

"Não se aplica subsidiariamente a lei 8.666/1993 a eventuais lacunas da lei 13.303/16 [lei das estatais], exceto nas hipóteses nela expressamente previstas (arts. 41 e 55, III) , sob pena de violação aos arts. 22, XXVII, e 173, §1°, III, da Constituição Federal" (Acórdão 739/20 - Plenário)

Todavia, no boletim de =jurisprudência de 536 divulgado em 5/5/25, o TCU trouxe o seguinte entendimento:

"É possível a utilização pelas empresas estatais, por analogia, do credenciamento previsto no art. 79, inciso II, da lei 14.133/21, como alternativa para contratação de serviços de gerenciamento e fornecimento de vales alimentação e refeição após a vedação ao emprego de taxa de administração negativa (art. 3º, inciso I, da lei 14.442/22)" (Acórdão 790/25 - Plenário)

Restou confirmado, portanto, o racional empregado pelo Plenário do TCU no acórdão 533/22 e que restou divulgado no boletim de jurisprudência 393 de 4/4/22:

"Embora não previsto na lei 13.303/16 (lei das estatais), admite-se a utilização do credenciamento pelas sociedades de economia mista, mediante aplicação analógica dos arts. 6º, inciso XLIII, e 79 da lei 14.133/21 (nova lei de licitações e contratos administrativos), uma vez que tais entidades, sujeitas ao mercado concorrencial, exigem instrumentos mais flexíveis e eficientes de contratação" (Acórdão 533/22 - Plenário)

Consta do inteiro teor do acórdão 533/22 um excerto que sumariza com exatidão a posição adotada pelo TCU: "apesar de a lei 14.133/21 não se aplicar às sociedades de economia mista, regidas pela lei 13.303/2006, é razoável admitir que as novas regras de flexibilização e busca de eficiência dos processos seletivos para contratações públicas, ao ser aprovadas pelo Poder Legislativo para aplicação no âmbito da administração direta, autárquica e fundacional - de rito administrativo mais rigoroso -, podem, e devem, ser estendidas, por analogia, às sociedades de economia mista, que, sujeitas ao regime de mercado concorrencial, exigem, com mais razão, instrumentos mais flexíveis e eficientes de contratação. Assim, embora o credenciamento não esteja previsto expressamente na lei 13.303/2006, é razoável admitir, na espécie, a aplicação analógica das regras previstas nos arts. 6º, XLIII, e 79, da lei 14.133/21 às empresas estatais".

Muito embora os casos analisados pelo TCU tenham se circunscrito à possibilidade do uso do credenciamento, em razão da motivação utilizada para fundamentar os acórdãos 533/22 e 790/25, nada impede que as empresas estatais promovam o emprego, por analogia, de outros institutos presentes na NLGLC na busca de instrumentos mais flexíveis e eficientes de contratação.

Assim, já se afasta um possível impedimento para se afastar as regras de prescrição da NLGLC às sanções aplicadas com base na lei 13.303/16 (que, como bem se sabe, não contemplam regras sobre prescrição da pretensão punitiva).

Outro possível impedimento seria o art. 173, § 1º, II da CF/88 que estabelece que as empresas públicas e sociedades de economia mista se sujeitarão ao regime jurídico próprio das empresas privadas, vez que sanções contratuais privadas não recebem um tratamento específico no Código Civil sobre o seu regime prescricional.

Todavia, considerando que as estatais possuem um poder que as empresas privadas não possuem, que é o de, por conta de inexecução total ou parcial do contrato aplicar ao contratado a sanção de suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a entidade sancionadora, por prazo não superior a 2 anos, fica claro que o regime sancionador das empresas públicas e sociedades de economia mista é público e não privado.

Assim, não há empecilhos hábeis para impedir a incidência das regras de prescrição na NLGLC sobre as sanções aplicadas pelas empresas públicas e sociedades de economia mista com base na lei 13.303/16.

Conclusão

Assim, sobretudo por força do princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, insculpido no art. 5º, XL, da Constituição da República, a lei 14.133/21 deve regulamentar a prescrição das sanções aplicadas com base nas leis 8.666/1993, 10.520/2002, 8.987/1995 e 11.079/2004 e, no caso das empresas estatais, tal possibilidade de aplicação das regras de prescrição quinquenal encontra albergue na jurisprudência do TCU e da natureza pública do regime sancionador da lei 13.303/16.

__________

1 Oliveira, Rafael Carvalho Rezende, Direito Administrativo Sancionador e retroatividade das normas mais benéficas nas contratações públicas, Blog Gen Jurídico, 24.03.2025. Disponível em: https://admin-blog.grupogen.com.br/juridico/areas-de-interesse/administrativo/direito-administrativo-sancionador-e-retroatividade-das-normas-mais-beneficas-nas-contratacoes-publicas/#:~:text=Dessa%20forma%2C%20as%20normas%20sancionadoras,da%20sua%20entrada%20em%20vigor.&text=A%20aplica%C3%A7%C3%A3o%20da%20retroatividade%20da,previs%C3%A3o%2C%20ainda%2C%20no%20art.. Acesso em: 11/5/25.

2 Pedra, Anderson Sant'Ana, A nova lei de licitação e a (im)possibilidade de conjugação dos regimes sancionatórios à luz do Direito Administrativo sancionador, ONLL - Observatório da Nova Lei de Licitações, 17.04.2024. Disponível em: https://www.novaleilicitacao.com.br/2024/04/17/nova-lei-de-licitacao-e-impossibilidade-de-conjugacao-regimes-sancionatorios-direito-administrativo-sancionador/. Acesso em:  11/5/25.

Aldem Johnston Barbosa Araújo

VIP Aldem Johnston Barbosa Araújo

Advogado em Mello Pimentel Advocacia. Membro da Comissão de Direito Administrativo da OAB/PE. Especialista em Direito Público.

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