Maconha, racismo e controle social
A verdadeira guerra nunca foi contra as drogas. No ensaio, serão abordadas as faces históricas e culturais da proibição da maconha no Brasil.
quarta-feira, 14 de maio de 2025
Atualizado às 10:02
A criminalização da maconha acontece historicamente em 1830 no Brasil, por meio da "lei do pito do pango", um código de conduta que continha artigos que criminalizavam a cultura negra e indígena, a fim de considerá-los criminosos pelo sistema penal da época.
Desde os anos de 1830 até a atualidade, a ferramenta de opressão e repressão ao uso da maconha só aumentou, destacam-se os anos de 1960 e 1970, momento de ascensão do uso da maconha por setores da "juventude contestadora urbana" de classe média, que se sobrepôs ao uso lúdico tradicional feito pelas classes subalternas.
Vale ressaltar que, no período ditatorial (1964-1985), a repressão à maconha foi feita em associação à doutrina de segurança nacional e à repressão às drogas. Nessa época, os militares detinham ferramentas legais para legitimar a tortura aos usuários de drogas.
Até os dias atuais, a maconha é vinculada ao uso ilícito ou proibido. Usuários presos com pequenas quantidades da droga, jogados nos calabouços do falido sistema penitenciário e punidos por suas identidades culturais.
O racismo é utilizado como ferramenta dentro do sistema moderno e exerce sua aplicação com o intuito de excluir a população negra dos espaços de poder, apagando a história, assassinando seus corpos, criando desinformação com contextos morais para alienar a população e continuar o plano de extermínio da população preta e pobre brasileira.
Fato é que a maconha faz parte de um contexto de identidade cultural brasileira, sendo que nossos ancestrais sempre fizeram o uso da planta com a finalidade medicinal, terapêutica, ritualística ou recreativa. Compreender a planta como um elemento cultural brasileiro está entranhado na história do nosso Povo e deve ser compartilhado como saber popular.
A criminalização da maconha traz consigo toda a explicação diante das barbáries cometidas por este ente personalizado chamado de Estado, cuja finalidade final foi afastar o povo da sua própria identidade cultural, mantendo assim, nossa civilização alienada e vulnerabilizada socialmente.
O pretexto da normatização da criminalização da substância não traz consigo o ideal de que a população estará segura; muito pelo contrário, tal estratégia do sistema propicia à exclusão e manipulação do Povo brasileiro para punir e reprimir esta conduta, legitimando a violação de determinados corpos. O Estado aplica a seletividade penal para violar corpos pretos e pobres nessa guerra contra o próprio povo brasileiro; nunca foi contra as drogas.
Vemos na lei de drogas ( 11.343/2006) que o legislador emprega verbos idênticos em duas práticas típicas diferentes, mas que se colidem no momento do fato social, entre o "usuário" e o "comerciante", deixando ao alvedrio da autoridade policial a realização da aplicação da lei no caso concreto.
A lei de drogas promulgada em 2006 traz consigo a inovação do "usuário" ser despenalizado; por outro lado, não classificou objetivamente a conduta, deixando espaços em branco para a opressão policial envolto das classes selecionadas para puni-las.
No final, a inovação de distinguir o "usuário" e o "comerciante" ficou apenas nas linhas da lei, pois a realidade foi um aumento de 500% da população carcerária desde a promulgação da lei de drogas em 2006, com 1/3 das pessoas presas pelo crime de tráfico de drogas, estando o Brasil no 3º lugar do ranking de maiores encarceramentos do mundo, com uma população carcerária de 663.906 mil pessoas.
A guerra civil propiciada pelo Estado causa diariamente mais mortes do que o próprio uso de drogas, de maneira geral e ampla, referindo-se a todas as substâncias. O modelo estatal usa como ferramenta a seletividade penal para violar corpos das populações escolhidas para serem criminalizadas.
As legalidades estatais normatizadas em ações violentas e coercitivas servem como aparato social para controle dessas populações, que sofrem diariamente com a punição e morte propiciada pelo Estado, a título da "Guerra às Drogas".
Afinal, a quem interessa a criminalização? O que vemos deste modelo normativo punitivista é o tratamento desigual de pessoas da população brasileira.
O modelo ao qual se destina a identificação de usuários e criminalizar as condutas (mesmo sem pena de prisão) é questionável, pois o cidadão não está violando a incolumidade pública, mas sim, sua própria saúde (autolesão).
A legalização da maconha no Brasil, partindo do Poder Legislativo e Executivo, com as regulamentações aplicadas pelos órgãos regulatórios e a descriminalização (de fato) do uso são ferramentas de reparação histórica para com o nosso povo brasileiro.
Fato é que a criminalização da maconha traz lucros exorbitantes a esse mercado "ilícito". Manter a ideia da punição aos usuários de substâncias nunca será a via de êxito. A regulamentação do tema sob a perspectiva das políticas públicas sobre drogas é o que a população brasileira necessita por direito.
A população tem o dever de reivindicar seus direitos, tais quais seus costumes e culturas. A maconha faz parte da nossa identidade cultural e sempre fez parte da construção cultural do nosso Povo e foi criminalizada pelo Estado para controle das populações escolhidas para serem marginalizadas, utilizada pelo sistema punitivista a fim de selecionar corpos para criminalizar, punir e violar a vida e dignidade das pessoas pobres e pretas brasileiras.
A proibição apenas favorece aqueles que lucram com esse mercado irregular. Por isso, lutar pela legalização e regulamentação da maconha são considerados pautas urgentes a serem debatidos e regulamentados, a fim de reivindicar nossas vidas, dignidade, liberdade, identidade cultural, dentre outros direitos e garantias fundamentais do povo brasileiro, conforme nossa Constituição Cidadã preconiza.
A história da maconha no Brasil traz consigo a violação de comunidades negras, indígenas, de uma maneira geral, a todos os brasileiros que aqui pertencem a esse território.
A "Guerra às Drogas" ceifa vidas e só vamos vencer quando mais nenhum sangue dos nossos corpos escorrer a título dessa guerra injusta e covarde contra o povo brasileiro.
Essa guerra nunca foi contra as drogas, sempre foi contra os corpos pretos e pobres, escolhidos para serem marginalizados, punidos e criminalizados.
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https://www.gov.br/senappen/pt-br/assuntos/noticias/senappen-divulga-levantamento-de-informacoes-penitenciarias-referente-ao-primeiro-semestre-de-2024
https://www.gov.br/depen/pt-br/assuntos/noticias/segundo-levantamento-do-depen-as-vagas-no-sistema-penitenciario-aumentaram-7-4-enquanto-a-populacao-prisional-permaneceu-estavel-sem-aumento-significativo
http://antigo.depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen
https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/10/19/em-15-anos-proporcao-de-negros-nas-prisoes-aumenta-14percent-ja-a-de-brancos-diminui-19percent-mostra-anuario-de-seguranca-publica.ghtml
BRASIL. Lei nº 11.343 de 23 de agosto de 2006 (Lei de Drogas). Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Brasília: Presidência da República. [2006]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004- 2006/2006/lei/l11343.htm
KARAM, Maria Lucia. Proibições, Riscos, Danos e Enganos: As Drogas Tornadas Ilícitas. Lumen Juris. Vol. 03. São Paulo, 2009
https://carceraria.org.br/combate-e-prevencao-a-tortura/dina-alves-o-carcere-e-a-maior-expressao-do-racismo


