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Holding familiar à brasileira

Holding familiar à brasileira vira foco no debate sucessório ao expor manobras que burlam a legítima e desafiam o equilíbrio entre tutela de urgência e princípio da não surpresa.

quinta-feira, 15 de maio de 2025

Atualizado às 10:21

Holding familiar à brasileira e sua ineficácia em relação a inventário ao desrespeitar a legítima. Como interpretar a normas processuais em conflito aparente, de forma a harmonizar a utilização dos princípios processuais da não surpresa e a possibilidade da concessão de tutela de urgência no inventário judicial.

Observa-se um conflito aparente entre as normas processuais estabelecidas:

Art. 10 e o art. 300, parágrafo 2º, ambos, do CPC.

"Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base e fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de s manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício".

"Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado do processo.

(.)

2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia."

Numa interpretação literal, poder-se-ia entender que o art. 10 do CPC (princípio da não surpresa) eliminou a possibilidade do julgador aplicar parágrafo 2º, do art. 300 do CPC. Ou seja, segundo essa interpretação, nã haveria mais a possibilidade de concessão de pedido liminar no direito processual brasileiro. Dessa forma, tanto a tutela de urgência quanto a tutela de evidência estariam eliminadas do nosso sistema processual civil. Salvo melhor juízo, discordo dos adeptos dessa forma de interpretação do sistema processual. Entendo que o operador do direito deve se socorrer da interpretação teleológica do sistema e do princípio da proporcionalidade para buscar a harmonia entre os princípios processuais em aparente conflito. O juiz Eduardo Walmory Sanches, em sua obra: "A Ilegalidade da prova obtida no inquérito civil", esclarece a importância do princípio da proporcionalidade na compreensão e harmonia dos princípios jurídicos: "Observa-se que os princípios jurídicos são de extrema importância para compreensão da ordem jurídica e aplicação do Direito. Pode se utilizar, também, o princípio da proporcionalidade" (.)

" O princípio da proporcionalidade apresenta três princípios parciais: a) Princípio da adequação ou conformidade" (.) "princípio da exigibilidade, necessidade ou máxima do meio mais suave" (.) "princípio da proporcionalidade em sentido estrito ou máxima do sopesamento, ou justa medida". (Editora: Forense. Rio de Janeiro. 2006. pág. 43 a 45)

Vale lembrar, por oportuno, que a discussão sobre a forma mais adequada de utilização dos princípios do processo civil, dentro do estudo do direito sucessório, deve levar em consideração o principal tema da matéria: respeito à legítima que nada mais é do que o respeito ao direito de herança que é uma garantia fundamental prevista na Constituição Federal, art. 5º, inciso XXX. Dessa forma, quando o operador do direito se depara com uma situação fática em que uma garantia fundamental, prevista no art. 5º, inciso XXX, da Constituição Federal, está em perigo, ou seja, há risco evidente de desrespeito ao direito de herança (garantia fundamental), caso o magistrado não conceda a tutela de urgência ou de evidência, é dever do juiz decidir pela escolha do respeito a essa garantia fundamental, em detrimento da regra processual da não surpresa.

Uma vez verificada a existência de prova documental suficiente capaz de comprovar a criação da holding familiar, denominada "holding familiar à brasileira" que prejudicou o direito de herança de algum herdeiro necessário, é evidente que o juiz deve optar pela concessão da tutela de urgência. Deve-se salientar que esse fenômeno, holding familiar à brasileira, surge como uma forma criativa de desrespeitar à legítima do herdeiro necessário. À guisa de curiosidade, merece registro que a ocorrência desse fenômeno, em especial, quando existe irmão (unilateral) proveniente de outro relacionamento, está se tornando comum no cotidiano das varas de Sucessão. Ademais, importante relembrar que esse comportamento inapropriado, aplicado na criação da holding familiar à brasileira, ofende ainda, outro artigo da Constituição Federal, qual seja, o art. 227, § 6º (princípio da igualdade entre os filhos).

Importante destacar, que para o juiz do inventário constatar a presença da holding familiar à brasileira e conceder a tutela de urgência solicitada pelo herdeiro necessário prejudicado, preservando a garantia fundamental (Direito de herança) é necessário a análise de alguns aspectos:

1) O juiz do inventário ao analisar a formação de qualquer negócio jurídico celebrado em vida pelo autor da herança deve se socorrer da teoria da escada ponteana e observar se todos os planos de formação do negócio jurídico, foram respeitados na criação da holding familiar: a) Existência b) Validade: agente capaz, objeto lícito, forma prescrita ou não defesa em lei e vontade livre e consciente. c) Eficácia: (respeito à legítima). Quando ocorre desrespeito à legítima, o operador do direito deve se socorrer da teoria da escada ponteana.

A teoria da escada ponteana (pontes de Miranda) é uma teoria jurídica que define os planos de formação de um negócio jurídico, no caso em estudo, aqueles que serão necessários para que a criação da holding familiar tenha eficácia perante o inventário. Desse modo, uma vez reconhecida a ocorrência de fato que desrespeitou à legítima, a consequência será o reconhecimento da ineficácia da holding familiar em relação ao inventário, independentemente de qualquer discussão sobre a legalidade do negócio jurídico em si.

2) A ocorrência do esvaziamento total, ou quase total, do patrimônio do autor da herança inserido no capital social da holding familiar como forma de excluir o outro herdeiro necessário (por exemplo, irmão unilateral dos demais sócios da holding). Na prática, observa-se a exclusão do direito de herança (desrespeito à legítima) do filho havido fora do casamento, desrespeitando-se, também, o princípio da igualdade entre filhos, previsto no art. 226, § 7º, da Constituição Federal. Merece registro que o art. 1.596 do Código Civil também é desrespeitado com essa conduta. Constata-se que a constituição da holding familiar à brasileira, causa evidente desrespeito à legítima, portanto, desrespeito a um direito fundamental (art.5º, XXX da CF que é o direito de herança).

3) A necessidade da presença de prova documental apresentada no processo, tais como: (contrato social e registro na junta comercial da holding familiar) demonstrando que a holding familiar à brasileira foi criada em data muito próxima ao óbito do autor da herança, muitas vezes, com o autor da herança internado em UTI hospitalar. Nesse caso, recomenda-se a juntada do prontuário médico com a prova da data da entrada do autor da herança no hospital, o período de sua permanência internado, o local da internação (UTI, ou outro lugar), o médico responsável, a medicação utilizada nesse período, o nível da capacidade cognitiva do autor da herança durante o período de internação e a data e a causa do óbito. Juntar, ainda, a certidão de óbito e o atestado de óbito.

4) Apresentar prova documental que os herdeiros necessários beneficiados pela abertura da holding familiar sabiam da existência, por exemplo, do irmão unilateral, filho havido fora do casamento. Deve-se juntar fotografias, páginas de redes sociais ou declaração pública lavrada em Cartório de Notas (escritura pública) em que terceiros confirmam que os herdeiros necessários, sócios da holding familiar, tinham pleno conhecimento da existência do irmão unilateral.

5) Apresentar prova documental produzida por corretor de imóveis cadastrado perante o CRECI, confirmando a subavaliação do valor dos bens que foram integralizados no capital social da holding famiilar. Em regiões de agronegócio, é comum a inclusão de fazendas (propriedades rurais) nas cotas sociais da holding familiar, com valores muito abaixo dos valores reais de mercado. Tal manobra irresponsável, além de prejudicar a arrecadação tributária (fraude fiscal), prejudica o direito à legítima do outro herdeiro necessário que ficou de fora da empresa (não figurou como sócio). O objetivo da subavaliação patrimonial dos bens ofertados pelo autor da herança, para integrar o capital social da holding familiar, é "ampliar de forma fictícia" a parte disponível da herança.

6) Apresentar prova documental de que todos os bens ou quase todos os bens que foram usados para integralizar o capital social da holding familiar eram de propriedade exclusiva do autor da herança.

Em conclusão: recomenda-se ao advogado militante no Direito Sucessório muita cautela e bastante responsabilidade quando orientar e recomendar abertura de holding familiar para evitar a caracterização da mesma como holding familiar à brasileira. Vale lembrar que uma vez caracterizada a constituição da holding familiar à brasileira, o advogado poderá sofrer penalidades administrativas (TED na OAB), responsabilidade criminal (participação no delito de sonegação de tributo) e indenização na área cível Eduardo Walmory Sanches é juiz de Direito na 1ª vara de Sucessões de Goiânia/GO e associado ao IBDFAM.

Eduardo Walmory Sanches

VIP Eduardo Walmory Sanches

Juiz de direito da 1 vara de sucessões em Goiânia. Pós graduado em interesses Difusos e Coletivos pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo. Autor de livros.

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